Flawless

35. Entrega especial


Domingo, às 11:52, Aria sentou na sua cama, olhando para as unhas pintadas de vermelho. Ela se sentia ligeiramente desorientada, como se estivesse esquecendo algo... algo grande. Como naqueles sonhos que tinha de vez em quando, em que era junho e ela se dava conta de que não tinha ido para as aulas de matemática o ano todo e de que ia tomar pau.

Aí, se lembrou. Toby era A. E hoje era domingo. Seu tempo tinha acabado.

Dar um nome e um rosto à vingança de A a apavorava —assim como o fato de que Ali e Spencer estavam escondendo algo, algo que poderia ser muito, muito sério. Aria ainda não fazia a menor ideia de como Toby tinha descoberto sobre Byron e Meredith, mas se ela os flagrou juntos duas vezes, outros poderiam tê-los visto juntos, também — inclusive Toby.

Ela não tinha intenção de contar a Ella sobre tudo que acontecera na noite anterior. Quando Sean a deixou em casa, perguntou repetidas vezes se deveria entrar com ela. Mas Aria disse que não — tinha que fazer aquilo sozinha. A casa estava escura e quieta, o único som era o barulho do lava-louças, no modo superlavagem. Aria tinha procurado as luzes da entrada, e aí, seguira pela cozinha escura nas pontas dos pés. Normalmente, a mãe ficava acordada até uma ou duas da manhã no sábado à noite, fazendo Sudoku ou debatendo com Byron à mesa, to-mando café descafeinado. Mas a mesa estava impecável; ela podia ver as marcas circulares da esponja na superfície.

Aria então dera um pulo no quarto dos pais, imaginando se Ella tinha caído no sono mais cedo. A porta estava escancarada. A cama estava desfeita, mas não havia ninguém nela. O banheiro da suíte também estava vazio. Então, Aria percebeu que o Honda Civic dos pais não estava na entrada.

Aí, ela os esperou nos degraus da escada, olhando ansiosamente para o relógio a cada trinta segundos até meia-noite. Possivelmente, os pais eram as únicas pessoas no universo que não tinham telefones celulares, então, não podia ligar para eles. Isso significava que Toby também não podia ligar para eles... ou ele tinha achado outro meio para se comunicar? E então... ela acordara ali em cima, na própria cama. Alguém deve tê-la carregado, e Aria, que dormia feito pedra, não notou nada.

Ela ouviu barulhos no andar de baixo. Gavetas abrindo e fechando. O assoalho de madeira rangendo debaixo dos pés de alguém. Páginas de jornal sendo viradas. Será que seus pais estariam lá embaixo, ou apenas um deles? Ela foi, nas pontas dos pés, lá para baixo, um bilhão de cenas passando por sua cabeça... Aí ela viu: pequenas gotas vermelhas, por todo o chão da entrada. Havia uma trilha que vinha da cozinha até a porta de entrada.

Parecia sangue.

Aria correu para a cozinha. Toby teria contado para a mãe, e Ella, num acesso de raiva, teria matado Byron? Ou Meredith? Ou Toby? Ou todo mundo? Ou Mike teria matado a todos? Ou... ou Byron teria matado Ella? Quando chegou à cozinha, Aria estacou.

Ella estava à mesa, sozinha. Usava uma blusa vinho, saltos altos e maquiagem, como se estivesse pronta para sair. O New York Times estava dobrado na página das palavras cruzadas, mas, em vez de letras dentro dos quadrados, a página estava cheia de rabiscos grossos em tinta

preta. Ella olhava para a frente, meio vagamente, pela janela da cozinha, apertando os dentes de um garfo contra a palma de sua mão.

— Mãe — grunhiu Aria, chegando mais perto. Só então, Aria percebeu que a blusa estava amassada e a maquiagem parecia borrada. Era como se ela tivesse dormido com aquelas roupas... ou não tivesse nem dormido. — Mãe? — perguntou Aria novamente, sua voz com um tom de medo.

Por fim, a mãe olhou para ela, lentamente. Os olhos de Ella estavam pesados e úmidos. Ela enfiou o garfo bem fundo na mão. Aria queria tirá-lo dela, mas ficou com medo. Nunca tinha visto a mãe daquele jeito.

— O que está acontecendo?

Ella engoliu em seco.

— Oh... você sabe.

Aria engoliu em seco.

— O que é... essa coisa vermelha na sala?

— Coisa vermelha? — perguntou Ella, desconsolada. — Ah. Talvez seja tinta, eu joguei fora uns materiais de pintura de manhã, joguei um monte de coisa fora esta manhã.

— Mãe. —Aria podia sentir as lágrimas em seus olhos. — Tem alguma coisa errada? A mãe olhou para cima. Seus movimentos eram lentos, como se ela estivesse embaixo d'água.

— Faz quatro anos que você sabe.

Aria prendeu a respiração.

— O quê? — sussurrou.

—Você é amiga dela? — perguntou Ella, ainda com a mesma voz morta. — Ela não é muito mais velha que você. E ouvi dizer que você foi à academia de ioga dela, no outro dia.

— O quê? — sussurrou Aria. — Academia de ioga? Não sei do que você está falando! — É claro que sabe. — Ella deu o sorriso mais triste que Afia jamais havia visto. — Eu recebi uma carta. Primeiro, não acreditei, mas depois perguntei ao seu pai. E pensar que achei que ele estava distante por causa de trabalho.

— O quê? —Aria deu um passo para trás. Sua visão começou a escurecer. —Você recebeu uma carta? Quando? Quem mandou?

Pelo jeito ausente e frio com o qual Ella a olhava, Aria sabia exatamente quem tinha mandado a carta. A. Toby. E ele tinha contado tudo a ela.

Aria pôs as mãos na testa.

— Eu sinto muito. Eu... eu queria te contar, mas estava com tanto medo e...

— Byron foi embora — disse Ella, quase que de maneira casual. — Ele está com a garota. — Ela deixou escapar uma risadinha. —Talvez, eles estejam fazendo ioga juntos.

— Eu tenho certeza de que nós conseguiremos convencê-lo a voltar. —Aria engasgou em lágrimas. — Quer dizer, ele tem que voltar, certo? Nós somos a família dele.

Naquele momento, o relógio cuco da cozinha bateu meio-dia. O relógio havia sido um presente de Byron para Ella no décimo segundo aniversário de casamento deles, no ano anterior, na Islândia; Ella estava muito interessada na peça, pois supostamente pertencera a Edvard Munch, o famoso pintor norueguês que fez O Grito. Ela o havia trazido cuidadosamente consigo no avião, constantemente tirando o plástico bolha para ver se o relógio estava intacto. A partir de então, eles sempre tinham de ouvir as doze badaladas e ver aquele passarinho idiota sair da casinha de madeira doze vezes. Cada piado soava cada vez mais acusador. Em vez de cuco, o passarinho cantarolava: Você sabia. Você sabia. Você sabia.

— Ah, Aria — falou Ella, com ar de censura. — Eu não acho que ele vá voltar.

— Onde está a carta? — perguntou Aria, seu nariz escorrendo. — Posso ver? Eu não sei quem faria isso conosco... quem estragaria as coisas desse jeito.

Ella a encarou. Seus olhos estavam cheio de lágrimas e também enormes.

— Eu joguei a carta fora. Mas não importa quem mandou. O que importa é que é verdade.

— Eu sinto muito. —Aria ajoelhou-se perto dela, sentindo o cheiro engraçado e familiar de sua mãe: terebentina, tinta de jornal, incenso de sândalo e, estranhamente, ovos mexidos. Ela colocou sua cabeça no ombro da mãe, mas Ella a afastou.

—Aria — disse ela, diretamente, ficando de pé. — Eu não consigo ficar perto de você agora.

— O quê? — gritou Aria.

Ella não estava olhando para ela, mas para sua mão esquerda, a qual, Aria notou, de repente, não estava mais com a aliança de casamento.

Ela passou por Aria e seguiu, como um fantasma para a sala e pelo rastro de tinta vermelha até as escadas.

— Espere — gritou Aria, indo atrás dela.

Ela cambaleou escada acima, mas tropeçou num par de tacos de lacrosse do Mike, bateu o joelho e escorregou dois degraus.

— Maldição — xingou, raspando o carpete com as unhas. Ela se levantou e chegou lá em cima arfando de raiva. A porta do quarto de sua mãe estava fechada. Assim como a porta do banheiro. A porta do quarto de Mike estava aberta, mas ele não estava lá. Mike, pensou Aria, seu coração partido novamente. Ele sabia?

Seu celular começou a tocar. Aturdida, foi até o quarto para procurá-lo. Sua cabeça estava uma bagunça. Ainda estava arfando. Ela quase queria que a ligação fosse de A — Toby — para poder falar bastante. Mas era Spencer. Aria olhou para o número, fumegando. Não importava que Spencer não fosse A — ela bem que poderia ser. Se Spencer não tivesse ficado do lado de Toby lá no sétimo ano, ele nunca teria contado a Ella, e sua família estaria inteira. Ela abriu o telefone para atender, mas não disse nada. Apenas ficou sentada, respirando fundo, respirações suspiradas.

— Aria? — chamou Spencer, cuidadosamente.

— Eu não tenho nada para te dizer — rebateu Aria. —Você acabou com a minha vida. — Eu sei — respondeu Spencer, calmamente. — É que... Aria, me desculpe. Eu não queria guardar o segredo do Toby de você. Mas eu não sabia o que fazer. Você pode se pôr no meu lugar?

— Não — respondeu Aria, rudemente. —Você não entende. Você acabou com a minha vida.

— Espere aí, o que você quer dizer? — Spencer pareceu preocupada. — O que... o que aconteceu?

Aria colocou as mãos na cabeça. Aquilo era tão difícil de explicar. E ela conseguia ver as coisas do ponto de vista de Spencer. Claro que conseguia. O que Spencer estava dizendo era assombrosamente parecido com o que Aria dissera para Ella, três minutos atrás. Eu não queria guardar segredo de você. Eu não sabia o que jazer. Eu não queria te magoar.

Ela suspirou e limpou o nariz.

— Por que você ligou?

— Bem... — Spencer esperou. —Você teve alguma notícia da Emily agora de manhã?

— Não.

— Droga — sussurrou Spencer.

— Qual é o problema? —Aria endireitou-se na cadeira. — Eu pensei que você tivesse dito que tinha achado ela ontem à noite, e que ela estava em casa.

— Bem, ela estava... — Aria ouviu Spencer engolindo em seco. — Eu tenho certeza de que não é nada, mas minha mãe estava passando pelo bairro da Emily e tinha três viaturas policiais na entrada da casa dela.