Fiéis Infiéis

Capítulo 19: Pega na Mentira


Depois de um dia cansativo bancando a babá do cachorro, deitei-me no sofá e liguei a TV. Não havia nada interessante, mas eu estava tão cansado que não me dei ao trabalho de me importar, apenas fiquei ali, deitado, observando as imagens e ouvindo os sons, sem prestar muito atenção. Depois de alguns minutos, Luke voltou do quintal e subiu na poltrona ao meu lado, como se quisesse me fazer companhia. Só esperava que o cãozinho não se apegasse a mim por causa do dia que passamos juntos. Nunca gostei muito de animais, e não ia ser nada agradável um cachorro me seguindo por toda a parte enquanto eu estivesse em casa.

Acabei pegando no sono, e só despertei quando ouvi o ranger da porta se abrindo. Sentei-me no sofá a tempo de ver Adelaide entrando em casa. Caminhei até ela, eu estava com saudade, e me aproximei para beijá-la, mas fui afastado com um empurrão; só então percebi a expressão em seu rosto. Minha esposa trazia uma cara amarrada, os olhos raivosos, quase faiscando.

— O que foi, meu amor?

— Não me chame de meu amor, seu mentiroso filho da...

— Hei, hei! Calma aí! Não vai me contar o porquê de estar tão nervosa?

— Ser enganada me deixa assim. E não adianta fingir que não sabe do que eu estou falando!

Ela estava furiosa, e eu realmente não fazia ideia do que estava acontecendo. Ainda assim, resolvi manter certa distância, pois uma mulher com raiva é capaz das coisas mais cruéis e inimagináveis do mundo.

— Eu não sei do que está falando, Adelaide. Será que dá pra me explicar? — tentei falar o mais calmamente possível, mas não sei se adiantou muita coisa.

— Eu sei de tudo, desgraçado! Sei que procurou aquela piranha! E sem me falar nada!

Droga, droga, droga! Ela descobriu. Agora eu entendi a razão de toda aquela ira. Eu estava em maus lençóis.

*

ALGUNS DIAS ATRÁS

Eu estava farto dos planos de Adelaide que só nos metiam em encrencas. Estava realmente cansado de tudo aquilo. No entanto, eu concordava com ela em um ponto: nosso casamento estava em risco. Precisávamos de nossos amantes para que continuássemos sendo felizes. Parece estranho quando se ouve, mas a infidelidade nos salvou, e não sei como seria se voltássemos ao que éramos antes. Vinha tentando pensar em alguma coisa, uma ideia melhor do que aquelas que tentamos nos últimos dias; infelizmente, nada surgia. Foi então que decidi tentar uma coisa: ser sincero.

Exatamente isso, eu seria sincero. Procurei por Aliane; foi difícil fazê-la atender ao telefone, mas no segundo dia de tentativas, ela finalmente cedeu. Disse que precisávamos conversar, e depois de muito insistir, minha ex-amante concordou em se encontrar comigo. Marcamos em um restaurante a quilo que eu costumava frequentar. Eu sei que não parece muito romântico, mas não queria afastá-la, e qualquer tentativa de criar um clima a faria correr imediatamente.

Cheguei ao local com 20 minutos de antecedência, e fiquei bebericando um refrigerante de laranja enquanto a esperava. Aliane chegou pontualmente com 10 minutos de atraso. Ela era uma mulher, então era quase como chegar adiantada.

— Oi — eu disse, me levantando para cumprimentá-la com um aperto de mão. Bem que eu poderia ter dito algo melhor, mas não consegui pensar em nada.

— Oi. Não posso demorar, então precisamos ser rápidos.

— Não vai comer nada? O preço aqui é ótimo, e já está na hora do almoço.

— Preciso mesmo ir a outro lugar, não posso demorar!

— Mas você terá que almoçar de um jeito ou de outro, não?

— Sim, mas...

— Então, vamos.

Levantei-me e chamei-a para se servir. Pegamos os pratos e caminhamos até onde estava a comida. Eu não sou de comer muito, mas quando a comida é por quilo, algo em mim me faz servir mais que o normal, como se minha vida dependesse de provar tanto quanto fosse possível em variedades.

Aliane se serviu de salada e uma carne de frango muito magra. Eu carregava um prato daqueles, com uma verdadeira montanha de comida. Voltamos à mesa e, então, ela disse:

— Então, Anderson, por que me chamou aqui?

Dei uma boa garfada, precisava ganhar tempo. Eu sabia o que queria, mas não sabia o que dizer, como dizer. Mastiguei lentamente, como quem quer aproveitar até o último segundo antes de uma tarefa muito difícil. Quando o último grão de comida desceu garganta abaixo, não havia mais como escapar, e fui obrigado a começar a falar.

— Bem, eu sei que você vai se casar, e por isso terminou comigo, mas preciso te dizer algo muito importante, e gostaria que você me escutasse antes de tomar qualquer decisão, já que o que tenho a dizer é muito importante, e...

— Diz logo, Anderson, por favor. Eu não posso...

— Não pode demorar. Eu sei, eu sei. Vou tentar ser direto, então. É o seguinte, eu quero voltar a te encontrar. E não importa se você vai casar, eu preciso de você! Meu casamento depende disso. Você não pode deixar que meu casamento seja arruinado!

— Anderson, já conversamos sobre isso. Pensei que tivesse entendido. Eu tenho um novo relacionamento, a família dele é religiosa e fizemos um pacto. Nossa relação é baseada na monogamia!

De novo essa palavra. Monogamia. Nem lembrava mais o que Adelaide dissera sobre isso, e não me importava o que significava. Eu só precisava que ela aceitasse ser minha amante novamente.

— Mas eu preciso de você! Por favor!

Eu disse “por favor”. Não sei qual o limite de um homem para se humilhar, mas certamente eu havia atingido esse limite. Difícil entender como fui capaz de tanto, mas eu estava desesperado. Eu amava Adelaide, sempre amei, e não queria perdê-la.

— Anderson, eu tenho grande afeto por você, mas acho que foi um erro ter vindo até aqui. Me desculpe.

Ela se levantou, sem nem mesmo tocar na comida.

— Aliane! — tentei fazê-la voltar, mas minha ex-amante já se afastava.

— Sinto muito.

Foram as última palavras que ouvi, e logo ela já estava longe.

*

— Vai negar que foi procurar a vagabunda pedindo pra voltar, igual a um cachorrinho? — gritou Adelaide, enlouquecida.

— Adelaide, me deixa explicar! As coisas não são bem assim...

— Explicar o caralho! — ela berrava como louca, logo os vizinhos chamariam a polícia. — Estávamos juntos nessa, mas você quis me “dar a volta”. Queria continuar se encontrando com a piranha enquanto eu seria exclusividade sua!

— Não, eu nunca pensei nisso, eu só... eu só...

Não sabia como concluir, meu coração disparou, minha boca estava seca e o suor brotava da testa como se estivesse eu uma sauna cheia de homens gordos e peludos.

— Você nem sabe o que dizer. Pensou que me enganaria por quanto tempo? Você é um desgraçado!

Minha cabeça doía, e todos aqueles insultos me deixavam cada vez mais agitado. Eu omiti um fato, é verdade, mas aquilo não era justo. A ideia daquilo tudo tinha sido dela, e eu só fiz o que ela me induziu a fazer. Eu não queria entrar em conflito, mas a raiva começava a substituir o nervosismo, e não era mais possível conter o que eu tinha engasgado para dizer.

— A culpa é toda sua! — gritei, dando um basta à série de insultos que recebia.

— Como é que é?

Acho que não foi muito sensato dizer aquilo. Agora teria que aguentar o que viria pela frente.