Flawless

11. A mãe de Emily não ensinou a ela que não se deve entrar em carros de estranhos?


Emily apertou o botão da máquina de chicletes no Fresh Fields. Era uma quarta-feira, depois do treino da natação, e ela estava comprando coisas para o jantar, que a mãe havia pedido. Ela comprava chiclete na máquina toda vez que ia ao Fresh Fields e tinha inventado um jogo: se apanhasse um chiclete amarelo, alguma coisa boa iria acontecer com ela. Ela olhou para o chiclete na palma de sua mão. Era verde.

— Oi. — Alguém havia se aproximado dela.

Emily olhou para cima.

—Aria. Oi.

Como sempre, Aria obviamente não tinha receio de se destacar com suas roupas. Ela vestia um colete felpudo azul-néon, que acentuava seus olhos, de um azul penetrante. E, embora usasse a saia do uniforme da escola, havia levantado a barra bem acima dos joelhos, combinando-a com leggings pretas e sapatilhas de balé azul-celeste. Seus cabelos pretos estavam presos em um rabo de cavalo alto, do tipo que as líderes de torcida costumam usar. a efeito funcionava, e a maioria dos homens com menos de setenta e cinco anos no estacionamento do Fresh Fields estava olhando para ela.

Aria chegou mais perto.

— Está tudo bem com você?

—Tudo bem. E você?

Aria deu de ombros. Ela lançou um olhar discreto para o estacionamento, que estava cheio de funcionários colocando os carrinhos espalhados pelo pátio de volta aos lugares certos.

—Você não recebeu mais nenhuma...

— Não. — Emily evitou os olhos de Aria. Ela havia apagado a mensagem de texto de A da segunda-feira, aquela sobre seu novo namorado, e era quase como se nada tivesse acontecido. — E você?

— Nada. — Aria deu de ombros de novo. — Acho que estamos a salvo.

Não, não estamos, Emily quis dizer. Ela mordeu as bochechas por dentro.

— Bem, você pode me ligar a qualquer hora. — Aria começou a andar em direção às máquinas de refrigerante.

Emily saiu da loja, um suor frio lhe cobria o corpo. Por que ela tinha sido a única pessoa a receber uma mensagem de A? Será que A a havia escolhido?

Ela pôs a sacola de compras na mochila, destrancou a bicicleta e pedalou para fora do estacionamento. Quando virou para uma rua lateral que, na verdade, não tinha nada além de quilômetros de cercas brancas, sentiu uma leve sensação de outono no ar. a outono em Rosewood sempre lembrava a Emily que era o início da temporada de natação. Aquilo normalmente era uma coisa boa, mas, naquele ano, Emily se sentia desconfortável. A técnica Lauren havia feito o anúncio oficial da capitã da equipe no dia anterior, depois que o Rosewood Tank terminara. Todas as garotas haviam corrido para cumprimentar Emily e, quando ela contara aos pais, os olhos da mãe se encheram de lágrimas. Emily sabia que devia se sentir feliz

— as coisas estavam voltando ao normal. Só que ela sentia como se ela própria tivesse mudado, de forma definitiva.

— Emily! — gritou alguém, às suas costas.

Ela se virou para ver quem a estava chamando, e a roda dianteira da bicicleta derrapou em algumas folhas molhadas. De repente, se viu no chão.

— Ai, meu Deus, você está bem? — gritou a voz.

Emily abriu os olhos. Parado de pé, à sua frente, estava Toby Cavanaugh. O gorro do casaco estava levantado, fazendo seu rosto parecer sombrio.

Ela deu um gritinho. O incidente do dia anterior, no corredor dos armários, continuava a voltar à sua mente. O rosto de Toby, sua expressão frustrada. Como ele tinha simplesmente olhado para Ben, fazendo-o recuar. E será que fora uma coincidência ele passar pelo corredor naquele momento, ou ele a estava seguindo? Ela pensou na mensagem de A. Apesar de a maioria de nós ter mudado completamente... Bem, no caso de Toby, com certeza.

Toby se abaixou.

— Deixe-me ajudar você.

Emily levantou a bicicleta sozinha, moveu as pernas cuidadosamente e levantou a calça para verificar o longo e fundo arranhão em sua canela.

— Eu estou bem.

— Você deixou isto cair lá atrás. —Toby entregou a Emily sua bolsinha de moedas da sorte. Ela era feita de couro cor-de-rosa e tinha o monograma E na frente. Ali a dera de presente a Emily um mês antes de desaparecer.

— Hum, obrigada. — Emily tomou a bolsinha das mãos dele, sentindo-se desconfortável.

Toby franziu a testa ao ver o arranhão.

— Isso parece ruim. Você quer vir comigo até o carro? Eu acho que tenho alguns Band-

Aids...

O coração de Emily acelerou. Primeiro, tinha recebido aquela mensagem de A, depois Toby a resgatara no corredor, e agora isso. Aliás, por que ele estava na Tate? Ele não devia estar no Maine? E ela sempre havia se perguntado se Toby sabia sobre A Coisa com Jenna e por que ele havia assumido a culpa.

— É sério. Eu estou bem. — Ela levantou a voz.

— Eu posso pelo menos te dar uma carona pra algum lugar?

— Não! — gritou Emily. Então, percebeu a quantidade de sangue que estava escorrendo de sua perna. Ela odiava ver sangue. Os braços dela começaram a ficar moles.

— Emily? — perguntou Toby. —Você está...

A vista de Emily ficou turva. Ela não podia desmaiar ali. Tinha que se afastar de Toby. Apesar de a maioria de nós ter mudado completamente... E, então, tudo ficou escuro.

Quando ela acordou, estava deitada no banco de trás de um carro pequeno. Uma série de pequenos Band-Aids escondiam o arranhão em sua perna. Ela olhou em volta, ainda tonta, ten-tando se situar, quando percebeu quem estava dirigindo.

Toby se virou.

—Bu!

Emily gritou.

— Ei! — Toby parou em um semáforo e levantou as mãos para o alto, em um gesto que dizia: Não atire! — Desculpe. Eu só estava brincando.

Emily se sentou. O banco de trás estava entulhado de coisas: garrafas vazias de Gatorade, cadernos de espiral, livros didáticos, tênis surrados e um par de calças de moletom cinza. O estofamento do banco de Toby havia se desgastado em alguns lugares, revelando um enchimento de espuma azul. Um aromatizante de carro, no formato de um ursinho dançante, balançava no espelho retrovisor. O carro não cheirava bem, entretanto. Tinha um odor forte e azedo.

— O que você está fazendo? — perguntou Emily. — Aonde nós estamos indo?

—Você desmaiou — explicou Toby calmamente. — Por causa do sangue, talvez. Eu não sabia o que fazer, então, peguei você no colo e te coloquei no meu carro. Sua bicicleta está no porta-malas.

Emily olhou para os pés; lá estava sua mochila.Toby a havia carregado? Tipo, nos braços? Ela se sentiu tão assustada que parecia que ia desmaiar de novo. Olhando em volta, não reconheceu a estrada cheia de árvores por onde estavam passando. Eles podiam estar em qualquer lugar.

— Me deixe sair — gritou Emily. — Eu posso pedalar daqui.

— Mas não tem acostamento...

— É sério. Encoste.

Toby encostou o carro em uma área gramada e olhou para ela. Os cantos de sua boca caíram e seus olhos se arregalaram de preocupação.

— Eu não tive a intenção... — Ele passou a mão no queixo. — O que eu deveria ter feito? Deixado você lá?

— É — respondeu Emily.

— Bem, hum, eu sinto muito, então. — Toby saiu do carro, andou até o lado dela e abriu a porta. Um cacho de cabelos escuros caiu sobre a testa dele. — Na escola, eu fui voluntário na unidade de resgate de emergência. Eu meio que quero resgatar tudo, agora. Até mesmo animais mortos na estrada.

Emily olhou para a estrada e notou a gigantesca roda d'água da fazenda Applegate Horse. Eles não estavam no meio do nada. Estavam a menos de dois quilômetros da casa dela.

—Venha — disse Toby. — Eu te ajudo.

Talvez ela estivesse exagerando. As pessoas mudam — era só ver qualquer um dos amigos de Emily, por exemplo. Não significava que Toby fosse, definitivamente, A. Ela relaxou as mãos, que apertavam o assento do carro.

— Hum, você pode me levar. Se quiser.

Toby olhou para ela por um instante. Um dos cantos de sua boca se curvou, em um quase sorriso. A expressão em seu rosto dizia: Hum, tudo bem, garota maluca, mas ele não disse nada.

Ele voltou para o banco do motorista, e Emily o examinou em silêncio. Toby realmente havia mudado. Os olhos dele, que antigamente tinham uma expressão assustadora, agora pareciam apenas profundos e pensativos. E ele estava falando. Coerentemente. No verão, após o sexto ano, Emily e Toby foram para o mesmo acampamento de natação, e Toby simplesmente olhava fixamente para ela, sem o menor constrangimento e, então, puxava a aba do boné sobre os olhos e cantarolava. Mesmo assim, Emily desejava poder perguntar a ele a questão de um milhão de dólares: por que ele havia assumido a culpa por cegar sua irmã postiça, quando não o havia feito?

Na noite em que acontecera o acidente, Ali entrara em casa e dissera a elas que tudo estava bem, que ninguém a havia visto. Todas estavam muito assustadas para dormir no começo, mas Ali acariciara as costas de todas, acalmando-as. No dia seguinte, quando Toby confessara, Aria perguntara a Ali se, durante aquele tempo todo, ela sabia o que ele iria fazer — como poderia ter sido tão fria?

— Eu simplesmente tive uma sensação de que tudo ficaria bem — explicara Ali.

Com o tempo, a confissão de Toby havia se tornado um daqueles mistérios da vida, que ninguém jamais entenderia — qual era o motivo real por trás do divórcio de Brad e Jen; o que havia no chão do banheiro das meninas de Rosewood Day quando a zeladora gritara; por que Imogen Smith perdera tantas aulas no sexto ano (porque, definitivamente, não era mononucleose), ou como... quem matara Ali.Talvez Toby se sentisse culpado sobre outra coisa, ou quisesse sair de Rosewood? Ou, talvez, ele tivesse mesmo fogos de artifício na casa da árvore e os tivesse disparado acidentalmente.

Toby manobrou o carro e entrou na rua de Emily. Tocava blues nas caixas de som, e ele acompanhava o ritmo batendo no volante com as palmas das mãos. Ela pensou em como ele a havia salvado de Ben no dia anterior. Ela queria lhe agradecer, mas e se ele perguntasse mais sobre o assunto? O que Emily iria dizer? Oh, ele estava furioso porque me viu beijando uma garota na boca.

Emily finalmente pensou em uma pergunta segura.

— Então, você está na Tate, agora?

— É — respondeu ele. — Meus pais me disseram que, se eu fosse aceito, poderia ir. E eu fui. É bom estar perto de casa. Eu posso ver a minha irmã. Ela está na escola na Filadélfia. Jenna. O corpo inteiro de Emily, até os dedos dos pés, ficou tenso. Ela tentou não demonstrar nenhuma reação, e Toby olhou diretamente para a frente, parecendo não notar que ela estava nervosa.

— E, hum, onde você estava antes? No Maine? — perguntou Emily, fazendo parecer que ela não sabia que ele estava na Academia Manning para Rapazes, que, de acordo com a pesquisa que ela fizera no Google, ficava na Estrada Fryeburg, em Portland.

— É. —Toby diminuiu a velocidade para deixar que dois garotos de patins atravessassem a rua. — O Maine era legal. A melhor coisa era o resgate de emergência.

—Você... você viu alguém morrer?

Toby olhou nos olhos dela pelo espelho retrovisor novamente. Emily nunca havia percebido que os olhos dele eram azul-escuros.

— Não. Mas uma senhora me deixou o cachorro dela em testamento.

— O cachorro? — Emily não conseguiu controlar uma risada.

— É. Eu estava com ela na ambulância e a visitei no CTI. Nós conversamos sobre o cachorro dela, e eu disse que adorava cachorros. Quando ela morreu, o advogado dela me encontrou.

— E... você ficou com ele?

— Está na minha casa agora. Ele é um animal dócil, mas tão velho quanto a ex-dona, Emily riu e algo dentro dela começou a derreter. Toby parecia... normal. E legal. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, eles haviam chegado à casa dela.

Toby estacionou o carro e tirou a bicicleta de Emily do porta-malas. Quando ela pegou o guidom, os dedos deles se tocaram. Uma pequena faísca se acendeu dentro dela.Toby olhou para Emily por um momento, e ela olhou para a calçada. Séculos atrás, ela havia colocado a mão no concreto fresco. Agora, a marca da mão parecia pequena demais para ter pertencido a ela.

Toby sentou-se no banco do motorista.

— Então, vejo você amanhã?

Emily levantou a cabeça de uma vez.

— P-por quê?

Toby ligou o carro.

— É a reunião Rosewood-Tate. Lembra?

— Oh — respondeu Emily. — É claro.

Enquanto Toby se afastava, ela sentiu o coração desacelerar. Por alguma razão maluca, ela pensara que Toby iria convidá-la para sair. Ora, vamos, disse ela a si mesma ao subir os degraus da entrada de casa. Aquele era Toby. Os dois juntos era algo tão provável como... bem, como Ali ainda estar viva. E, pela primeira vez desde que ela desaparecera, Emily tinha finalmente desistido de esperar por isso.