— Quem são essas Lisbon? — Perguntei, enquanto andava um pouco mais rápido para alcançar Jeff, que estava muito na frente e parecia bem furioso. Como ele me ignorou e me deixou ali, sem saber quem eram aquelas garotas e só continuou andando, decidi ficar quieta e apenas acompanhá-lo.

Estávamos perto de uma enorme árvore quando Jeff parou. Acho que ele também tinha percebido que havíamos andado em círculos por uns dez minutos. Ele ficou xingando enquanto eu tentava achar algum lugar seco e menos desconfortável para sentar.

— Talvez essas Lisbon estejam fazendo uma piada com a gente. — Falei, fazendo uma careta ao sentir que o lugar em que eu sentei era completamente desconfortável.

Jeff olhou para mim e suspirou. Por fim, ele se sentou ao meu lado e ficou encarando a árvore que estava na nossa frente — sendo que tinha muitas delas. Ficamos em silêncio por algum tempo, apenas observando o ambiente ao redor. A floresta estava ficando mais escura e aquilo não seria legal. Tínhamos que achar alguma forma de sair daqui e rápido.

— As Lisbon são espíritos sedentos por sangue. — Começou Jeff. — Elas se consideram irmãs mas apenas uma delas é real, que no caso é Lyra. Lya e Lyanna foram criadas por Lyra, que se sentia sozinha na maior parte do tempo. Enfim, Lyra acreditou tanto que as duas existiam que elas arranjaram um jeito de tomar forma física e assustar todos que aparecessem em seu caminho.

Arqueei as sobrancelhas e olhei para ele.

— Você sabe explicar muito bem a situação. — Jeff soltou uma risada seca.

— Eu nunca entendi muito bem a história delas. Mas a história não é mais estranha que as personagens. — Dei um sorrisinho forçado e ouvi meu estômago roncar. Acho que Jeff ouviu também porque olhou pra mim naquele instante pela primeira vez com um sorriso enorme e macabro. Não vou me acostumar tão cedo com aqueles cortes na boca dele. — Acho que tem alguém com fome.

— Eu daria qualquer coisa pra comer quinhentos biscoitos de aveia e mel. — Falei, me levantando.

— Aonde você vai? — Perguntou Jeff, alarmado.

— Procurar comida, oras, vai que eu ache mesmo alguns biscoitos por aí? — Comecei a andar e pude ouvir passos atrás de mim. Claro que ele não iria perder toda a "diversão". Afinal, era cada merda que acontecia comigo. Nem sei como ainda não morri na primeira oportunidade.

Jeff parecia mais calmo, tanto que me explicou 0 por quê de estar todo ensanguentado. Disse-me que, quando estávamos no túnel de pedra, eu desmaiei e aconteceu a mesma coisa com ele logo em seguida. Ele acha que foi algum truque de Lya, já que pouco antes de apagar sentiu o perfume dela.

— Espera aí, como você sabe qual é o cheiro do perfume dela?

— Já tive um lance com ela. — Fiz uma careta. Eca.

Depois que ele desmaiou, ficou caindo por uns quinze minutos numa profunda escuridão, sem enxergar nada, apenas ouvindo vozes. Quando eu perguntei a ele se conhecia as vozes, ele fingiu não ouvir e continuou contando como se aquela parte fosse insignificante. Dei de ombros e continuei escutando.

Quando ele finalmente caiu, não foi de cara em uma grama verde e macia ou em um rio de água cristalina; foi em um rio de sangue humano. Por isso que ele estava ensopado de sangue. E foi quando ele saiu do rio que lembrou de mim — não sei como e nem quis perguntar. Eu ri quando ele se referiu a mim como "Nanica" ao invés do meu nome.

— Jeff, meu nome é Lolitta. Acho que, com tanta coisa acontecendo, eu esqueci de mencionar. — Falei, enquanto examinava outro arbusto à procura de alguma frutinha.

— Ainda prefiro nanica. — Dei de ombros e continuei examindo as plantas ao redor.

Enquanto eu examinava uma planta ou outra, no meio de um arbusto com folhas vermelhas, encontrei uma flor estranha. Parecia uma rosa mas a mesma era completamente negra. Fiquei encantada porque achei que aquele tipo de rosa não existisse na vida real, estava até com medo de tocá-la de tão bonita que era!

— Jeff, vem cá. — Chamei. Ele se agachou ao meu lado e olhou para a rosa negra, parecendo entediado,

— O quê? Nunca viu uma rosa negra? — Perguntou ele, arrancando a rosa negra do meio do arbusto. Deu uma dor no coração ver a rosa sendo arrancada.

— Não era pra você ter arrancado! — Exclamei, puxando a rosa da mão dele.

— É só uma rosa, não um diamante. — Ele se levantou. — Vamos, temos que procurar comida e abrigo, já está escurecendo.

Assenti com a cabeça e cheirei a rosa antes de colocá-la no arbusto novamente. Ela tinha um cheiro adocicado, tipo o shampoo de Amara.

Sinceramente, eu não queria deixá-la ali, mas não tinha como levá-la comigo sem causar uma briga com Jeff. Me afastei da flor e senti uma enorme tristeza acompanhada de um pesar estranho. Queria sentar no chão e começar a chorar todas as lágrimas que eu nunca chorei por algo ou alguém. Ah, como eu queria deitar na minha cama e ouvir alguma música do Black Veil Brides para me acalmar.

* * *

Quando a floresta começou a ficar mais enevoada, entrei em total desespero interno. Estava ficando cada vez mais frio e difícil de ver. Se ainda não tínhamos morrido, aquela névoa pesada será o gatilho perfeito. Jeff não estava nem ligando, continuava caminhando como se enxergasse através daquilo, continuava tranquilo como se não estivesse um frio da porra e não se incomodava nem um pouco se tinha sangue seco por todo o seu corpo.

— Jeff, acho que eu tô vendo uma luz ali. — Falei, apontando para algo brilhoso no meio das árvores. Jeff parou de andar e olhou para onde eu apontava. Eu estava me sentindo tonta e praticamente cai nos braços de Jeff no momento em que ele se virou para olhar a luz. Eu não conseguia ouvir nada mas minha visão ainda estava ali, meio esquisita mas ainda estava. Pude vê-lo dizer alguma coisa — provavelmente algum xingamento — e senti o vento em meu rosto. Ele estava indo até a luz, com certeza.

De repente, tudo mudou. Eu estava sozinha no mesmo lugar escuro em que encontrei as Lisbons pela primeira vez. Oh, não, elas vão voltar!? Jeff não estava comigo e eu não tinha nada para me defender. Mas eu estava tão bem, por que isso foi acontecer?

— Foi a rosa negra. — Disse uma voz atrás de mim. Virei-me rapidamente e vi Lyra ali, com um vestido branco e botas que a deixavam do mesmo tamanho que eu. Seu cabelo estava amarrado e ela não estava com a mesma aparência cansada de antes. Eu só queria que ela sumisse e me deixasse sair daqui o mais rápido possível.

— Você mentiu pra mim. — Falei, dando um passo para trás.

— Apenas contei algo que eu queria que fosse verdade. A culpa não é minha se você acreditou... — Ela me olhou de cima a baixo. — Que bom que Lya não a matou, ela geralmente faz isso.

— Aposto que você também.

— Eu só guio as vitimas até ela. Não tenho coragem o suficiente para matar. — Lyra se aproximou. Tentei recuar mas eu parecia estar presa no chão. Ficamos cara a cara, seus lábios roçavam nos meus e, por algum motivo inexplicável, eu queria que ela me beijasse. Por fim, ela apenas sorriu e olhou nos meus olhos. — Eu sabia que você estava escondendo alguma coisa. — E então, tudo o que vi foi um clarão.

* * *

— Vamos, Lolitta, não seja tímida. — Disse a garota. Seus cabelos eram escuros e cacheados, sua pele era bronzeada e ela tinha lindos olhos castanhos. Seu sorriso parecia iluminar todo o ambiente, deixando-me feliz e tranquila. Sentei em cima dos meus joelhos e fechei os olhos, dando um pequeno impulso para frente. Seus lábios tinham gosto de morango e aquilo me deixava com uma sensação estranha que eu não conseguia expressar ou identificar.

Um barulho fez eu me afastar rapidamente da garota e abrir os olhos. Virei-me para ver de onde tinha vindo o barulho e me deparei com minha prima, Amara. Seus cabelos loiros estavam soltos e ondulados e ela usava um vestido florido. Ela estava boquiaberta e olhava para mim e para a garota, parecendo abismada.

— O que vocês...

— Amara, eu posso explicar... — Começou a garota mas Amara a interrompeu.

— Eu não quero explicações! — E então, ela saiu do quarto, sem olhar para mim novamente.

* * *

Abri os olhos e me deparei com Lyra me observando. Eu finalmente conseguia me mexer e me afastar dela. Não queria ficar perto dela nem que me pagassem!

— O-o que foi isso? — Perguntei, sentindo meu rosto esquentar. Ela não me respondeu, apenas se virou com um sorriso nos lábios e começou a andar em direção ao nada. — Ei, espera! — Comecei a correr atrás dela mas no fundo eu sabia que eu nunca iria alcançá-la. Na metade do caminho, tropecei em algo — que eu não sabia como tinha parado ali porque o chão era completamente liso e sem nada — e cai em um buraco.

Abri os olhos e me sentei rapidamente, assustada com o que acabara de acontecer. Eu estava suada e sentia um gosto estranho na minha boca, parecia sangue. Olhei ao redor e percebi que não estava mais na floresta, exposta à névoa aterrorizante e ao vento frio da noite — estava em uma sala com paredes brancas e com baixa iluminação. Havia uma cortina preta e uma lareira apagada com grades como proteção. Que idiotice, quem precisa de proteção quando a lareira está apagada?

Levantei-me do sofá em que estava, ainda meio tonta. Eu teria andado normalmente e examinado tudo se não tivesse tropeçado em algo e caído de cara no chão. Ótimo, acho que quebrei o nariz!

— Que porra é essa? — Perguntou uma voz do meu lado. Ergui a cabeça e vi Jeff olhando para mim, zangado. Dei um sorriso forçado, mostrando todos os meus dentes pra ele.

— Foi sem querer... — Falei, tentando me levantar. Eu tinha tropeçado na perna de Jeff, que estava deitado no chão ao lado do sofá.

— Pelo visto você ainda está viva. — Disse ele assim que eu voltei para o sofá. Revirei os olhos e bocejei. Eu estava com sono mesmo tendo acabado de acordar. Isso era estranho, porque eu nunca fiquei assim. Claro, deve ser porque eu nunca fui atormentada por um espírito em meus sonhos.

O sonho...eu ainda não tinha entendido o que Lyra quis dizer com "Eu sabia que você estava escondendo alguma coisa". E aquela lembrança...não parecia ser minha mas alguma coisa dentro de mim dizia totalmente o oposto.

Eu não conseguia lembrar se alguma vez eu havia beijado alguma garota. Nunca tive coragem o suficiente para fazer isso, assim como eu fiz naquele sonho, lembrança ou sei lá o que era aquilo. Amara estava lá e parecia ter por volta dos sete ou oitos anos mas não lembro de nada dessa época. Será que eu beijei uma garota e esqueci? Não, impossível. Um beijo daqueles seria impossível de esquecer...

Tudo bem, isso sim está estranho.

— Quer me contar o que aconteceu? — Perguntou Jeff, sentando-se na minha frente.

— O quê?

— Você desmaiou lá na floresta, ficou apagada por cinco horas e ainda tá mais pálida do que eu. Desembucha, o que aconteceu?

E agora, eu deveria contar a Jeff sobre o sonho ou não? Eu poderia mentir, poderia inventar alguma coisa diferente mas eu corria o risco de perder a confiança dele se isso tudo viesse à tona. Quer dizer, eu nem tinha a confiança dele, então como eu poderia perdê-la? Ah, que se dane.

Contei a ele sobre tudo. Sobre Lyra, a lembrança e o por quê de eu ter apagado. Ele nem parecia estar prestando atenção, mas eu contei todos os detalhes mesmo assim.

— Opa, então quer dizer que você gosta de meninas? — Eu digo quinhentas mil porras importantes e a única coisa que ele absorve é a que menos importa?!

— Vai se ferrar. Olha, temos que sair daqui. Não temos tempo para mais nada, nem comer ou beber. A qualquer hora, Lya, Lyanna e Lyra podem bater ou até mesmo arrombar aquela porta! — Levantei rapidamente, ainda olhando para Jeff, que sorria mesmo diante daquilo tudo.

— O engraçado disso tudo é que tem mesmo biscoitos de aveia e mel na cozinha. — Jeff tossiu depois de dizer aquilo e me empurrou para a cozinha. Alguma coisa estava errada...

— Você não comeu os biscoitos, comeu? — Perguntei. Ele negou com a cabeça. Soltei um suspiro de alivio e estava prestes a puxá-lo para fora da casa quando a janela da sala despedaçou-se em uma festa de cacos de vidro, revelando uma garota de cabelos escuros e roupas totalmente pretas e coladas. Merda, tarde demais.

— É hora de brincar, queridos. — Disse uma das Lisbon, com um enorme sorriso e os olhos completamente negros brilhando de excitação.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.