Então era isso, depois de três dias desde o terrível dia, o dia em que ela cravou uma espada - a Gloriosa – no peito de Jace, o dia em que a dor dela foi tão grande quanto à dele quando a espada começou a queimar e consumir tudo em seu caminho, consumir Jace, com um fogo celestial tão intenso que durante todo o processo que pareceu durar anos ela só conseguia enxergar luz, luz e os olhos de Jace ardendo com as chamas. E depois a agonia de tê-lo imóvel, de olhos fechados em seus braços. E por fim o alivio de ver e sentir o menor, o mais ínfimo dos movimentos em seu peito, ainda assim o mais lindo dos movimentos, pois este significava que ele estava vivo. Jace estava vivo e isto era tudo o que importava. Para ela pelo menos.

Mas hoje Clary finalmente ia vê-lo. Três dias se passaram e ainda não tinham deixado que ela o visse, Jace ficou inconsciente a maior parte do tempo - dois dias - mas ele já estava acordado há algum tempo e tudo o que diziam a ela é que os irmãos do Silêncio estavam falando com ele e que estavam proibindo visitas. Como se ela fosse qualquer visita. Tudo bem Clary até entenderia se ele não quisesse vê-la, afinal de contas ela enfiou uma espada em seu peito, e o fato dele estar vivo é uma espécie de sorte. Então sim se ele não quisesse vê-la Clary ficaria longe dele. Mas quando ela perguntou a Isabelle se era isso, se esse era o motivo pelo qual não estavam permitindo que ela o visse, Isabelle foi muito firme em dizer que ele definitivamente queria vê-la. Então não há realmente um motivo para que Clary não fosse até o Instituto e visse e falasse e tivesse certeza de que Jace esta bem. Por isso hoje ela iria vê-lo, com ou sem permissão.

É claro depois da seção do conselho da Clave.


A sala do conselho estava cheia, muitos rostos Clary conhecia, outros ela apenas reconhecia, por ter visto em algum lugar que agora ela já nem se lembra mais, mas provavelmente de Idris ou das últimas seções do conselho em que ela vem sido torturada. Não fisicamente é claro, mas bem poderia ser pelo o que fazem nessas seções. Perguntas e mais perguntas e repetições de perguntas que já haviam sido feitas milhares de vezes e que ela já havia respondido exatamente da mesma forma cada uma das vezes em que elas foram feitas. Clary tinha vontade de gritar, de berrar com essas pessoas estúpidas que se achavam tão sabias, mas que na verdade não sabiam nem quais perguntas fazerem.

Clary queria dizer a eles todas as vezes que ela esteve nesta sala, que eles estavam perdendo tempo, fazendo perguntas desnecessárias para as quais eles já tinham respostas, enquanto coisas importantes aconteciam do lado de fora destas paredes.

Neste exato momento ela queria dizer a eles que ela bem poderia estar gastando seu tempo com Jace ao invés de ficar ali em pé no meio de uma sala cheia de gente que só queria encontrar um motivo para condená-la. Quando na verdade ela mais uma vez tinha salvado toda a Clave da ruína. Esse pode ser uma afirmação muito forte para se fazer, mas era apenas a verdade. Nos últimos meses Clary, Jace, Alec, Isabelle, Simon e Magnus haviam feito e salvo a Clave mais vezes do que ela merecia ser salva.

E eles receberam algum reconhecimento por isso? De maneira alguma. Era só isso, seções de perguntas estúpidas, lutas para provar que era inocente de seja lá que maneira eles a estavam acusando de quebrar a lei. Essa lei que Clary odiava cada vez mais.

A mente de Clary não parava de ter pensamentos como esses. De que a Clave deveria ser grata e não ficar acusando-a e impedindo-a de ver Jace. A raiva e indignação estavam tomando conta de Clary quando de repente para seu próprio espanto ela se ouviu dizendo:

– Então se suas cotas de perguntas estúpidas já terminaram eu posso ir embora? Porque eu tenho que ir ver Jace.

Clary viu os olhares esbugalhados de incredulidade dirigidos para ela. Todos na sala, todos, sem exceções a olhavam pálidos, incapazes de acreditar que ela pudesse ter dito algo tão rude diante o conselho da Clave.

Mas ela disse, por impulso e raiva, mas disse e não estava se arrependendo, já que era verdade e há muito tempo ela queria dizer umas verdades a essa Clave arrogante e ignorante.

– Cuidado com seu palavreado diante o conselho Clarissa, isso não é uma roda de seus amigos onde você pode falar com o desrespeito que bem entende. E mesmo que você já pudesse ir, não poderia ver Jace, ele ainda não esta recebendo visitas.

Era só isso que Clary precisava para despejar toda sua indignação.

– Mas é claro que eu não estou em uma roda dos meus amigos, porque esses sim merecem meu respeito, já que eles são os únicos que realmente se importam comigo. O palavreado que estou usando é exatamente o que esta Clave falida, com suas leis antiquadas merece ouvir. Quanto a ver Jace, eu não estou pedindo autorização para vê-lo, estou apenas informando o fato de que eu vou vê-lo.

– Clarissa você esta passando dos limites, nós entendemos que você esteve sobre muita pressão, mas isso não justifica sua falta de respeito para os que a protege e provem.

Clary bufou com essa.

–Protege e provem?! Mas que palhaçada é essa? Vocês realmente acreditam no que estão dizendo? Protegem como? Abandonando-me quando eu mais precisei? Impedindo-me de fazer o que era preciso para ajudar quem realmente precisava de ajuda? Fazendo com que eu tivesse que esconder o que eu estava fazendo, porque se eu contasse vocês provavelmente me jogariam em uma sela por ter quebrado a lei de alguma forma e teriam matado Jace sem nem sequer saber da real historia?

“E provem como? torturando-me dia após dia com perguntas que não fazem sentido e que não ajudam em nada? Impedindo-me de ver Jace simplesmente porque por alguma razão absurda vocês decidiram que nós não podemos nos ver? Isso é o que vocês querem dizer com proteger e prover? Porque isso é tudo o que a Clave tem feito por mim. Nada além de atrapalhar quando eu tento ajudar”.

E aproveitando que já tinha começado – mesmo sem ter planejado isso – ela decidiu que estava na hora de colocar as cartas na mesa, e deixar tudo bem claro. Por isso continuou, dizendo:

– E quer saber eu já estou farta disso! E você diz que eu estive sobre muita pressão? É assim que a Clave enxerga o que tem acontecido. Porque veja bem eu tenho uma opinião um pouco diferente. Eu tive que me enfiar escondida de todo mundo em uma dimensão diferente onde ninguém podia me encontrar com um irmão completamente psicopata e alterado ao qual eu não podia ferir porque ele estava ligado a um Jace que se comportava como seu cachorrinho, mas que lá no fundo ainda era ele mesmo, esse Jace que eu estava tentando salvar, passei por coisas que vocês não podem nem começar a imaginar enquanto estava lá, mas me mantive firme.

“E no fim quando Sebastian estava colocando em prática seu plano do mal para mandar toda a Clave e a raça humana para o inferno e meus amigos enfrentaram desafios enormes e perigosos para conseguir a arma para matar Sebastian sem ferir Jace, eu simplesmente não era capaz de chegar até ele para usar essa arma, mas Jace estava bem ali na minha frente, e eu sabia que se ferisse Jace Sabastian sentiria. Então me lembrei do verdadeiro Jace, no seu único momento sendo ele mesmo - depois que toda essa bagunça começou - me disse que preferia estar morto a passar sua existência ao lado de Sebastian, servindo-o como um escravo, contra seu próprio querer.”

Clary podia sentir as lagrimas queimando atrás de seus olhos, mas ela não estava certa se era pela terrível lembrança daquele momento, ou se era pela raiva e indignação que ela estava sentindo.

Com sua voz subindo algumas oitavas ela continuou.

– Então eu enfiei uma espada no peito da pessoa que eu mais amo, por quem eu fiz tudo o que fiz, a pessoa a qual foi meu único desejo quando o anjo me ofereceu qualquer coisa que eu quisesse, tudo ele disse, e eu só quis a vida de Jace de volta... E... ali estava eu... enfiando uma espada em seu peito exatamente como Valentine havia feito.

Neste momento Clary sentiu o coração apertar e não pode se impedir de gaguejar as palavras. Tão verdadeiras e tão doloridas. Ela só desejava que quem as estava escutando pudesse entendê-las. Mas talvez isso fosse pedir demais.

– Sentindo em mim a sua própria dor e ainda mais a minha, eu tive que vê-lo queimar. E depois segura-lo em meus braços pedindo para ele voltar enquanto todos a minha volta diziam para eu deixá-lo porque ele estava morto, pela segunda vez eu tive de segurar o corpo de Jace em meus braços e pela segunda vez eu tive o alivio de vê-lo voltar a respirar. Mas isso não muda a dor que nós sentimos.

“E isso tudo por uma Clave que diz que cuida dos seus, mas que só se importa em fingir, e cumpre uma lei arcaica que não serve para nada além de satisfazer os desejos de poucos que estão em um alto nível. Então não me venha dizer que entende que eu estive sobre pressão. VOCÊ NÃO SABE E NÃO ENTENDE NADA! E não venha me dizer que eu não posso ver Jace porque depois de tudo vocês simplesmente não podem me impedir de vê-lo.”

No fim ela não pode resistir e as teimosas lagrimas escaparam de seus olhos, mas rapidamente Clary as enxugou com as costas das mãos.

Talvez esse tenha sido o mais longo discurso que Clary fez em sua vida, mas pelo menos ela disse o que queria dizer desde que entrou nesse salão, e tudo isso com uma voz incrivelmente firme e alta – exceto quando falou do momento de Jace e a Gloriosa, mas isso era compreensível. Clary estava orgulhosa dela mesma.

E todos no salão estavam completamente sem fala, sem saber o que fazer. Provavelmente porque nunca ninguém disse nada sequer parecido para a tão absoluta Clave.

Bem sempre há uma primeira vez pensou Clary.

Como ninguém disse nada, nem mesmo aqueles a qual ela conhecia e sabia que estavam do lado dela, Clary continuou, porque havia mais o que ela queria dizer e ela sentia no fundo de seu peito que essa seria a única oportunidade que ela teria. Depois de um profundo olhar para Alec e Jocelyn, que estavam sentados na primeira fila, tão boquiabertos quanto qualquer outro disse:

–Valentine era um lunático, que levou seu propósito tão a serio que se esqueceu da humanidade, do que valia ou não a pena, ele passou a não reconhecer limites em nome da sua causa. Mas ele estava certo quando disse que a Clave é corrupta e precisa mudar. Eu concordo com isso, essa Clave é um verdadeiro lixo e suas leis completamente hipócritas.

Isso causou um alvoroço na platéia que até agora havia escutado tudo em absoluto silêncio, mas isso não deteve Clary.

–Sabastian também é maluco e completamente doente, mas ele tem a mesma consciência de que essa sociedade criada pela Clave esta falida. A Clave já não é mais capaz de proteger aos seus. E suas leis só prejudicam os próprios caçadores das sombras responsáveis por aplicar essas leis. A Clave esta afundando, mas é arrogante demais para admitir isso. Pela segunda vez foi salva por quem agora vocês procuram desesperadamente um motivo para punir, somente para não ter que admitir que nós estejamos certos e vocês errados. Pois bem, para mim chega eu não vou mais seguir leis que eu considero erradas.

E foi ai que a cônsul recuperou sua voz para fazer a seguinte pergunta – ainda chocada, mas agora mostrando evidentes sinais de raiva.

–Menina você esta completamente fora de si. Você esta se declarando uma inimiga da Clave?

Na verdade Clary já esperava por essa reação, é sempre assim, e esse é um dos problemas, se você não esta com a Clave, você esta contra ela.

Mas Clary já tinha uma resposta pra isso também, então imediatamente ela respondeu:

–Não. Não estou me declarando inimiga da Clave, estou apenas dizendo que não acredito em suas leis, por isso não vou mais segui-las. Meu objetivo ainda é o mesmo que o da Clave, encontrar e matar Sebastian. Mas seus métodos não funcionam para mim, por duas vezes eu tive que me esconder da Clave para poder fazer o que era preciso. Agora simplesmente não vou me esconder mais. Eu vou atrás de Sebastian! E vou fazer o que for preciso para chegar até ele, e a Clave não vai me parar. Vocês precisaram de mim para matar Valentine, meu próprio pai. E agora eu vou atrás de Jonathan meu irmão. E a Clave não vai me impedir, porque depois de tudo o que eu fiz e por tudo o que eu passei eu ganhei o direito a minha liberdade, e no fim das contas estarei fazendo um favor a todos vocês.

–E você realmente acredita que é capaz de encontrar e matar Sebastian sozinha?

–Foi o que eu fiz com Valentine não foi? – a pesar de que, Clary pensou com Valentine ela não estava realmente sozinha, ela não teve ajuda da Clave isso é verdade, mas seus amigos estavam todos lá e Jace também e é claro o anjo Raziel. Agora ela estava assumindo o risco sozinha, realmente sozinha, porque algo tão importante quanto virar as costas para a Clave, Clary não poderia falar por eles. – tudo o que eu preciso é que vocês me deixem fazer o que eu tenho que fazer. E eu vou fazer.

–Você não sabe o que esta dizendo. – disse a cônsul, parecia ser o único tipo de coisa que ela poderia verbalizar “você esta fora de si, você não sabe o que esta dizendo, você esta tendo um colapso,” e coisas do tipo.

Enquanto isso todas as pessoas em volta de Clary entraram em uma espécie de discussão, se realmente era possível que ela tivesse razão e a Clave precisava de grandes mudanças? Se era possível ela fazer o que disse que faria dar as costas a Clave e sair com vida e livre? E ainda sem ser considerada uma inimiga, eles achavam isso bem improvável. E por fim discutiam se ela seria realmente capaz de encontrar e matar o próprio irmão, para isso a resposta era “sim, ela pode”, “ela matou o pai por que não mataria o irmão?!”. Pelo menos nisso eles tinham razão. Depois de tudo o que aconteceu pensar em Sebastian solto causava um sentimento tão forte em Clary que ela não pode sequer nomeá-lo não era raiva nem indignação, não era medo nem agonia, era mais que ódio era algum tipo de traição misturado com sangue, seu próprio sangue, o sangue de Sebastian, o sangue que ela queria derramar custe o que custar.

E com essa firme decisão e com o conselho ainda discutido se ordenavam a execução de Clary por traição imediatamente ou se a internavam em uma clinica para caçadores de sombras mentalmente perturbados Clary mais uma vez levantou a voz e com firmeza disse:


– Agora eu vou ver Jace. – deu às costas a multidão impolvorosa e fez seu caminho para a porta e para finalmente acalmar seu coração com a forte e calma visão de Jace. Enquanto uma Clave atordoada não sabia o que fazer com o fato de uma adolescente de 17 anos que nem ao menos terminou seu treinamento como caçadora de sombras a estava desafiando de uma maneira que nem Valentine fez.

Totalmente às claras.

Porque Valentine foi terrível e errado e apesar de no fim todos saberem de seus planos ele tomou cuidado para esconder sua opinião e seus propósitos da Clave o maximo que pode. Clary acabou de dizer que não concorda com as leis da Clave que os acha corruptos e que vai fazer seu caminho sozinha bem na frente de todo o conselho. Mais clara e objetiva impossível.

***


A visão de Jace deitado com os olhos fechados e tão pálido causou uma pontada de dor e desespero em Clary. No entanto tudo isso passou assim que ele abriu os olhos e junto um sorriso que fez o mundo, a Clave e toda a bagunça que a vida dela estava desaparecer, tudo o que existia era Jace e o fato de que ele está vivo e bem e que agora ela pode vê-lo e tocá-lo.

Clary se aproximou da cama da enfermaria onde Jace estava deitado enquanto Jace se sentava. Clary estendeu a mão para pegar a de Jace, mas ele imediatamente recuou esse pequeno gesto a magoou mais do que deveria, mas é que neste momento tudo o que ela queria era tocá-lo, ela estava esperando há muito tempo somente para senti-lo novamente. Vivo. Respirando. Para apagar a memória da última vez em que ela o teve nos braços.

Mas Clary entendeu, ele tinha todo o direito, para ser sincera ela estava admirada que ele ainda não a tivesse mando embora, afinal ela atravessou uma espada em seu peito. Mas talvez ele fosse fazer justamente isso, porque além de ter recuado de seu toque ele se sentou o mais afastado possível dela na cama e já não estava mais sorrindo. Ah e claro tem o pequeno fato de que ele não queria que ela viesse vê-lo.

Clary não sabia o que dizer, o que se diz em situações como essas? Pedir desculpas parecia apenas inapropriado até mesmo errado. Então como lidar com isso? Jace parecia também não saber o que dizer ou fazer, talvez estivesse pensando em todas as coisas ruins que ele poderia dizer a ela pelo o que ela fez ou simplesmente esteja magoado demais para dizer qualquer coisa. Mas ele já sofreu o suficiente, Clary estava disposta a facilitar as coisas para ele.

– Eu sei que você não me queria aqui e que o que eu fiz não é... é... bem foi horrível. Mas eu tinha que ver você Jace, tinha que ter certeza que você estava bem, então eu tinha que vir. Mas... você esta bem, não é?! E, eu... já vi... então eu não vou incomodar você. Eu estou indo.

O coração de Clary estava tão apertado que ela pensou que não conseguiria dizer as palavras, mas quando ela terminou e Jace continuou ali, sem reação nenhuma, ainda sem dizer nada, de repente Clary quis estar muito longe dali, ela não queria mais ver o olhar de repugnância de Jace não queria mais sentir a indiferença dele, ela só queria ir. Depois do que ela fez na reunião do conselho não é como se ela realmente tivesse escolha. Na hora, com toda a raiva e desespero ela não pensou nisso, mas no caminho para o instituto Clary teve tempo de clarear um pouco a mente e pensar no que ela tinha feito e no que ela teria de fazer agora.

Então com um último olhar para se certificar que Jace estava realmente bem, ela deu as costas e caminhou para a porta. Mas ela não conseguiu sair, não antes de dizer mais uma coisa. Ela se virou olhou bem nos olhos de Jace e disse:

– Eu te amo Jace. Eu só quero que você saiba que eu te amo, e te amei em todos os momentos, colocar aquela espada em seu peito foi atingir meu próprio coração, não estou dizendo isso para que você me perdoe, eu sei que o que eu fiz não tem perdão, mas eu quero que você saiba que eu te amo, e estou muito feliz por você estar bem e ter sua vida de volta. É isso.

Ela virou e se dirigiu a porta novamente, mas de novo ela não conseguiu sair, mas dessa vez quem falou foi Jace e por isso Clary congelou em seu lugar com a mão a meio caminho para a maçaneta da porta.

– Porque você acha que eu tenho que te perdoar? Você salvou a minha vida!

Essas palavras fizeram o coração de Clary quase parar.

– Você me salvou Clary, me libertou e mesmo depois de tudo o que eu fiz você ainda diz que me ama! Eu tenho é que agradecer você.

Clary quase não acreditou no que estava ouvindo. Jace ainda a amava. O alivio que percorreu seu corpo fez com que as pernas de Clary bambeassem, e ela se virou para ver Jace. Ele estava lá olhando para ela, Clary podia ver a sinceridade de suas palavras estampada em seus olhos, mas, ainda assim havia algo errado, alguma coisa que Jace não estava dizendo. Afinal pode ser que ele ainda a ame, mas prefere que você fique longe, pensou Clary. Mas ela não pode se conter e teve que perguntar.

– Então qual o problema Jace? Por que você não deixa eu me aproximar de você?

– Não é que eu não queira, é só que é melhor para você. - Disse ele.

– Melhor para mim? Como ficar longe de você pode ser melhor para mim?

– Eu vou te mostrar. Dizendo isso Jace se ajeitou na cama inclinando-se para frente como se fosse levantar automaticamente Clary se aproximou como se para segura-lo caso ele precisasse, mas logo parou com medo de que ele a afastasse novamente.

– Olhe para mim Clary. - Jace falou levantando a mão esquerda. Clary fez o que ele pediu, olhou para ele, primeiro em seu rosto sem entender, e depois olhou para sua mão levantada porque ela estava brilhando.

A mão de Jace brilhava como se fosse ouro ao sol. Mas era difícil dizer o que acontecia, sua mão tinha um brilho intenso, mas quanto mais Clary olha mais ela parecia translúcida. Clary pode ver as veias de Jace como se o que corresse por elas fosse ouro líquido, se derramando em luz pela sua palma. Era estranho, mas também era lindo, simplesmente lindo.

Depois de alguns instantes observando a mão levantada de Jace, Clary olhou novamente para seu rosto foi então que ela percebeu que não era somente a mão de Jace que brilhava seu rosto seu pescoço e seus braços também brilhavam. Um brilho mais calmo menos intenso, quase sutil, mas sim ele estava brilhando.

Clary não resistiu e quis tocá-lo, mas assim que ela levantou a mão e deu um passo a frente, Jace se afastou e deixou de brilhar.

– Desculpe. Como eu disse não é que eu não queira seu toque, é que isso queima. Eu queimei o irmão do Silêncio quando ele me tocou para me examinar. Eu não quero machucar você. – Jace falou como se as palavras ditas o machucassem.

As palavras ficaram presas na garganta de Clary e ela teve vontade de chorar.

– Eu quase matei você, e você diz que não quer me machucar?!

O olhar de Jace se suavizou um leve sorriso apareceu em seus lábios, o sorriso que Clary tanto amava, levantando os cantos de seus lábios sem realmente mostrar os dentes.

– Clary, você fez o que tinha que fazer. Você fez o que eu queria que você fizesse desde o início. Acredite em mim você teria me machucado mesmo, se tivesse deixado que aquilo continuasse, mas você sabia... você sabia que eu não podia viver daquele jeito, e eu sabia que você não ia me abandonar, eu sabia que quando chegasse a hora você faria a coisa certa, você sempre faz. – E lá estava ele com aquele sorriso lindo nos lábios, dessa vez mostrando todos os dentes e muito mais, ele mostrava a sinceridade de suas palavras naquele sorriso, ele estava dando o seu perdão a Clary e ele a estava agradecendo.

Clary não conteve as lágrimas. Ela estava desesperadamente feliz por Jace não a odiar, por ele não estar magoado com ela, mas seria muito mais fácil ir embora se ele não a quisesse por perto. Porque agora ela tinha que ir. Dentro de pouco tempo a clave estaria atrás dela, era de se admirar que ninguém tivesse vindo atrás dela ainda. E ela não podia se deixar ser pega. Porque ela foi muito sincera em tudo o que disse perante o conselho. A partir de agora ela não se curvaria nem daria satisfações a clave e mais, ela mesma iria atrás de Jhonatan, e ela iria encontrá-lo e pará-lo de uma vez por todas.

E por isso Clary tinha que ir, e tinha que deixar Jace. Porque ele já tinha muitos problemas com a clave, se ele fosse agora com Clary, supondo que ele quisesse isso, ele jamais seria perdoado por isso, não teria explicação, ele não poderia dizer que estava possuído ou sob algum feitiço, seria sim sua própria escolha. Para Clary isso não faria diferença alguma afinal de contas ela soube da clave há pouco tempo e eles não fizeram nada para ter o respeito dela, mas para Jace a clave era toda a sua vida, ele nasceu, cresceu e vai viver sempre com isso. E ela jamais poderia ser a causadora de tal coisa para Jace, não depois de tudo o que ela já causou a ele.

Ainda em meio as lagrimas Clary o abraçou, mesmo ele tentando se afastar, e o apertou muito forte o mais forte que ela pode e sussurrou em seu ouvido:

– Eu te amo Jace. Jamais esqueça isso, não importa o que aconteça ou o que eu faça eu amo você. Eu espero que você me perdoe. – com isso ela lhe deu um beijo, o último beijo, foi forte, intenso, mas também calmo e sereno.

Ela terminou o beijo, se afastou e com um último olhar lhe deu as costas e foi embora. Ela não diria adeus, ela nunca diria adeus a Jace, e ela também não podia ficar tempo suficiente para que ele perguntasse o que estava acontecendo, ela não podia explicar agora. Ela rezaria para que um dia ele a perdoasse por estar indo embora.

Ela saiu do quarto e encontrou o irmão do Silêncio parado do lado de fora exatamente como ele estava quando ela entrou, ela se aproximou e falou:

– Obrigada irmão Zacharyah, eu já estou indo. Cuide bem dele, por favor. Não deixe que o acusem por tudo.

Clary ouviu a voz do irmão em sua mente muito clara e calma “você esta indo embora não é mesmo?”

– Sim eu estou. Eu disse que já vou indo.

“Não tente me enganar pequena caçadora. Você vai embora e não ira voltar. Você desafiou a clave, agora tem que ir.”

Clary não sabia como ele sabia disso, que se alguém tivesse vindo contar a ele provavelmente teriam entrado e a levado e ele não poderia ter saído dali tempo suficiente para obter essa informação. Mas não importava só o que importava é que Clary tinha que dar um jeito de convencê-lo a deixá-la ir, assim como ela convenceu a deixá-la entrar.

Quando ela ia começar a falar ele a interrompeu. “Nem tente me convencer. Você quer ir? Então vá. Mas tenha certeza do que esta fazendo. Seu caminho será difícil sozinha, por vezes insuportável, e você não terá para quem pedir ajuda, esta deixando todos em quem confia para trás. Seu caminho será longo e solitário.”

– Eu sei disso, mas eu tenho que fazer. Eu preciso fazer. – Clary respondeu, mas sua pele se arrepiou com as palavras do irmão Zacharyah. Antes de se virar e partir Clary disse:

– Obrigada.

E seguiu o caminho para a saída pelos corredores do instituto pela última vez. Mas antes de passar pela porta Clary teve a impressão de ouvir as palavras “não, você não sabe pequeno anjo” em sua mente. Mas ela não pode ter certeza, pois não passava de um sussurro, e ela não olharia para trás