Flawless

7. Oh, capitão, meu capitão


Terça-feira, Emily estava parada, indecisa, na frente da porta do escritório da treinadora Lauren.

— Posso falar com a senhora?

— Bem, eu tenho apenas alguns minutos antes de ter que entregar isso aos juízes — disse Lauren, segurando sua escala da competição. Aquele era o dia da Rosewood Tank, a primeira competição de natação da temporada. Na teoria, seria uma competição amistosa, todas as escolas preparatórias haviam sido convidadas, e não contava pontos, mas Emily sempre costumava se depilar para competir e ficava nervosa em todas as competições, como se a pontuação valesse. Mas não desta vez.

— O que foi, Fieldsy? — perguntou Lauren.

Lauren Kinkaid tinha trinta e poucos anos, cabelos louros permanentemente danificados pelo cloro e sempre usava camisetas com frases motivacionais de natação como AME SUAS BOLHAS ou TENHA ESTILO NO ESTILO LIVRE. Fazia seis anos que ela era a técnica de natação de Emily. Primeiro, na Liga Mirim, depois no ensino fundamental, e, então, em Rosewood. Não eram muitas as pessoas que conheciam Emily tão bem — não bem o suficiente para chamá-la de "Fieldsy", para saber que seu jantar favorito pré-competição era filé apimentado do China Rose ou que, quando o nado borboleta de Emily estava três décimos de segundo mais rápido, significava que ela estava menstruada. E isso tornava o que Emily ia dizer muito mais difícil.

— Eu quero sair da equipe — disse Emily, de uma vez por todas.

Lauren piscou. Ela pareceu aturdida, como se alguém tivesse acabado de lhe dizer que a piscina estava cheia de enguias elétricas.

— Po-por quê?

Emily fixou o olhar no chão de linóleo xadrez.

— Não é mais divertido.

Lauren bufou.

— Bem, não é sempre divertido. Às vezes, dá trabalho.

— Eu sei. Mas... não quero mais fazer isso.

—Você tem certeza?

Emily suspirou. Ela pensou que tinha certeza. Na semana anterior, tinha certeza. Estivera nadando por anos, jamais se perguntando se gostava daquilo ou não. Com a ajuda de Maya, Emily tinha reunido a coragem para admitir a si mesma — e aos seus pais — que queria sair da equipe.

Claro que isso tinha sido antes... de tudo. Agora, ela se sentia mais como um ioiô do que nunca. Num minuto, queria sair da equipe. No instante seguinte, queria sua vida de boa menina normal de volta, a vida na qual ela ia para a natação, saía com sua irmã, Carol nos fins de semana, e passava horas brincando no ônibus com as outras meninas da equipe e lendo as previsões de seu horóscopo. E agora ela queria a liberdade de perseguir seus próprios interesses de novo. Exceto que... quais eram seus interesses, além de nadar?

— Eu estou tão cansada — disse Emily afinal, numa tentativa de explicação. Lauren apoiou a cabeça na mão.

— Eu ia torná-la a capitã da equipe.

Emily ficou embasbacada.

— Capitã?

— Bem... é. — Laura mexia nervosamente na caneta. — Pensei que você merecia. Você é um membro valioso da equipe, sabe? Mas se você não quer mais nadar, então...

Nem mesmo seus irmãos mais velhos, Jake e Beth, que haviam nadado pelos quatro anos do ensino médio, e conseguiram bolsas de natação na faculdade, tinham sido capitães.

Lauren enrolou o apito no dedo.

— E se eu pegar mais leve por um tempinho? — Ela pegou na mão de Emily. — Sei que tem sido duro o que aconteceu com sua arruga...

— É, sim. — Emily olhou para o pôster de Michael Phelps de Lauren, torcendo para não começar a chorar de novo. Toda vez que alguém mencionava Ali, ou seja, a cada dez minutos, ela ficava com um tique nervoso nos olhos e na boca.

— O que você me diz? — Lauren tentou persuadi-la.

Emily passou a língua pela parte de trás de seus dentes. Capitã. Claro, ela era a campeã estadual nos cem metros borboleta, mas Rosewood Day tinha uma equipe de natação excelente — Lane Iler acabara em quinto lugar nos quinhentos metros em estilo livre nas finais nacionais da faixa etária delas e a Universidade de Stanford já prometera a Jenny Kestler que ela participaria de todas as competições naquele ano. Lauren pensar em Emily em vez de Lanei ou Jenny significava alguma coisa.Talvez fosse um sinal de que sua vidinha, tomada pelo efeito ioiô, fosse voltar ao normal.

— Tudo bem — ouviu-se ela dizendo.

— Ótimo. — Lauren deu um tapinha em sua mão. Ela mexeu em uma de suas muitas caixas de papelão, cheias de camisetas, e deu uma para Emily. — Para você. Um presente de começo de temporada.

Emily desdobrou a camiseta. GAROTAS QUE BORBOLETEIAM SÃO AS MAIS GAYS.

Ela olhou para Lauren com a garganta arranhando de tão seca. Lauren sabia?

Lauren ergueu a cabeça.

— É uma referência ao estilo de natação — explicou ela devagar. —Você sabe, o nado borboleta.

Emily olhou de novo para a camiseta. Não estava escrito gays, mas gatas.

— Oh — grasnou ela, dobrando a camiseta. — Obrigada.

Emily saiu do escritório de Lauren e atravessou o saguão da piscina com as pernas tremendo. O lugar estava lotado de nadadores, todos lá para participar do Tank. E, então, ela parou, sentindo de repente que alguém olhava para ela. Do outro lado do saguão, ela viu Ben, seu ex-namorado, encostado contra o armário de troféus. Seu olhar era tão intenso que ele nem piscava. A pele de Emily começou a coçar e seu rosto ficou vermelho. Ben deu um sorriso malicioso e se virou para sussurrar algo para seu melhor amigo, Seth Cardiff. Seth riu, deu outra olhada para Emily e sussurrou alguma coisa de volta para Ben. Depois disso, ambos riram silenciosamente.

Emily se escondeu atrás de uma turma de nadadores do St. Anthony.

Essa foi outra razão pela qual ela quis sair da equipe — para que não tivesse mais que encontrar com o ex-namorado, que sabia dela, todos os dias depois que as aulas acabassem. Ele havia flagrado Maya e Emily em uma situação mais-que-apenas-amizade na festa de Noel, na última sexta-feira.

Ela disparou pelo corredor vazio que levava aos vestiários masculino e feminino, pensando de novo sobre a última mensagem de A. Era estranho, mas, quando Emily lera o torpedo no banheiro do hotel de Maya, foi quase como se pudesse ouvir a voz dela. Acontece que isso era impossível, certo? Além disso, Ben era a única pessoa que sabia sobre Maya. Talvez, de alguma forma, ele tivesse descoberto que Emily tentara beijar Ali. Será que... Ben era A?

— Aonde você está indo?

Emily se virou para trás. Ben a seguira corredor adentro. — Ei. — Emily tentou sorrir. — E aí?

Ben estava vestindo seu blusão de moletom detonado da Champion, que ele achava que trazia sorte, então, o usava em toda competição. Ele tinha raspado de novo o cabelo durante o final de semana. Isso fazia com que seu rosto, que já era anguloso, parecesse severo.

— Nada aqui — respondeu ele, com maldade, sua voz ecoando nos azulejos das paredes. — Pensei que você estava saindo da equipe.

Emily deu de ombros.

— É sim, bem, acho que mudei de ideia.

— É mesmo? Você parecia ter tanta certeza na sexta-feira. Sua namorada parecia tão orgulhosa de você.

Emily desviou o olhar.

— Nós estávamos bêbadas.

— Certo. — Ele deu um passo na direção dela.

— Pense o que quiser. — Ela se virou para seu armário. — E aquela mensagem que você mandou não me assustou.

Ben franziu as sobrancelhas.

— Que mensagem?

Ela congelou.

— A mensagem que diz que você vai contar para todo mundo — disse ela, testando-o. — Eu não escrevi nenhuma mensagem para você. — Ben endureceu o queixo. — Mas... eu poderia contar para todo mundo. Você ser lésbica é uma historinha deliciosa.

— Eu não sou gay — insistiu Emily, entre os dentes.

— Ah, não? — Ben chegou mais perto. Emily sentiu sua respiração. — Prove.

Emily deu uma risada que parecia um latido. Ah, era só o Ben.

Mas, depois, ele inclinou-se na direção dela, agarrou seu pulso e a empurrou contra o bebedouro.

Ela respirava pesadamente. A respiração quente de Ben estava contra o pescoço dela e cheirava a Gatorade de uva.

— Para com isso — sussurrou ela, tentando se livrar dele.

Ben só precisou de um de seus braços fortes para segurá-la. Ele pressionou seu corpo contra o dela.

— Eu disse prove.

— Ben, para com isso! — Lágrimas de medo escorriam dos olhos dela. Emily bateu nele com vontade, mas isso só o fez usar mais força. Ele passou a mão no peito dela. Um guincho escapou de sua garganta.

— Algum problema?

De repente, Ben se afastou. Atrás deles, do lado mais afastado da sala, estava um garoto usando uma jaqueta da escola Tate Pre. Emily olhou meio de lado. O que...

— Isso não é problema seu, cara — disse Ben em voz alta.

— O que não é problema meu? — O garoto chegou mais perto. Parece que é, sim.

Toby Cavanaugh.

— Cara. — Ben se virou.

Os olhos de Toby baixaram para a mão de Ben no pulso de Emily. Ele fez um sinal com o queixo para Ben.

Ben deu uma olhada para Emily e depois a soltou. Ela se afastou dele, e Ben usou o ombro para manter a porta do vestiário masculino aberta. Depois, silêncio.

—Você está bem? — perguntou Toby.

Emily assentiu de cabeça baixa.

— Acho que sim.

— Tem certeza?

Emily olhou para Toby de esguelha.Ele havia ficado mesmo bem alto agora. Seu rosto não se parecia mais com o de um roedor assustado, mas, bem, ele tinha maçãs do rosto altas e lindos olhos escuros. Isso a fez pensar na mensagem de A. Apesar de a maioria de nós ter mudado completamente...

Seus joelhos ficaram bambos. Não poderia ser... poderia?

— Preciso ir — murmurou ela e saiu correndo, com os braços abertos, para dentro do vestiário feminino.