Flawless

3. Tem alguma lista de adesão aos Amish por aí?


Emily Fields parou na frente do Gray Horse Inn, um prédio de pedra caindo aos pedaços que fora um hospital durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos. O gerente atual havia transformado os andares superiores em uma pousada para forasteiros ricos e mantinha um café no salão. Emily espiou através das janelas do café e viu alguns de seus colegas de classe e suas famílias comendo pãezinhos com salmão defumado, tostex italianos e saladas Cobb. Parecia que todos estavam desfrutando de um lanchinho pós-funeral.

—Você conseguiu.

Emily se virou e viu Maya St. Germain apoiada num vaso de terracota, cheio de peônias. Maya tinha ligado quando Emily estava saindo do playground de Rosewood Day, perguntando se elas poderiam se encontrar ali. Assim como Emily, Maya ainda estava com a roupa do funeral — uma saia plissada, curta, de veludo preto, botas pretas e um suéter sem mangas, com um delicado laço em volta do pescoço. E, assim como Emily, parecia que Maya tinha garimpado nas profundezas de seu guarda-roupa para encontrar algo preto que parecesse adequado para a ocasião.

Emily sorriu com tristeza. Os St. Germain haviam se mudado para a antiga casa de Ali. Quando os pedreiros começaram a cavar pelo gazebo dos DiLaurentis, que nunca fora terminado, a fim de limpar o terreno para a quadra de tênis dos St. Germam, encontraram os restos mortais de Ali debaixo do concreto. Desde então, carros de imprensa, viaturas policiais e bisbilhoteiros em geral haviam cercado a propriedade sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia. A família de Maya tinha se refugiado na pousada até que as coisas se acalmassem.

— Oi. — Emily olhou em volta. — Seus pais estão lanchando?

Maya balançou seus cachos grossos e castanho-escuros.

— Eles foram para Lancaster. Para ficar perto da natureza ou alguma coisa assim. Sinceramente, acho que eles estão em choque, então, talvez a vida simples do campo faça algum bem a eles.

Emily sorriu, pensando nos pais de Maya tentando se integrar aos Amish na pequena comunidade a oeste de Rosewood.

— Quer ir até o meu quarto? — perguntou Maya, erguendo uma das sobrancelhas.

Emily puxou a saia — suas pernas eram musculosas por causa da natação — e parou para pensar. Se a família de Maya não estava lá, elas estariam a sós. Em um quarto. Com uma cama.

Quando Emily viu Maya pela primeira vez, ficou enfeitiçada. Ela sempre procurara por uma amiga que pudesse substituir Ali. Ali e Maya eram mesmo parecidas de várias maneiras — as duas eram destemidas e divertidas, e pareciam as únicas duas pessoas no mundo que entendiam a Emily real. Elas tinham mais uma coisa em comum: Emily sentia alguma coisa diferente quando estava com elas.

—Vamos lá. — Maya se virou para entrar na casa. Emily, sem saber muito bem o que fazer, foi atrás dela.

Ela seguiu Maya pela escada em espiral que rangia, até seu quarto, com decoração inspirada no ano 1776.O lugar cheirava a lã molhada, tinha piso de pinho diagonal, uma cama queen size com dossel, coberta por uma colcha enorme e diferente, e um objeto esquisito, que parecia com um batedor de manteiga, no canto.

— Meus pais colocaram meu irmão e eu em quartos separados. — Maya sentou-se na cama, que rangeu.

— Que legal — comentou Emily, se empoleirando na beirada de uma cadeira bamba que, provavelmente, havia pertencido a George Washington.

— Bem, como você está? — Maya se inclinou na direção dela. — Deus, eu vi você no funeral. Você parecia... devastada.

Os olhos cor de avelã de Emily se encheram de lágrimas. Ela estava devastada com a perda de Ali. Emily havia passados os últimos três anos e meio esperando que Ali aparecesse em sua varanda, saudável e brilhante como sempre. E, quando começou a receber os torpedos de A, teve certeza de que Ali estava de volta. Quem mais poderia saber? Mas agora Emily sabia que Ali tinha ido embora de verdade. Para sempre. E, além disso, alguém conhecia seu segredo mais constrangedor — que ela fora apaixonada por Ali — e que sentia a mesma coisa por Maya. E talvez a mesma pessoa também soubesse a verdade sobre o que elas haviam feito com Jenna. Emily se sentia mal por ter se recusado a contar para suas antigas amigas o que diziam os recados de A, mas é que ela simplesmente... não podia. Uma das mensagens continha uma antiga carta de amor que ela havia escrito para Ali. A ironia é que ela podia contar a Maya o que diziam as mensagens, mas tinha medo de contar a ela sobe A.

— Acho que ainda estou muito chocada — respondeu, por fim, sentindo o inicio de uma dor de cabeça. — Mas eu também... estou só cansada.

Maya chutou as botas para longe.

— Por que você não tira uma soneca? Não será sentada nessa cadeira de tortura que você vai se sentir melhor.

Emily agarrou os braços da cadeira.

—Eu...

Maya deu um tapinha na cama indicando que era para Emily se sentar lá.

—Você precisa de um abraço.

Um abraço faria com que ela se sentisse melhor. Emily afastou o cabelo louro-avermelhado do rosto e se sentou na cama, perto de Maya. Seus corpos se fundiram. Emily podia sentir as costelas de Maya através do tecido da camisa dela. Ela era tão pequena que era provável que Emily conseguisse erguê-la e girá-la pelo quarto.

Elas se afastaram um pouco, ficando a alguns centímetros do rosto uma da outra. Os cílios de Maya eram de um preto profundo, e ela tinha pontinhos dourados em seus olhos. Devagar, Maya ergueu o queixo de Emily. Ela a beijou, primeiro, gentilmente. Depois, com mais intensidade.

Emily sentiu um já familiar arrepio de excitação enquanto Maya roçava a beirada de sua saia. De repente, ela enfiou a mão por baixo do tecido. Suas mãos estavam surpreendentemente frias.

Emily abriu os olhos e se afastou.

As cortinas de babados do quarto de Maya estavam abertas e Emily podia ver os Escalades, caminhonetes Mercedes e Lexus Hybrids no estacionamento. Sarah Isling eTaryn Orr, duas meninas que estavam no mesmo ano que Emily, saíram pela porta do restaurante, seguidas por seus pais. Emily se afastou.

Maya se sentou novamente.

— O que houve?

— O que você está fazendo? — Emily ajeitou a camisa desabotoada.

— O que você pensa que eu estou fazendo? — Maya sorriu.

Emily olhou para a janela de novo. Sarah e Taryn haviam ido embora.

Maya remexeu-se para cima e para baixo no colchão molenga.

—Você sabia que no sábado vai ter uma festa de caridade chamada Foxy?

— Sabia. — Todo o corpo de Emily tremia.

— Acho que nós devemos ir — continuou Maya —, parece que vai ser divertido.

Emily franziu a testa.

— Os convites custam duzentos e cinquenta dólares. E você tem que ser convidada. — Meu irmão ganhou convites. E são suficientes para nós dois. — Maya se inclinou para perto de Emily. —Você pode ser minha acompanhante?

Emily saiu da cama.

— Eu... — Ela deu um passo para trás, tropeçando no tapete. Uma porção de pessoas de Rosewood Day ia à Foxy. Todos os garotos e garotas populares, todos os atletas... todo mundo. —Preciso ir ao banheiro.

Maya pareceu confusa.

— Fica ali.

Emily fechou a porta empenada. Ela se sentou no vaso e encarou o desenho na parede que mostrava uma mulher Amish usando uma touca e um vestido comprido. Talvez fosse um sinal. Emily estava sempre procurando por sinais que a ajudassem a tomar decisões — em seu horóscopo, em biscoitos da sorte, em coisas aleatórias como essas. Talvez, esse desenho significasse: Seja como os Amish. Eles não levavam vidas castas? Suas vidas não eram loucamente simples? Eles não haviam queimado garotas que gostavam de outras garotas na fogueira?

E, então, o telefone dela tocou.

Emily tirou-o de seu bolso, perguntando-se se não seria sua mãe querendo saber onde ela estava. A sra. Fields não estava exatamente feliz com a amizade de Emily e Maya — por motivos racistas, perturbadores. Imagine se a mãe dela soubesse, então, o que elas estavam aprontando naquele momento.

O Nokia de Emily piscou: 1 nova mensagem. Ela clicou em LER.

Em! Ainda se dedicando ao mesmo tipo de "atividade" com sua melhor amiga, pelo que posso ver. Apesar de a maioria de nós ter mudado completamente, é bom saber que você ainda é a mesma! Vai contar a todos sobre seu novo amor? Ou eu devo fazer isso? —A

— Ah, não — sussurrou Emily.

De repente, ouviu um barulho perto dela. Deu um pulo, batendo o quadril contra a pia. Era apenas alguém dando descarga no banheiro do quarto ao lado. Depois, houve alguns sus-surros e risadinhas. O som parecia vir do ralo da pia.

— Emily — Maya chamou —, tudo bem por aí?

— Hum... tudo — grasnou Emily. Ela se olhou no espelho. Seus olhos estavam arregalados e vazios, e seu cabelo louro-avermelhado estava desgrenhado. Quando ela finalmente saiu do banheiro, as luzes do quarto estavam apagadas e as cortinas, fechadas.

— Psssst — chamou Maya da cama. Ela estava deitada de lado, de forma sedutora. Emily olhou em volta. Ela tinha certeza de que Maya não havia trancado a porta. Todos aqueles garotos de Rosewood estavam lanchando bem no andar de baixo...

— Eu não posso fazer isso — disse Emily.

— O quê? — Os dentes brancos ofuscantes de Maya brilhavam no escuro.

— Nós somos amigas. — Emily se encostou contra a parede. — Eu gosto de você.

— Eu gosto de você também. — Maya passou a mão em seu braço nu.

— Mas é só isso que eu quero que sejamos no momento — explicou Emily. —Amigas.

O sorriso de Maya desapareceu na escuridão.

— Desculpe. — Emily enfiou os sapatos de qualquer jeito, calçando o pé direito no esquerdo.

— Isso não significa que você precisa ir embora — disse Maya, tranquila.

Emily olhou para ela enquanto alcançava a maçaneta. Seus olhos estavam começando a se habituar à escuridão, e ela pôde ver Maya, que parecia desapontada, confusa e... linda. — Tenho que ir — murmurou Emily —, estou atrasada.

— Atrasada para quê?

Emily não respondeu. Ela se virou para a porta. Como suspeitou, Maya não tinha se dado ao trabalho de trancá-la.