Flawless

31. Como se Hanna fosse roubar um avião... Ela nem sabe pilotar!


Hanna abriu caminho pela multidão de jovens, na esperança de ver os conhecidos cabelos loiro-avermelhados de Emily. Ela achou Spencer e Aria perto das janelas enormes, conversando com Gemma Curran, colega de Emily na equipe de natação.

— Ela estava com aquele cara da Tate, não é? — Gemma mordeu o lábio e tentou pensar. — Tenho quase certeza de que os vi saindo.

Hanna trocou olhares nervosos com as amigas.

— O que nós vamos fazer? — sussurrou Spencer. — Não temos a menor ideia de para onde eles foram.

— Eu tentei ligar para ela — informou Aria. — Mas o celular só chama e ninguém atende.

— Ai, meu Deus. — Os olhos de Spencer começavam a se encher de lágrimas.

— Bem, o que você esperava? — falou Aria, por entre os dentes. — Foi você quem deixou isso acontecer.

— Eu sei — repetiu Spencer. — Desculpem.

Um estrondo as interrompeu. Todos olharam para fora, para ver as árvores balançando de lado e a chuva torrencial caindo.

— Droga. — Hanna ouviu uma menina perto dela xingando. —Vai estragar todo o meu vestido.

Hanna encarou as amigas.

— Eu sei de alguém que pode nos ajudar. Um policial.

Ela olhou em volta, meio que esperando ver o policial Wilden — o cara que tinha prendido Hanna por roubar uma pulseira da Tiffany e o carro do sr. Ackard, e que a livrara dessas encrencas — na Foxy naquela noite. Mas os caras de guarda nas saídas e no leilão de joias eram da equipe de seguranças particulares da Liga de Caça à Raposa — só no caso de alguma coisa devastadora acontecer, eles chamariam a polícia. No ano anterior, um aluno do ensino médio bebeu demais e fugiu com um David Yurman que estava para ser leiloado, e, mesmo assim, tudo o que tinham feito foi deixar uma mensagem discreta na secretária eletrônica da família do garoto, dizendo que gostariam de ter o item de volta no dia seguinte. — Nós não podemos ir até a polícia — gritou Spencer. — Do jeito que aquele policial agiu comigo esta manhã, eu não me surpreenderia se eles achassem que nós matamos a Ali. Hanna olhou para o lustre de cristal no teto. Uma dupla de garotos estava jogando guardanapos nele, tentando fazer os cristais balançarem.

— Mas, quer dizer, sua mensagem dizia basicamente: Eu vou magoar você, certo? Isso não é suficiente?

— Está assinado A. E diz que nós o magoamos. Como vamos explicar isso?

— Mas como faremos para ter certeza de que Emily está bem? — perguntou Aria, puxando para cima seu vestido de bolinhas. Hanna notou, amargamente, que o zíper ainda estava meio aberto.

— Talvez devêssemos ir até a casa dela — sugeriu Spencer.

— Sean e eu poderíamos ir agora mesmo — ofereceu-se Aria.

Hanna ficou boquiaberta.

—Você vai contar para ele?

— Não — gritou Aria, por cima dos berros de Natasha Bedingfield e da chuva torrencial.

Hanna pôde até ver a claraboia do salão embaçando, nove metros acima de suas cabeças.

— Eu não vou contar nada a ele. Nem sei como explicar isso. Mas ele não vai saber.

— Então, você e o Sean vão para alguma after-party? — intrometeu-se Hanna.

Aria olhou para ela com uma expressão enlouquecida.

— Você acha que eu iria para algum lugar depois da festa com tudo isso acontecendo?

— Tudo bem, mas se não tivesse acontecido, você teria ido?

— Hanna. — Spencer colocou a mão fria e fina no ombro dela. — Deixa pra lá. Hanna rangeu os dentes, pegou um copo de champanhe da bandeja do garçom e entornou. Ela não podia deixar pra lá. Não era possível.

— Você dá uma olhada na casa da Emily — falou Spencer para Aria. — Eu vou continuar ligando pra ela.

— E se nós formos de carro até a casa da Emily e o Toby estiver com ela? — perguntou Aria. — Nós o confrontamos? Quer dizer... se ele for A...?

Hanna trocou olhares apreensivos com as outras. Ela queria dar um pé na bunda do Toby — como ele tinha descoberto sobre a Kate? Seu pai? Suas prisões? Que Sean tinha terminado com ela e que ela enfiara o dedo na garganta para vomitar? Como é que ele se atrevia a tentar a acabar com ela?! Mas ela também estava com medo. Se Toby era A — se ele sabia — então realmente ia querer machucá-las. Fazia... sentido.

— Nós deveríamos nos concentrar apenas em ter certeza de que Emily está bem — falou Spencer. — O que vocês acham de, caso não tenhamos notícias dela logo, ligarmos pra polícia e fazer uma denúncia anônima? Poderíamos dizer que vimos o Toby machucando Emily. Nós não teríamos que dar detalhes.

— Se o policial vier procurar por Toby, ele saberá que fomos nós — argumentou Hanna. — Além do mais, e se ele contar sobre a Jenna?

Ela podia se ver numa instituição para menores infratores, usando um macacão laranja e conversando com o pai através de uma parede de vidro.

— Ou o que faremos se ele vier atrás da gente? — quis saber Aria.

—Vamos ter que achá-la antes que isso aconteça — interrompeu Spencer.

Hanna olhou o relógio. Dez e meia.

— Estou fora. — Ela marchou em direção à porta. — Eu ligo pra você, Spencer. — Não disse nada a Aria. Ela nem podia olhar para Aria. Ou para o enorme chupão em seu pescoço.

Ao sair, Naomi Zeigler segurou sua mão.

— Han, sobre aquilo que você me disse ontem, no jogo de futebol. — Ela tinha aquele olhar de simpatia de uma apresentadora de televisão. — Existem grupos de apoio para bulímicos. Eu posso ajudar você a achar um.

— Dá o fora — disse Hanna e passou esbarrando nela.

Quando despencou no vagão, completamente encharcada de ter corrido do táxi para o trem, sua cabeça estava pesada. Em cada reflexão, uma nebulosa quimera de si mesma no sétimo ano aparecia de volta. Ela fechou os olhos.

Quando os abriu novamente, o trem tinha quebrado.Todas as luzes estavam apagadas, exceto pelos sinais de saída de emergência que brilhavam no escuro. Só que eles não diziam mais SAÍDA. Diziam: VEJA ISTO.

À sua esquerda, Hanna viu quilômetros de florestas. A lua brilhava, cheia e clara, acima da copa das árvores. Mas não tinha caído uma tempestade, minutos atrás? O trem estava paralelo à Estrada Trinta. A rodovia, normalmente, estaria abarrotada pelo trânsito, mas, naquele momento, não havia um carro sequer aguardando no cruzamento. Ao virar a cabeça

para o corredor, para ver como os outros estavam reagindo à quebra do trem, notou que todos os passageiros estavam dormindo.

— Eles não estão dormindo — falou uma voz. — Estão mortos.

Hanna pulou. Era Toby. O rosto dele estava borrado, mas ela sabia que era ele. Vagarosamente, ele levantou de seu assento e caminhou em direção a ela.

O trem apitou, e Hanna acordou com o susto. As luzes fluorescentes eram brilhantes e nada convidativas, como sempre. O trem bufou em direção à cidade; e, do lado de fora, relâmpagos estalavam e dançavam. Quando olhou pela janela, viu um galho de árvore rachar e se espatifar no chão. Duas senhoras de cabelo branco, no banco imediatamente em frente, continuaram comentando sobre os raios, dizendo:

— Ai, Senhor! Esse foi dos grandes!

Hanna pôs os pés em cima do assento, os joelhos perto do peito. Nada como uma confissão avassaladora a respeito de Toby Cavanaugh para chacoalhar seu mundo. E deixá-la paranoica.

Ela não estava certa sobre como encarar as novidades. Não reagia às coisas imediatamente, como Aria; tinha de digeri-las por inteiro. Estava chateada com Spencer por não ter lhe contado nada, sim. E apavorada por causa de Toby. Mas, naquele momento, seus pensamentos insuportáveis giravam em torno de Jenna. Ela sabia, também? Soubera o tempo todo? Saberia que Toby tinha matado Ali?

Hanna tinha visto Jenna depois do acidente — apenas uma vez — e nunca contou às outras. Foi algumas semanas antes de Ali desaparecer, e ela tinha dado uma festa improvisada em sua casa. Todos os alunos mais populares de Rosewood Day compareceram — até mesmo algumas garotas mais velhas do time de Ali de hóquei na grama. Pela primeira vez, Hanna teve uma conversa de verdade com Sean; eles falaram sobre Gladiador. Hanna comentou sobre quão assustador o filme era, quando Ali chegou, de mansinho, ao lado deles.

Primeiramente, Ali olhou para Hanna como quem dizia: Viva! Você finalmente está falando com ele! Mas aí, quando Hanna disse: "Quando meu pai e eu saímos do cinema, ai, meu Deus, estava tão apavorada que fui direto pro banheiro e vomitei", Ali cutucou Hanna de leve. — Você tem tido alguns problemas com isso ultimamente, não tem? — brincou ela.

Hanna empalideceu.

— O quê? —Aquilo tinha sido pouco tempo depois do lance de Annapolis.

Ali fez questão de atrair a atenção de Sean.

— Esta é a Hanna. — Ela enfiou um dedo na garganta, fingiu engasgar e depois soltou uma gargalhada.

Sean não riu, entretanto. Olhou para as duas, alternadamente, parecendo desconfortável e confuso.

— Eu, hum, tenho que... — Ele se calou e saiu de fininho, em direção aos seus amigos.

Hanna virou-se para Ali, horrorizada.

— Por que você fez isso?

— Ai, Hanna! — Ali se virou para ir embora. —Você não aguenta uma brincadeira? Mas Hanna não aguentava. Não sobre isso. Ela foi pisando duro para o outro lado da varanda da casa de Ali, brava, sua respiração audível. Quando olhou para cima, se viu encarando Jenna Cavanaugh.

Jenna estava parada nos limites da propriedade de sua família, usando grandes óculos escuros e segurando uma bengala branca. Hanna ficou com um nó na garganta. Era como ver um fantasma. Ela ficou realmente cega, pensou Hanna. Ela meio que achava que aquilo não tivesse acontecido de verdade.

Jenna estava completamente imóvel no meio-fio. Se ela pudesse ver, estaria olhando para o enorme buraco na lateral do jardim de Ali, que eles estavam cavando para construir um caramanchão que abrigaria uma mesa de vinte lugares — o exato lugar onde, anos depois, os trabalhadores encontrariam o corpo da Ali. Hanna a encarou por um longo tempo, e Jenna a encarou de volta, sem expressão. Foi então que lhe ocorreu. Naquela época, com o Sean, Hanna havia tomado o lugar de Jenna, e Ali tinha tomado o de Hanna. Não havia razão para ela provocar Hanna, senão o fato de que ela podia. A percepção do acontecido a pegou tão de surpresa que ela teve de segurar no corrimão para não perder o equilíbrio.

Ela olhou para Jenna mais uma vez. Desculpe, falou, apenas movendo os lábios. Jenna, obviamente, não respondeu. Ela não podia ver.

Hanna nunca ficara tão feliz por ver as luzes da Filadélfia _ finalmente estava longe de Rosewood e de Toby. Ainda tinha tempo de voltar para o hotel antes que o pai, Isabel e Kate re-tornassem de Mamma Mia! e, talvez, pudesse tomar um banho de espuma. Provavelmente, também haveria algo bom no frigobar. Algo forte. Talvez ela até contasse para Kate o que tinha acontecido, e elas pediriam serviço de quarto e tomariam alguma coisa juntas.

Nossa! Esse era um pensamento que Hanna nunca imaginou que pudesse passar por sua cabeça.

Ela encaixou o cartão na porta do quarto, abriu-a, despencou para dentro e... quase trombou no pai. Ele estava parado em frente à porta, falando ao telefone celular.

—Ah! — gritou ela.

O pai se virou.

— Ela está aqui — falou ele ao telefone, e desligou. Olhou friamente para Hanna. — Bom, bem-vinda de volta.

Hanna piscou. Diante do pai estavam Kate e Isabel. Simplesmente... sentadas lá, no sofá, lendo as revistas de turismo da Filadélfia que colocam no quarto.

— Oi — disse ela, com cuidado. Todos estavam olhando para ela. — Kate contou pra vocês? Eu tive que...

— Ir à Foxy? — interrompeu Isabel.

Hanna ficou boquiaberta. Outro clarão de relâmpago do lado de fora a fez pular. Ela se virou desesperada para Kate, que estava com as mãos orgulhosamente dobradas no colo e a cabeça inclinada para o alto. Ela tinha... ela tinha contado? Sua expressão indicava que sim.

Hanna sentiu como se o mundo estivesse desabando em sua cabeça.

— Foi... foi uma emergência.

— Tenho certeza de que foi. Eu nem acredito que você está de volta. Nós pensamos que você fosse varar a noite... roubar outro carro, talvez. Ou... ou, quem sabe? Roubar o avião de al-guém? Assassinar o presidente?

— Pai... — suplicou Hanna.

Ela nunca havia visto o pai daquele jeito. Sua camisa estava para fora da calça, as meias não estavam completamente esticadas e havia uma mancha atrás de sua orelha. E estava enlouquecido. Ele não costumava gritar daquele jeito.

— Eu posso explicar.

O pai apertou as mãos contra a própria testa.

— Hanna... você pode explicar isto também? — Ele procurou algo no bolso.

Lentamente, abriu os dedos, um por um. Dentro, havia um pacote de Percocet. Lacrado.

Quando Hanna tentou alcançá-lo, ele fechou a mão em concha.

— Não, você não vai pegar.

Hanna apontou para Kate.

— Ela pegou isso de mim. Ela queria o pacote para ela.

—Você me deu — disse Kate, da mesma forma. Ela ostentava aquele conhecido olhar de te peguei, um olhar que dizia: não pense que você está conseguindo dar um jeitinho de entrar em nossas vidas. Hanna odiou a si mesma por ter sido tão burra. Kate não tinha mudado. Nem um pouquinho.

— Para que você está usando estes comprimidos, em primeiro lugar? — perguntou o pai. Então, levantou as mãos. — Não. Esqueça. Eu não quero saber. Eu... — Ele cerrou os olhos. — Eu não sei mais quem você é, Hanna. Eu realmente não sei.

Hanna não conseguiu se conter.

— Bem, é claro que não! — gritou ela. —Você nem sequer se preocupou em falar comigo por quase quatro anos!

Um silêncio pairou sobre o quarto. Todos estavam com medo de se mexer. As mãos de Kate estavam apoiadas na revista. Isabel ficou estática, um dos dedos estranhamente parado no lóbulo da orelha. O pai abriu a boca para falar, mas depois a fechou de novo. Alguém bateu à porta, e todos pularam.

A sra. Marin estava do outro lado, parecendo toda desarrumada: o cabelo estava molhado e esfiapado, ela não estava muito maquiada e vestia simplesmente camiseta e uma calça jeans, muito diferente dos terninhos que normalmente usava para ir trabalhar.

—Você vem comigo. — Ela semicerrou os olhos ao olhar para Hanna, mas nem olhou para Kate e Isabel. Hanna estava imaginando rapidamente se aquela era a primeira vez que todos se encontravam. Quando a mãe viu o Percocet na mão do sr. Marin, empalideceu.

— Ele me contou sobre aquilo enquanto eu estava vindo.

Hanna olhou sobre os ombros para o pai, mas ele tinha abaixado a cabeça. Ele não parecia exatamente desapontado. Apenas parecia... triste. Sem esperança. Envergonhado. — Pai... — grunhiu ela, desesperada, deixando a mãe para trás. — Eu não tenho que ir, tenho? Pensei que você quisesse saber.

—Tarde demais — disse ele, automaticamente. —Você vai para casa com sua mãe.

Talvez ela possa botar algum juízo na sua cabeça.

Hanna teve que rir.

—Você acha que ela vai botar juízo na minha cabeça? Ela está... está indo pra cama com o policial que me prendeu na semana passada. É conhecida por chegar em casa às duas da manhã durante a semana. Se eu fico doente e tenho que ficar em casa, diz que não tem problema ligar pra secretaria da escola e fingir que sou ela, pois está muito ocupada, e...

— Hanna — gritou a mãe, agarrando o seu braço.

A cabeça de Hanna estava tão confusa. Ela não sabia se contar aquelas coisas para o pai a estava ajudando ou machucando. Simplesmente se sentia vitimada. Por todos. Estava cansada das pessoas passando por cima dela.

—Tem tantas coisas que eu queria contar pra você, mas não posso. Por favor, me deixe ficar. Por favor.

A única coisa que se mexia no rosto do pai dela era um pequeno músculo, em cima do pescoço. De resto, seu rosto continuava imóvel e impassível. Ele deu um passo para perto de Isabel e Kate. Isabel segurou a mão dele.

— Boa-noite, Ashley — disse ele para a mãe de Hanna. Para Hanna, não disse absolutamente nada.