Fogo Celestial

Benjamin Wharlook


Todo o jantar foi voltado para Benjamin Wharlook. As perguntas centrais na verdade eram duas: Quem era ele? E, qual sua relação com Clary?

A primeira era voltada a vida dele mesmo, como era ser um Haikai? O que exatamente isso significava já que a história sobre Haikais era extremamente escassa e por que ninguém sabia sobre ele? E a segunda voltada a Clary e como um instituído do outro lado do oceano a estava encobrindo também?

Claro que estas eram as questões centrais, assim cada uma delas se ramificava em infinitas perguntas sobre os mais diversos motivos, situações e por ques. Dessa maneira Ben achou melhor contar toda a história – ao menos toda a história contável no momento – começando pela sua própria, mais especificamente pelos seus quatro anos de idade.

- Um caçador de sombras é treinado sua vida inteira, desde que é capaz de dizer as primeiras palavas e dar os primeiros passos, mas tudo devagar e só recebe sua primeira marca aos doze anos e é ai que seu verdadeiro treinamento começa. Um Haikai não tem essa sorte. – Ben tinha uma expressão de profunda tristeza, essa era uma história que ele não gostava de contar, ele não tinha magoa ou raiva, simplesmente não era uma história alegre. – Um Haikai começa o seu treinamento, em todo o sentido da palavra, assim que descobre que tem esse dom e não há uma idade especifica, os poucos Haikais que se tem conhecimento descobriram seus dons em variadas idades, sendo que um deles já tinha trinta anos quando seus poderes se manifestaram. – Ben suspirou. – No meu caso eu tinha quatro.

“Foram quando os pesadelos começaram. Depois de alguns meses de pesadelos, imagens e palavras que eu não entendia, em minha mente e muitas noites de febres muito alta, minha mãe resolveu me levar para os irmãos do silêncio para saber o que estava errado comigo. – Ben deu uma risadinha de escárnio. – Não sai mais de lá.”

Neste momento ele parou sua história e olhou fixamente para sua taça cheia de água. Clary teve vontade de tirá-lo dali e lhe dizer que ele não precisava falar mais. Ela sabia o quanto lhe doía fazer isso, o quanto ele sentia falta de uma infância que ele não teve. No entanto ela se conteve, ela não podia fazer isso. Ele era adulto e se queria contar sua história a responsabilidade era só dele. Ela se sentiu fria imediatamente por pensar assim, mas continuou sentada imóvel e permitiu que ele continuasse.

- Quando os irmãos do silêncio entraram em minha mente para saber o que eu tinha, eles viram meus pesadelos e viram um dom latente dentro de mim, irmão Samiel sabia o que era porque ele já tinha visto antes. Assim como manda a Clave ‘um Haikai deve permanecer com os irmãos do silêncio e iniciar seu treinamento imediatamente após a descoberta de seus dons’. Minha mãe não queria me deixar, ela chorou e pediu para me levar para casa. – Benjamin parou novamente, com a voz grossa. E quem continuou foi irmão Zacharyah.

“ Foi Benjamin quem caminhou até sua mãe e disse que ele ficaria e que ele estaria bem. Ele tinha quatro anos, mas foi forte pela mãe. Quando ela foi embora, ele se virou para uma parede de irmãos do silêncio, todos encapuzados e disse: ‘vamos começar.’ Lembro-me de sentir o seu medo e também lembro-me de ver a coragem derramando por seus olhos. E tudo isso fazia dele um Haikai.”

- É claro que não fiquei preso, eu ia para casa nos finais de semana. Ainda assim eu vivi com os irmãos do silêncio até completar doze anos. Quando os restantes dos caçadores de sombras estão recebendo sua primeira marca, eu estava recebendo a última; a marca da liberdade. É claro que com ‘a última’ eu quero dizer a última para o treinamento de um Haikai.

“Quando eu sobrevivi, a Clave ficou tão feliz que estavam dispostos a me conceder qualquer coisa, foi então que eu pedi que mantivessem o fato de eu ser um Haikai em segredo.”

- O que você quer dizer com quando você sobreviveu? – Perguntou Isabelle com a voz um tanto estridente e um brilho molhado nos olhos.

“ O dom Haikai é raro. Porém não é isso que faz com que tenhamos apenas dois atualmente. O dom Haikai é perigoso, a maioria dos que o possuem ou morrem com o processo de treinamento ou enlouquecem com as visões.”

- Shusss.. E se você for me comparar com nossa outra única opção você vai ver que eu sou o único relativamente normal. – o ar de divertimento de Benjamin parecia ter voltado com esta afirmação.

- Você não é normal. – Todos olharam para Clary, mas ela se pôs novamente em silêncio após esta observação.

- Eu não entendo, o que há de tão especial nesse treinamento para matar caçadores de sombras? – Jace ainda estava cético em relação a Ben.

“ É um treinamento muito duro, ele recebe a primeira runa assim que o dom é descoberto. Garanto que você se lembra de sua primeira runa e o quanto ela foi dolorosa, imagine isso aos quatro anos e com o agravante de serem runas especias, runas que pertencem somente aos Haikais.”

- Como as runas que somente os irmãos do silêncio possuem? – Perguntou Alec estremecendo levemente.

“Sim. Ainda assim, runas diferentes.”

- Mas se esse processo é tão doloroso, por que não esperar até que ele pudesse aguentar? – Perguntou novamente Jace.

- Eu podia aguentar. – Ben respondeu, franzindo a testa e Clary conteve um sorriso.

“Porque, Jace Herondale, uma vez que o dom começa a se manifestar ele não para, ele continua a evoluir. As runas são para a proteção do caçador, sem elas á um único destino; a loucura, o limbo da mente.”

- Então, ou ele sentia as dores das runas e seguia o treinamento podendo assim morrer ou ele enlouqueceria, mas mesmo que ele tenha escolhido o treinamento ele ainda poderia ficar louco? – Isabelle parecia com medo dessa possibilidade, de sequer ter que pensar em fazer essa escolha.

“Sim.”

Izzy suspirou e recostou-se em sua cadeira, involuntariamente ela tinha se inclinado a frente enquanto Ben contava sua história.

Alec olhava dele ao irmão Zacharyah, tentando conciliar tudo o que tinha acabado de ouvir, ele sabia da existência dos Haikai, mas sabia muito pouco sobre eles, não era realmente importante para os caçadores de sombras saberem de sua história.

Maryse permanecia calada, esperando que continuassem a falar, ela sabia que ainda não tinha acabado.

Clary já conhecia esta história e mantinha suas reações para si mesma, ela observava a reação de cada um na mesa, dos que ouviam e dos que falavam, Jace a sua frente tinha um olhar curioso dirigido a Ben.

Jace, bem, Jace não queria sentir qualquer tipo de empatia ou simpatia pelo Haikai então continuou com suas perguntas secas.

- E que tipo de dons exatamente são esses?

Ben mudou seu olhar para encarar Jace, com um sorriso travesso ele respondeu:

- Do tipo que você não pode nem imaginar.

- Eu sei que os Haikais são os melhores lutadores entre os caçadores de sombras. – Disse Jace e silenciosamente, mas não tão silenciosamente assim, acrescentou – Ou deveriam ser.

Ben estreitou os verdes opacos olhos, no entanto antes de poder responder o irmão do silêncio o fez.

“E eles são, mas os poderes Haikai são mais do que apenas físicos. Eles são os melhores lutadores e tem uma resistência física que permite que eles suportem runas que outros caçadores de sombras não suportariam, porém eles também tem um elevado dom espiritual.”

- Spiritualis doni. – Murmurou Maryse.

- Sim, o Dom da Palavra o Dom da Profecia, o Dom de Discernimento de espíritos o Dom de Ensino o Dom das línguas o Dom da Fé da Cura do Poder e assim por diante.

Ben dizia as palavras automaticamente e Maryse enfim expressou alguma reação.

- Então realmente existe. Spiritualis doni – Ela repetiu. – Isso deve mesmo ser difícil para uma criança.

- Eu deixei de ser criança assim que os pesadelos começaram. A muito tempo eu não penso mais em como foi difícil. Depois que eu sai da Cidade dos Ossos e voltei para o instituto eu entendi para que isso tudo havia acontecido comigo.

- E por que foi? – Ben olhou para Isabelle deu um sorriso triste e respondeu a sua pergunta.

- Porque há muitas pessoas que precisam de ajuda. E as vezes... – Ele olhou para Clary - Essas pessoas precisam de alguém que tenham um dom especial, para ajuda-las. As vezes somente a boa intenção a vontade e o amor das pessoas não são o suficiente. As vezes é necessário... eu não sei... alguma coisa, alguma coisa que eu tenho. – Ben agora olhava para as próprias mãos – Eu não sei como explicar isso, mas eu sei que eu posso ajudar. E eu quero e eu preciso.

Quando ele parou de falar, a sala de jantar caiu em um profundo silêncio, onde nem mesmo respirações eram ouvidas.

E foi nesse silêncio que a voz penetrante de irmão Zacharyah retumbou em suas mentes.

“Terrae venistis succedere terrae venistis ad terram bellum auxilium ferre terrae venistis, et venit in terram sustinere, venerunt in terram cordis tui amoris.”

- Viestes a terra para triunfar, viestes a terra para lutar, vieste a terra para ajudar, viestes a terra para suportar, viestes a terra para amparar, viestes a terra ó coração puro, para amar. – Clary traduziu logo em seguida.

“Estas são as palavras ouvidas nos sonhos, daquele que foi abençoado com o dom. A profecia Haikai.”

- Sonhos não. Pesadelos. – Ben olhou para Clary durante segundos muito longos e então graciosamente levantou-se - Com licença - e saiu da sala.