“Porra!” Ela exclamou depois de tanto tempo sentada e sem sequer encará-lo. Já tinha fumado três cigarros, e por vez ou outra sentia uma lágrima fina e discreta sair de um dos seus olhos. Mas, nada do que sentia se comparava a impotência, de literalmente não saber o que fazer.

Olhou para ele calado ao seu lado segurando com uma das mãos no volante como se pudesse mantê-lo ali na realidade. Detestou revê-lo como jamais podia ter imaginado, parecia uma estranha mutação. Ainda era tóxico, dava para sentir o cheiro de problema vindo de seu corpo de longe, era só saber enxergar com atenção. Isso funcionava da mesma forma que ela ainda que de forma camuflada.

“Somente saia do meu carro!” Ele disse essa espécie de conselho num tom tranquilo que deu a ela quase ânsia. Desacreditada ela virou o corpo para encará-lo.

“Eu odeio você!” Afirmou com vigor.

“E eu amei você!” Ele disse olhando para frente como se ela não existisse e ele estivesse falando com um fantasma ou uma alucinação. “Eu não me importo com o que esta pensando sobre mim. Eu imaginei este momento, incontáveis vezes, até que eu percebi que se eu não fizesse nada o tempo somente passaria e nada poderia acontecer.”

Ela o deixou falar porque desde que ele a encontrou e falou sem parar, sentia falta de ar. Porque não era possível, deveria ser uma das brincadeiras cruéis que era típico vindo de Cook.

“Deve ser muito fácil falar.” Desdenhou dele.

“Acredite não é.” Ele negou com a cabeça sendo indiferente pela forma que estava sendo tratado. Já esperava.

“Eu tinha um plano, ok! Ficaria com Naomi o tempo precioso ao seu lado, sendo sua melhor amiga, como deveria ter feito antes! Você arruinou tudo!”

“É. Isso é minha culpa. Mas, você só tem um ‘plano’ agora Effy, porque eu e Freddie sacrificamos tudo por você! Tudo!” Cook voltou a falar num tom severo de cobrança, toda a culpa que ela quis colocar nele, foi devolvida. “Apenas saia da merda desse carro e encare a realidade.”

“Eu não sei se consigo fazer isso.” Ela disse olhando para a entrada do prédio.

“Você consegue, você é Elizabeth Stonem, consegue o que quiser.” Ele continuou sério e destravou a porta de passageiro ao lado dela, encarando seus olhos realmente pela primeira vez, que refletia através da intensidade como ele sempre seria havia alívio em meio à dor.

Effy pegou sua bolsa e saiu do carro, ainda com a porta aberta ficou olhando para ele.

“Não vou voltar a te ver, certo?” Ela disse cruzando os braços em forma de proteção.

“Não. Minha especialidade é desaparecer.” Ele declarou.

Ficaram num silêncio incomodo para duas pessoas que tiveram as vidas no passado tão entrelaçadas e que agora são desconhecidas.

“Cuide dele, assim como ele cuidou de você.”

Essa foi à última frase de Cook para ela, e então ele puxou a porta do seu carro e ligando o motor acelerou até sumir de vista. Sabia que aquilo foi um adeus. Mesmo com a partida do seu ex-amigo, ela permaneceu parada na entrada por muito tempo. Até que finalmente decidiu entrar, caminhou em passos largos porque sentia ansiedade correndo nas veias maior que o receio. Não precisou esperar tanto na recepção já sabendo de certas burocracias de hospitais. Falando com a pessoa certa e com a sua entrada permitida só precisou chegar até o quarto.

Assim como quando ia ao hospital com Naomi, ficou na porta alguns segundos, sempre dizia mentalmente que ela tinha que ser forte para a realidade que se escondida atrás da porta. Só que agora era diferente, não era a amiga que se tratava de uma doença cruel. Era ele!

Conseguiu o ver através da janela de vidro, e então desabou num choro ali mesmo no corredor, sem se importar com mais ninguém. Ele estava concentrado em seu caderno que nada parecia existir ao seu redor sequer o choro silencioso e intenso dela. Não conseguia deixar de olhá-lo se fosse em outros tempos, pensaria que aquela imagem era fruto de alguma alucinação de sua mente. Todavia, era real. Freddie estava ali, seu amor estava ali.

Effy havia parado de chorar, até a vermelhidão do rosto estava passando, foi surpreendida com uma mão que surgiu no alcance de sua vista lhe estendendo um lenço de papel. Pela primeira vez desviando o olhar, ela encontrou uma garota a encarando com firmeza, lhe oferecendo o lenço sem mais nem menos.

“Obrigada.” Foi o que conseguiu dizer com surpresa pela sua voz ter saído.

A garota mais nova que ela aparentemente, só deu os ombros, mostrando que não tinha tanta importância. À medida que estava ali, passou apenas uma enfermeira onde mal a olhou parecia o menor de seus problemas ao contrário do que se imagina, ninguém veio censurá-la, tirá-la do local, ou confortá-la.

“Eles só fazem algo quando incomodam os pacientes, as salas têm isolamento acústico. Por isso ninguém a escutou chorando, a menos quem estivesse próximo, no corredor.” A garota respondeu sua dúvida interna. “Ainda mais o seu choro que é de alívio.”

“Como?” Effy teve que perguntar enquanto ainda secava ao redor dos olhos suas lágrimas.

“Quando se trabalha ou fica muito tempo aqui, dá para diferenciar os tipos de choros, os mais comuns por aqui é o choro de dor e o de alívio. O seu é de alívio.”

Effy ficou em silêncio esperando a tal garota desconhecida, mas gentil continuar a falar, pelo menos a distraia.

“Você deve entrar logo.” Effy a olhou surpresa. “Ás vezes as pessoas ficam tanto tempo aqui fora que desistem, se deixam consumir pelo medo, já vi várias vezes isso acontecer enquanto visito a minha mãe.” Ela apontou a cabeça para a sala ao lado da de Freddie.

“Mas, eu estou com medo.” Effy confessou.

“Então, enfrente!” A garota ensaiou um sorriso de lado e a conversa inesperada foi interrompida pela chegada de uma médica.

“Franky, me acompanhe, por favor, precisamos conversar sobre os resultados dos exames de sua mãe.”

Franky, a garota que conversava com ela, lhe lançou um último olhar e ela viu uma sombra de medo, mas ainda assim tinha um sorriso tentando lhe passar conforto. Ela esta enfrentando seu medo. Pensou Effy, quando a porta já tinha sido fechada e as duas haviam entrado. Com um suspiro alto caminhou até a porta, com o punho cerrado, porém com a mão tremula, ela deu algumas batidas na porta.

Não escutou nada mais que silêncio. Esperou por mais alguns segundos, passando as mãos no rosto tentando inutilmente apagar qualquer vestígio de que estava chorando. Forçou a maçaneta da porta branca de madeira.

E lá estava ele.

Effy sentiu vontade de se ajoelhar no chão e chorar até que não houvesse mais lágrimas, mas essa foi uma de suas vontades. Queria também sair correndo em direção aos seus braços e beijá-lo para matar toda a saudade que nutriu em todos esses anos. Queria socar seu rosto até vê-lo sangrar por fazê-la sentir a falta dele a cada merda de dia.

Freddie frustrado por não conseguir reproduzir seus pensamentos no papel, jogou o lápis de qualquer forma dentro do caderno e o deixou de lado, só então percebeu a presença dela em seu quarto. Ao vê-la sentiu dor tanto que levou a mão para a cabeça, mas não conseguia deixar de encará-la surpreso.

“Uau.” Ele soltou e ela suspirou porque não escutava a voz dele havia tanto tempo, queria se aproximar. “Você tem olhos muito bonitos.” Ele comentou e ela não conseguiu responder apenas assentiu.

Ela precisava ficar perto dele, não sabia como faria, mas, tinha que tocá-lo.

“Oi.” Ela disse tentando se reencontrar, ele ainda tinha o efeito de descontrole nela. “Eu sou Effy!” Ela queria continuar, mas estava insegura não sabia qual era o estado dele e nessa história, antes de se curar plenamente, ela poderia deixar novas feridas escorrendo.

“Effy” Ele repetiu, como se saboreasse. Para logo depois assentir em expressão confusa. “Cook me disse que viria me visitar.”

Ela deu alguns passos para ficar mais próxima como queria, e o questionou.

“Você me reconhece?” Tinha esperança na voz.

Ele ficou calado, não a respondeu, apenas ficou a encarando, tirou a mão da cabeça e afastou uma mecha do seu agora cumprido cabelo, colocou seu corpo para frente para poder a olhar melhor, o que fez o coração de Effy bater mais furioso contra o peito, ele tinha curiosidade no olhar. Aquilo não era uma má notícia.

“Você me reconhece?” Ele repetiu a pergunta, agora com curiosidade sobre ela, tinha vontade de pedir para que ela viesse para mais perto, tinha vontade de tocá-la. Era a mulher mais linda que já tinha visto.

“Eu não sei.”

Pela resposta de Effy, Freddie soltou um riso baixo, ele estava admirado.

“Talvez.” Ela falou e se interrompeu porque tinha que pensar primeiro nele, depois dela.

“O quê?” Ele ficou mais curioso, e ela notou o corpo dele indo mais pra frente, em direção a ela.

“Talvez se eu te visse de perto.” Ela arriscou dando ouvidos ao seu lado egoísta que clamava por tocá-lo.

Ele talvez esperasse ela falar aquilo, por isso levantou da cama e foi caminhando em direção até ela. Até ficar frente a frente, ele ergueu uma das mãos e tocou seu rosto. Effy só conseguiu fechar os olhos sentindo o seu toque.

“Eu também não sei se te conheço.” Ele comentou. “Foram tempos difíceis pra mim. Recentemente.”

“O que aconteceu com você, Freddie, por onde andou todo esse tempo?” Ela questionou com certa angústia.

Antes de respondê-la ele enrugou o queixo pensando sobre a pergunta dela.

“Sou cuidadoso.” Ficou pensativo entre organizar seus pensamentos para consegui responder a ela de melhor forma, a melhor que podia dentre a sua limitação. “Eu vivi pensando estar em uma areia movediça, qualquer passo em falso então seria difícil sair dessa enrascada.” Ele olhou o rosto dela encarando a ruga que se formava enquanto Effy juntava as sobrancelhas. “Fui nômade, durante alguns anos. Cook me encontrou na Espanha e mudou a minha vida ao que parece mais uma vez. Eu sofri um acidente, um incêndio no albergue onde trabalhava bate com a cabeça e ao que parece perdi mais uma vez a memória.”

Effy ficou com falta de ar tamanha a surpresa do que lhe foi dito, somando a história que Cook havia contado o que parecia ser impossível. Estava ali na sua frente a encarando com o olhar desejoso e curioso assim como foi à primeira vez em que se cruzaram.

Ela percebeu agora com mais atenção que parte do braço esquerdo dele tinha queimaduras, e em sua mão. O mais curioso é que na pele mal tratada recém curada, havia pequenas tatuagens de flores. Ela não conteve o dedo que passou por cima de algumas delas.

Tinha a voz embargada quando pensou em dizer algo, porque pensava no que ele tinha vivido todo esse tempo.

“Eu sempre pensei em você, nos momentos mais felizes e mais tristes desde que tinha partido da minha vida. Eu sempre pensei que tinha me deixado.” Ela parou de falar e porque a emoção tomava conta dela. “Você viveu durante todo esse tempo sem saber quem era realmente, sem ter memórias. E eu só pensava no porque de ter me abandonado! Em como estava sendo difícil seguir em frente sem você, doía a cada dia, e agora descubro que...” Outra interrupção porque ela não conseguia pronunciar as palavras e apenas abaixou a cabeça para soltar algumas lágrimas insistentes.

Freddie estava perdido como das poucas vezes em que se lembrava, da poucas lembranças que tinha voltado. Como que ele tinha família, seus mosqueteiros, ela. Sim, ela era uma lembrança constante e era estranho porque não conseguia a reconhecer e ao mesmo tempo se sentia familiarizado, relembrou de Cook lhe dizendo o quanto amou aquela garota e só pela forma que estava com a presença dela, o quanto detestava vê-la chorar, ele acreditava.

“Effy” Ele lhe roubou a atenção e só voltou a falar quando viu que ela levantou a cabeça e o olhou. “Eu quero-lhe mostrar algo.” Só depois de ver que ela não lhe responderia com palavras e sim com um simples balançar de cabeça ele tomou a liberdade de pegar a mão dela e guia-la até a cama onde ele estava antes.

Soltou-a para pegar o seu caderno e ponderou alguns segundos antes de lhe entregar o caderno.

“Abra.” Ele deu os ombros.

Effy abriu o caderno e ficou mais uma vez surpresa, lá continha folhas e folhas de desenhos. Alguns indecifráveis ou que só fazia sentido para algum profissional e também para ele, mas outros estavam claros. Era uma garota. Ela. Incrédula olhava as datas nos desenhos porque correspondia quando ele já tinha desaparecido e ela seguido com sua vida.

“Cook me disse muitas histórias, algumas me deixavam confuso porque ele se colocou como uma pessoa má e não fazia sentido ele me ajudar, basicamente me disse que espancou John Foster até ele confessar o que tinha feito comigo, depois que encontrou roupas minhas com manchas de sangue, ao que parece ele tinha me feito esquecer fatos da minha vida. Cook me entrou sem memória e me fez partir para depois de anos me reencontrar.” Freddie contou parte de sua visão sobre tudo Effy não conseguia falar nada, olhava os desenhos dele e o olhava quando o escutava falando.

“Tudo que acabei de dizer faz certo sentido para mim. Mas, ainda tenho que lidar com a areia movediça que esta aqui na minha cabeça.” Ele apontou para a testa. “De qualquer forma, eu fiz esses desenhos. É você nele. E agora te olhando tudo tem um estranho sentido por que a garota que eu acreditava ser dos meus sonhos é real, e apesar de não saber qual sua cor favorita ou o que gosta de comer, seus defeitos ou manias, eu sinto algo tão forte aqui dentro.” Ele fechou os olhos ao tocar o peito indicando o coração dentro dele. “Se eu me concentrar o que antes era um borrão em minha mente, agora passa a ficar mais nítido. Se eu me concentrar posso escutar gemidos em minha cabeça que são seus.”

Effy soltou o riso pela expressão que ele fez ao confessar isso.

“Eu não sei qual é o saber dos seus beijos.” Ele então abriu os olhos e a encarou confuso, será que antes ela também tinha esse efeito de descontrole? Ele pensou. Estava completamente apaixonado. Ao que parecia ser de novo. “Talvez tenhamos avançado bem rápido e isso tenha sido demais para nós dois.” Freddie negou com a cabeça tentando organizar dentro de si, algumas lembranças que surgiam assim como os sentimentos que vinham à tona só por olhar de tão perto a ela. “Karen, me disseram que ela é minha irmã, ela deve aparecer a qualquer momento, talvez seja bom eu voltar para minha cama para esperá-la. E se quiser ir... Não tem problema, pode me visitar depois e faremos tudo com mais calma da próxima vez.”

Freddie por fim parou de falar, estava muito confuso, ainda mais por Effy segurar seu caderno com cada desenho dela com força e não falar nada para tudo o que ele disse.

Effy por outro lado tratava de absorver o que tinha escutado o significado de cada frase, a resposta que ela tanto pediu durante todo esse tempo sobre o desaparecimento dele. Saber o que tinha acontecido, a desestabilizava. Ele estava falando sobre ir rápido demais, só que estava enganado, tinha que ser assim, pois eles já tinham perdido tempo demais.

“Uma vez eu te disse que ninguém machucaria o meu coração.” Ela voltou a falar enquanto deixava o caderno dele com cuidado em sua cama para depois se voltar a ele. “Eu estava enganada, por levantar essa armadura, não tivemos a mais normal história de amor. Você me machucou, eu te machuquei. Você é muito importante na minha vida, para mim.” Ela se aproximou com cautela dele e segurou sua mão até cruzar seus dedos. “Eu vou cuidar de você!”

Freddie estremecia a cada vez que ela estava mais próxima, mas o olhar dela ao dizer que cuidaria dele o fez engolir saliva, tinha algo oculto ali. Era uma ligação que ele não conseguia explicar. Era o mesmo dizer que ela ficaria com ele por tempo indeterminado, era como uma espécie de retribuição, era prometer e confidenciar o que ela sentia, ainda. O amava. Ele podia sentir.

Ele só pode sorrir ao olhá-la. Ele sentia o mesmo.

“Porque você não prova.” Ela falou e o deixou confuso.

“O quê?” Ele questionou.

“Meus beijos.” Ela respondeu e sorriu antes de encurtar a pouca distância deles e o puxou pelo pescoço para então beijá-lo.

But are we all lost stars trying to light up the dark?

Lost Stars

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The End

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.