Ela estava dentro do avião 909, da New Flying. Phil estava do seu lado. Ele estava sorrindo. Parecia querer repassar tranqüilidade e conforto. Até porque Jessica sentia-se mal por estar ali. Ele apertou sua mão.

Nas poltronas da frente estavam Claire Temple e Liu Wong. Conversavam animada e despreocupadamente. Falavam sobre jogos de luta e de corrida, numa espécie de disputa sobre qual era o melhor gênero.

Do outro lado do corredor, Tyler Cassey e Patrick Jackson estavam em silêncio. Patrick olhava para a janela minúscula do avião, e Tyler observava de longe uma aeromoça loira e bonita, que atendia um casal de idosos mais à frente, com os olhos de predador.

Paul Jackson e sua namorada Page Johnson conversavam aos sussurros atrás de Jessica, enquanto trocavam carícias e beijos rápidos. Os dois eram sempre assim. E, ainda mais atrás, Brenda Grigori estava conversando com uma menina loura que Jessica não conhecia. Devia ser uma nova “melhor amiga de Brenda”.

Uma voz chamou a atenção dos alunos. Jessica olhou para frente e viu seu professor de álgebra, Jamie Shawn, e a professora de inglês, Maggie Lars, em pé no meio do corredor. Eles falavam alguma coisa para todos os quarenta e dois alunos que embarcaram no voo. Jessica não conseguiu entender direito o que era, mas pareciam recomendações.

Então, o avião começou a decolar.

- Aqui vamos nós – disse Claire, virando-se para trás.

Jessica tomou o devido cuidado para não olhar para a janela. Não porque tivesse medo de altura. Mas tinha medo de tempestade. E, lá fora, a tempestade estava mais furiosa que nunca. Isso a deixava morta de medo.

- Tá tudo bem, amor – dizia Phil, enlaçando-a com o braço.

Jessica assentiu, tentando parecer mais tranquila. Olhou para os lados, e viu uma mulher conversando com um bebê no colo, fazendo-o sorrir. Depois, viu uma menina loira brincando com sua boneca em alguns bancos mais a frente. Parecia despreocupada. E ela ali, morrendo de medo.

Decidida a não mostrar-se muito frágil, Jessica fechou os olhos, e recostou a cabeça na poltrona, tentando esquecer que voavam em meio a uma tempestade. Mas, ao fechar os olhos, percebeu que tudo ficara completamente escuro. Sobressaltada, ela abriu-os novamente, e olhou para os lados. As luzes foram todas apagadas – e agora, haviam pessoas ascendendo as pequenas lâmpadas que ficavam acima de seus assentos.

- O que houve? – perguntou ela.

- Nada – disse Phil, sorrindo. Puxou-a apara si, e sussurrou em seu ouvido: - Eles só quiseram nos deixar mais à vontade. Fique calma...

Jessica deu de ombros.

- Estou calma...

- Não, não está... – disse Phil, acrescentando ao vê-la abrir a boca: – Mas não vou discutir com você. Agora, tente relaxar.

Jessica acomodou-se mais no peito do namorado, mas não fechou os olhos. Assim, ela pôde ver quando Tyler Cassey abruptamente levantou-se para ir ao banheiro, e viu Claire dar um tapa forte na cabeça de Liu, exclamando:

- Não fale mal da Mileena!

Phil ficou acariciando seus cabelos, em silêncio. Até então, nada havia acontecido. Mas Jessica estava com uma sensação angustiante no peito. Não era algo que se explicasse.

Foi aí que ela sentiu. Primeiro foi rápido, quase imperceptível. Um tremor suave.

Mas Jessica enrijeceu-se, alarmada. Porém, todo mundo estava em sua calmaria imperturbável. Inclusive Phil. Então, ela preferiu não comentar sobre isso.

Tudo ficara quieto de novo. Jessica engoliu em seco, enquanto ouvia a risada escandalosa de Brenda Grigori lá atrás. Segundos depois, Tyler estava de volta em seu assento, com uma aparência horrível.

De repente, o avião começou a balançar. As pessoas ficaram mudas, cheias de pavor, enquanto tudo sacudia. A menina que Jessica viu com a boneca largou-a depressa e agarrou-se a mãe, amedrontada. Malas e bolsas que estavam postas no bagageiro acima das poltronas saltaram para os corredores. As luzes vermelhas começaram a piscar, dando ênfase a cada semblante apavorado que Jessica conseguiu ver lampejar ao seu redor.

- Phil – disse ela, agarrando sua camisa, enquanto sentia o avião inteiro balançar.

O rapaz não disse nada.

Pessoas gritavam.

- O que está acontecendo?

- O que houve?

- Deus, por favor...!

Jessica olhou para a janela, e viu gotas de chuva serem sopradas para longe do vidro. Lá embaixo, via luzinhas brancas, que sumiam a cada relâmpago. E, dentro do avião, pessoas a choramingando e apertando os cintos.

- Fiquem todos calmos! – Jessica ouviu a voz do Prof. Shawn. – É apenas uma pequena turbulência...!

Mas, antes que ele pudesse terminar a frase, houve um forte lampejo azul dentro do avião, obrigando Jessica a fechar os olhos. E, no instante seguinte, um vento absurdamente forte invadiu o avião, uivando em seus ouvidos.

Quando Jessica abriu os olhos, todos gritavam desesperados. Máscaras de oxigênio foram liberadas do teto, e havia malas, mochilas e papéis voando para todos os lados. Enquanto colocava a máscara de oxigênio, Jessica viu, com um gelo no coração, que uma parede lateral do avião havia se desintegrado. Viu, ainda, duas pessoas saírem voando pela abertura, em meio aos gritos incessantes e a turbulência.

- Phil! – Jessica gritou de novo, apertando a mão do namorado.

Ele apertou-a com força.

Jessica achatou-se contra a poltrona e estreitou os olhos, devido ao vento. Não sabia se estava gritando ou não. Todos aqueles gritos e o som ensurdecedor da pressão do vento pareciam uníssonos. Principalmente os gritos. Eram os gritos de quem sabia que ia morrer.

A moça viu mais algumas pessoas serem arremessadas para fora do avião, desaparecendo logo em seguida. E o avião estremecia fortemente, dando sinais de que não agüentaria mais tamanha turbulência.

Então, mais uma das laterais se desmanchou ruidosamente, num lampejo alaranjado de faíscas e fogo. Pedaços de aço riscaram o ar, e foram engolidos pela tempestade. Quatro passageiros foram lançados fora, ainda em suas poltronas, gritando pela própria vida.

Foi então que Jessica viu que o avião estava em um ângulo quase que completamente vertical, e as luzes da cidade se aproximavam numa velocidade assustadora.

Subitamente, parte da aberta do avião se desprendeu, contorcendo-se e rodopiando para dentro. Jessica não teve tempo para gritar, ou alertar. Entreviu quando aquele pedaço de metal chocou-se contra a cabeça de Phil, arrancando-a do pescoço. Sentiu seu sangue quente espirrando em seu rosto e cabelo.

- PHIL! PHIL!

Não havia mais nada a fazer. E, ainda perdida no desespero, Jessica viu seu professor de álgebra ser lançado para fora do avião enquanto este se desintegrava ainda mais. Maggie Lars tentava impedir, agarrada a ele. Ambos gritavam seus nomes. Mas, ele se foi, com a tempestade.

Ao lado de Jessica, Tyler e Patrick estavam inclinados contra suas poltronas, berrando. Claire e Liu entravam no coro de gritos, seus cabelos esvoaçados, e seus rostos apavorados por trás das máscaras. Paul e Page estavam abraçados, o braço de Paul agarrando a namorada de uma forma protetora, como se a quisesse protegê-la da queda fatal que viria. Como se pudesse protegê-la da queda eminente. Brenda e sua nova amiga choravam aos berros, enquanto eram constantemente ameaçadas de serem lançadas para fora devido à turbulência e ao buraco aberto do outro lado do corredor.

O vento e os gritos zumbiam em seus ouvidos, formando uma melodia macabra. A melodia da morte.

Então, Jessica viu as luzes da cidade bem próximas... Próximas demais. Ouviu o estrondo. Os gritos se calaram. Apenas o fogo da explosão.

O avião se chocara contra a superfície da terra, tirando a vida de todo ser vivente que estava a bordo naquele voo. Inclusive Jessica. Mas, antes da morte, Jessica sentiu dor. Muita dor.

x-x-x-x-x

- Jessica! Jessica!

A moça abriu os olhos, gritando.

Esperava sentir a dor perturbadora de segundos atrás, ou ver apenas o fogo alaranjado. Mas o que viu a deixou ainda mais espantada: o rosto magro e preocupado da própria mãe.

Com um solavanco, Jessica sentou-se na cama, afastando as cobertas para longe. Estava muito suada, e chorava descontroladamente.

- Jessica! – dizia sua mãe, tentando acalmá-la.

A menina olhou para os lados. Não estava dentro do avião. Não havia gritos ou rostos apavorados. Nem sangue. Estava em seu quarto azul-claro, aninhada entre as cobertas, tendo a mãe ao seu lado.

- Querida, o que houve?

Jessica olhou para a mãe com aqueles olhos azuis acinzentados marejados, e abraçou-a com urgência.

- Mãe!

- Querida, estou aqui... Fique calma... Foi só um pesadelo.

Jessica agarrou-se a mãe, enterrando o rosto naquele ombro magro, coberto por um roupão de lã alaranjada. Deixou que as lágrimas saíssem, enquanto lembrava-se das cenas horríveis de seu pesadelo. Principalmente o corpo sem cabeça de Phil, encharcado de sangue. Fora tudo tão real! Tão terrível!

- Mãe...

- Shh – fez a Sra. Holden. – Tá tudo bem, filha...

Jessica continuou abraçada à mãe por longos segundos. Estava tão assustada. Ainda podia sentir o vento gelado em seu rosto. Ainda podia ouvir os gritos do Prof. Shawn, implorando pela vida. Ainda sentia o sangue quente de Phil em seu cabelo.

Podia jurar que havia realmente acontecido todas essas coisas...

- Foi horrível, mãe...

- Foi só um pesadelo – disse a mulher calmamente, enquanto afastava a filha, para poder ver seu rosto. – Quer me contar sobre ele?

Jessica baixou os olhos, contemplando as mãos trêmulas e suadas.

- Parecia tão real – começou ela, enxugando as lágrimas que continuavam escorrer pelo seu rosto. – Os gritos... o sangue... a explosão...

A Sra. Holden franziu o cenho, segurando as mãos da filha. A preocupação maternal estava nitidamente estampada em seu rosto. Mas ela a encorajou a continuar.

- Eu estava dentro do avião – começou Jessica, engolindo em seco. – Estava a turma toda lá. Até o Sr. Shawn e a Srta. Lars... Mas estava chovendo muito, e... quando o avião decolou eu senti ele tremer. Eu senti! Mas, ao que parecia, só eu senti... Mas, depois, ele começou a balançar muito, e malas começaram a cair...

“Não sei bem o que aconteceu, mas acho que um raio atingiu o avião... Foi um lampejo muito forte, azul... E, então, o avião começou a se despedaçar, e pessoas foram sugadas para fora... Foi tão real! Tão real... Até as máscaras de oxigênio”...

Jessica engoliu em seco mais uma vez, fungando baixinho, enquanto chorava, lembrando-se de da estrutura de metal decapitando Phil bem ao seu lado. Os pelos de seus braços se arrepiaram.

- Não se preocupe – disse sua mãe, esboçando um sorriso suave. – Nada disso vai acontecer amanhã... Eu te prometo.

Jessica assentiu, sem convicção. Não olhou para a mãe. Olhou para a passagem, em cima do criado mudo, e sentiu-se tentada a destruí-la.

- Eu tô com medo – sussurrou. – Não parece um pesadelo comum, mãe... Foi muito real. Quando o avião caiu... a explosão... Eu consegui sentir a dor do fogo na minha pele...!

A Sra. Holden abraçou-a de novo, tentando acalmá-la.

- Shh – sibilou ela. – É normal ter sonhos desse tipo às vésperas de viajar de avião.

Jessica não disse nada. Sua mãe não entenderia. Não saberia como foi tal experiência, a não ser que ela mesma tivesse sentido e visto aquilo. Mesmo se fosse apenas um sonho, Jessica podia sentir a mesma sensação de que havia algo errado acontecendo naquele exato momento. Não apenas ali, naquele quarto. Mas, com alguma pessoa, em algum lugar do mundo. Algo que poderia prejudicá-la.

x-x-x-x-x

Não estava chovendo tanto, quando amanheceu.

Sentada em sua cama, de olhos abertos e sonolentos, Jessica viu quando os primeiros indícios de que o dia se aproximava se espreguiçaram para dentro do quarto. Ficou aliviada e, ao mesmo tempo, apavorada com o chegar do dia.

Às seis e meia da manhã, Jessica já estava sentada diante de sua penteadeira, trançando o longo cabelo claro, ouvindo baixinho uma música de James Morrison em seu aparelho de som, e aguardando a hora certa para poder ligar para Phil e poder ouvir sua voz. De vez em quando, relances das lembranças do pesadelo da noite passada vinham em sua cabeça, deixando-a de coração apertado. Queria ligar para Phil naquele instante, e perguntar se estava bem... Mas sabia que ele estava dormindo àquela hora. Também sabia que ele não entenderia uma única palavra do que ela dissesse se atendesse ao celular ainda sonolento. Então, preferiu esperar.

A menina tentava forçar o pensamento de que tudo estava – e ficaria— bem a entrar em sua cabeça cheia de preocupações. Queria acreditar no que sua mãe dissera, na noite passada, ao deixá-la sozinha no quarto mais uma vez: “Não se preocupe. Nada de ruim vai acontecer a você, nem a ninguém”. Sinceramente, Jessica queria muito acreditar. Mas não conseguia.

Enquanto se olhava no espelho, Jessica podia notar as olheiras cinzentas empapuçadas sob seus olhos – marcas da noite mal dormida. Rapidamente, ela cobriu-lhes com uma base simples, e de forma mais natural possível. Teria que ter uma boa aparência... Pelo menos para fingir que dormira.

Quando ouviu a mãe remexer na cozinha lá embaixo, a menina vestiu uma jaqueta jeans sobre a blusa branca, e desceu as escadas disposta a encenar. Odiava que as pessoas se preocupassem com ela, sem algum motivo justificativo.

Evilyn Holden, sua mãe, estava de pijamas e de roupão, sentada à mesa. Estava de costas, imóvel. Uma frigideira no fogão exalava o cheiro de ovos mexidos com bacon.

Jessica ficou parada, aos pés da escada, fitando as costas da mãe. Ela estava rígida, e tinham uma curvatura de quem pensava, apoiando o queixo na mão. Embora Jessica não pudesse ver, imaginou o rosto magro da mãe, vincado de preocupação “desnecessária”. Sentiu-se culpada. Então, tentou compensar...

- Bom-dia, mãe! – exclamou Jessica, com uma voz cordial.

A Sra. Holden assustou-se, olhando por sobre o ombro. A menina foi até ela e beijou-lhe o topo da cabeça.

- Bom-dia, querida – disse a mulher. – Uau, você parece bem melhor...

Jessica deu de ombros, indo até o fogão para servir-se de ovos e bacon.

- E estou.

Sua mãe sorriu, apoiando o queixo na mão, exatamente como Jessica havia imaginado. Mas, o olhar da mulher a analisava minuciosamente, procurando por falhas.

- É bom vê-la assim de novo.

Jessica forçou um sorriso, enquanto se sentava.

- Sabe, eu estive pensando... Sonhos não significam absolutamente nada. Não têm qualquer ligação com o futuro, têm? Eu já estudei sobre isso. Meu subconsciente apenas processou meu medo de aviões em forma de um sonho ruim. Só isso... E não tenho com que me preocupar... – ela esforçou-se ao máximo para mentir de modo impecável. Quase conseguiu convencer-se a si mesma daquela ladainha! Continuou: - Mas ontem eu fiquei mesmo apavorada. Na hora foi bem ruim...

A Sra. Holden assentiu, compreensiva.

- Você verá... – comentou ela. – Não é tão ruim quanto parece. E você terá as férias dos seus sonhos! Não tem de se preocupar com nada.

- Eu sei – disse Jessica, enquanto mastigava.

x-x-x-x-x

Era um pouco tarde demais quando Page Johnson lembrou-se de que deveria ir embora. Acordou sentindo os pelos do rosto de seu namorado roçando em seu pescoço. De início aquela ideia lhe agradou. Gostava de estar com Paul... Mas, ao abrir os olhos, percebeu então que o dia amanhecera – e que ela estava numa grande encrenca.

Alvoroçada, a moça sentou-se na cama, com os lençóis do namorado cobrindo-lhe o busto. Paul gemeu ao seu lado, entreabrindo os olhos claros, e fazendo uma careta de protesto contra a luz cinzenta que entrava pela janela.

- Ai, meu Deus, Paul! – exclamou Page, aflita. – Eu não fui pra casa ontem a noite! Meu pai vai me matar! – olhando ao seu redor, a garota percebeu o irmão gêmeo do namorado, dormindo imperturbavelmente em sua cama, do outro lado do quarto. Ela enrubesceu, olhando de Paul a Patrick, perplexa. – Ai meu Deus! E seu irmão ainda dorme no mesmo quarto que você! Que vergonha! – apreensiva, a moça enrolou-se nas cobertas do namorado, deixando-o completamente despido na cama, e foi procurar por suas roupas, tentando fazer o menor ruído possível.

Paul espreguiçou-se, ainda grogue demais para entender a seriedade da situação.

- Page, volta pra cá... – murmurou.

- Tá maluco? – disse Page, ríspida, enquanto se vestia, por trás dos lençóis. – Eu preciso ir embora agora, ou então a próxima vez que nos encontrarmos vai ser no meu velório!

Paul soltou um suspiro pesado, franzindo o cenho contra a luz do dia, e sentou-se na cama, observando a namorada se vestir.

- Como assim?

Page revirou os olhos, enquanto abotoava o sutiã.

- Como assim?! Meu pai me disse para eu estar em casa às onze horas, ontem à noite! A gente bebeu demais, e olha só no que deu... Nem me lembro de nada – vestindo a blusa rosa, Page lançou um olhar apreensivo para Patrick, que ainda dormia sem se alterar. – E se o seu irmão tiver visto ou ouvido tudo? – sussurrou ela, preocupada, jogando-lhe os lençóis, já que agora estava inteiramente vestida. – Ai, que vergonha!

Paul coçou a cabeça, grogue, e sentindo a ressaca terrível despontando em algum lugar dentro dele. Olhou para o irmão, com descaso.

- Esse aí passou a noite fora com Tyler – disse, sem se preocupar em falar baixo. – Namorando...

Page fez uma careta, enquanto pegava sua bolsa, em cima da escrivaninha do rapaz. Ao puxá-la para si, a moça derramou um copo de bebida da noite anterior sobre o móvel. A bebida de cor avermelhada espalhou-se rapidamente sobre a superfície de madeira, molhando alguns papéis que estava sobre ela.

- Droga! – exclamou Page, tentando reparar o estrago. Sacudiu os papéis molhados, na tentativa frustrante de secá-los, e decidiu ver o que eram eles. Provas de Patrick – nota máxima, por sinal -, e um panfleto de turismo da Ilha O’Reoy, a ilha onde fariam a festa de formatura. Este estava completamente manchado do vermelho-vivo da bebida.

- Deixa isso aí, não é nada importante – resmungou Paul, indiferente. – Depois o Patrick dá um jeito...

Page sorriu, largando os papéis sobre a escrivaninha, e indo beijar o namorado.

- Você é muito mal com ele...

- Quem sabe assim ele vire homem? – ele beijou-a uma vez. – Agora vá embora! Depressa! Quero vê-la mais vezes antes do seu velório – beijou-a de novo, rindo. – E vá pela janela... Se não vai chamar muita atenção.

Page Johnson sorriu, beijando-o uma última vez. Então, afastou-se de costas, e abriu a janela baixa do quarto do rapaz.

- Espero vê-lo em breve – disse ela, de um modo que deveria ser sensual, enquanto saltava para fora da janela. – Torça para que meu pai não me mate hoje! – e foi embora, rindo.

x-x-x-x-x

Jessica ligara para Phil. Conversaram por vários minutos; e ele resolvera busca-la mais cedo. Ao certificar-se de que tudo estava bem, a menina resolveu não preocupá-lo com a história do pesadelo. Bastava ela mesma tensa naquela viagem.

Foi até o quarto, verificou se não estava esquecendo nada. Acabou que havia esquecido seus chinelos. Rapidamente, embrulhou-os em uma embalagem plástica, e os enfiou na mala. Desceu com ela, e ficou na sala, esperando.

Sua mãe estava tagarelando instruções. Depois, começou a falar sobre as pesquisas que fizera sobre O’Reoy, e desatou relatos e mais relatos sobre acidentes com jet-ski. Então, finalmente desejou-lhe uma boa viagem, e que se divertisse muito. Pediu ainda que tirasse muitas fotos nas praias e nas exposições de canoas artesanais, que ela achava magníficas.

E, então, a buzina tocou lá fora.

x-x-x-x-x

Phil buzinou outra vez.

O rapaz olhou para a janela do carro, enquanto dedilhava distraidamente o volante recoberto por couro. Sua pele era clara, quase macilenta. Já fora mais saudável – mas também já estivera nas mais piores das condições. Estava voltando novamente à sua cor natural. Embora fosse do time de futebol, Phil King não era do tipo “Hulk”. Era magro, alto, e tinha um bom condicionamento físico. Tinha um rosto viril, mas mesclado de inocência de uma criança. Coisa que Tyler Cassey deixara de ter há muito tempo.

Tyler estava no banco de trás do carro. Tinha o olhar fixo na casa branca e vitoriana, de frente a calçada. Seus olhos eram azuis e frios. Mas, bem lá no fundo, havia uma pontinha de sarcasmo. Era alto e forte. Tinha os cabelos louros e bem curtos, assim como a barba recém-raspada em seu rosto. Ele era tudo para as meninas – embora todo mundo soubesse que, fora o seu talento nato por futebol, ele valesse muito pouco. Além das meninas, havia apenas uma pessoa que acreditava nele como pessoa, e não apenas como atleta: Patrick Jackson. Mesmo sendo de personalidades muito, mas muito contrárias mesmo.

Phil tinha pena de Tyler, como muitas pessoas. Até como Jessica. Sabiam que o rapaz estava jogando toda uma vida fora de uma maneira rápida e sem volta: as drogas. Muitas pessoas estavam dispostas a ajudá-lo. Mas Tyler Cassey sentia-se auto suficiente. Nunca lhe passou pela cabeça depender de alguém.

Tanto é que ele morava sozinho, em um apartamento apertado, no centro de McKinley.

Phil viu quando a porta da casa se abriu, e Jessica passou por ela, junto com a mãe, Evilyn Holden. Phil sentiu-se bem por vê-la linda daquele jeito. Além do amor e do afeto que sentia por ela, a admirava muito. Muitas vezes, julgava-se desmerecedor de tanto amor vindo da parte da namorada... Mesmo depois de tudo que ele aprontara com ela, Jessica ainda nutria aquele sentimento afável por ele.

Phil abriu a porta e saiu do carro, caminhando entre o jardim bem-cuidado até Jessica e a Sra. Holden. Mesmo a mãe de Jessica tentando parecer impassível, o rapaz sentiu os olhos cautelosos dela para com ele.

- Oi, Phil – disse Jessica, beijando-o rapidamente, antes de entregar-lhe a própria mala com um sorriso travesso. – Nem está tão pesada...

Phil sacudiu a cabeça, amando-a.

- Por você, qualquer coisa... – dizendo isso, estendeu a mão livre para a Sra. Holden, que observava tudo com a mão na nuca, e de olhos atenciosos. – Olá, Sra. Holden.

A mulher apertou-lhe a mão.

- Oi, Phil.

Jessica abraçou a mãe, dizendo alguma coisa em seu ouvido, enquanto Phil virou-se e foi colocar a mala no porta-malas. Lá dentro do carro, Tyler estava cantando alguma música que falava sobre sexo e uma garota ruiva. Phil sacudiu a cabeça.

- Se cuida, filha – dizia a mãe de Jessica.

- Pode deixar – disse a menina, entrando no carro.

Phil acenou para a mãe da namorada, antes de entrar no carro.

- Não se preocupe, Sra. Holden! – exclamou. – Eu cuidarei dela!

A mulher não disse nada. Permaneceu séria, parada de frente à casa, com um ar de quem duvida. Então, Phil acelerou.

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Sentada em sua cama, de olhos abertos e sonolentos, Jessica viu quando os primeiros indícios de que o dia se aproximava se espreguiçaram para dentro do quarto. Ficou aliviada e, ao mesmo tempo, apavorada com o chegar do dia.

Às seis e meia da manhã, Jessica já estava sentada diante de sua penteadeira, trançando o longo cabelo claro, ouvindo baixinho uma música de James Morrison em seu aparelho de som, e aguardando a hora certa para poder ligar para Phil e poder ouvir sua voz. De vez em quando, relances das lembranças do pesadelo da noite passada vinham em sua cabeça, deixando-a de coração apertado. Queria ligar para Phil naquele instante, e perguntar se estava bem... Mas sabia que ele estava dormindo àquela hora. Também sabia que ele não entenderia uma única palavra do que ela dissesse se atendesse ao celular ainda sonolento. Então, preferiu esperar.

A menina tentava forçar o pensamento de que tudo estava – e ficaria— bem a entrar em sua cabeça cheia de preocupações. Queria acreditar no que sua mãe dissera, na noite passada, ao deixá-la sozinha no quarto mais uma vez: “Não se preocupe. Nada de ruim vai acontecer a você, nem a ninguém”. Sinceramente, Jessica queria muito acreditar. Mas não conseguia.

Enquanto se olhava no espelho, Jessica podia notar as olheiras cinzentas empapuçadas sob seus olhos – marcas da noite mal dormida. Rapidamente, ela cobriu-lhes com uma base simples, e de forma mais natural possível. Teria que ter uma boa aparência... Pelo menos para fingir que dormira.

Quando ouviu a mãe remexer na cozinha lá embaixo, a menina vestiu uma jaqueta jeans sobre a blusa branca, e desceu as escadas disposta a encenar. Odiava que as pessoas se preocupassem com ela, sem algum motivo justificativo.

Evilyn Holden, sua mãe, estava de pijamas e de roupão, sentada à mesa. Estava de costas, imóvel. Uma frigideira no fogão exalava o cheiro de ovos mexidos com bacon.

Jessica ficou parada, aos pés da escada, fitando as costas da mãe. Ela estava rígida, e tinham uma curvatura de quem pensava, apoiando o queixo na mão. Embora Jessica não pudesse ver, imaginou o rosto magro da mãe, vincado de preocupação “desnecessária”. Sentiu-se culpada. Então, tentou compensar...

- Bom-dia, mãe! – exclamou Jessica, com uma voz cordial.

A Sra. Holden assustou-se, olhando por sobre o ombro. A menina foi até ela e beijou-lhe o topo da cabeça.

- Bom-dia, querida – disse a mulher. – Uau, você parece bem melhor...

Jessica deu de ombros, indo até o fogão para servir-se de ovos e bacon.

- E estou.

Sua mãe sorriu, apoiando o queixo na mão, exatamente como Jessica havia imaginado. Mas, o olhar da mulher a analisava minuciosamente, procurando por falhas.

- É bom vê-la assim de novo.

Jessica forçou um sorriso, enquanto se sentava.

- Sabe, eu estive pensando... Sonhos não significam absolutamente nada. Não têm qualquer ligação com o futuro, têm? Eu já estudei sobre isso. Meu subconsciente apenas processou meu medo de aviões em forma de um sonho ruim. Só isso... E não tenho com que me preocupar... – ela esforçou-se ao máximo para mentir de modo impecável. Quase conseguiu convencer-se a si mesma daquela ladainha! Continuou: - Mas ontem eu fiquei mesmo apavorada. Na hora foi bem ruim...

A Sra. Holden assentiu, compreensiva.

- Você verá... – comentou ela. – Não é tão ruim quanto parece. E você terá as férias dos seus sonhos! Não tem de se preocupar com nada.

- Eu sei – disse Jessica, enquanto mastigava.

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Era um pouco tarde demais quando Page Johnson lembrou-se de que deveria ir embora. Acordou sentindo os pelos do rosto de seu namorado roçando em seu pescoço. De início aquela ideia lhe agradou. Gostava de estar com Paul... Mas, ao abrir os olhos, percebeu então que o dia amanhecera – e que ela estava numa grande encrenca.

Alvoroçada, a moça sentou-se na cama, com os lençóis do namorado cobrindo-lhe o busto. Paul gemeu ao seu lado, entreabrindo os olhos claros, e fazendo uma careta de protesto contra a luz cinzenta que entrava pela janela.

- Ai, meu Deus, Paul! – exclamou Page, aflita. – Eu não fui pra casa ontem a noite! Meu pai vai me matar! – olhando ao seu redor, a garota percebeu o irmão gêmeo do namorado, dormindo imperturbavelmente em sua cama, do outro lado do quarto. Ela enrubesceu, olhando de Paul a Patrick, perplexa. – Ai meu Deus! E seu irmão ainda dorme no mesmo quarto que você! Que vergonha! – apreensiva, a moça enrolou-se nas cobertas do namorado, deixando-o completamente despido na cama, e foi procurar por suas roupas, tentando fazer o menor ruído possível.

Paul espreguiçou-se, ainda grogue demais para entender a seriedade da situação.

- Page, volta pra cá... – murmurou.

- Tá maluco? – disse Page, ríspida, enquanto se vestia, por trás dos lençóis. – Eu preciso ir embora agora, ou então a próxima vez que nos encontrarmos vai ser no meu velório!

Paul soltou um suspiro pesado, franzindo o cenho contra a luz do dia, e sentou-se na cama, observando a namorada se vestir.

- Como assim?

Page revirou os olhos, enquanto abotoava o sutiã.

- Como assim?! Meu pai me disse para eu estar em casa às onze horas, ontem à noite! A gente bebeu demais, e olha só no que deu... Nem me lembro de nada – vestindo a blusa rosa, Page lançou um olhar apreensivo para Patrick, que ainda dormia sem se alterar. – E se o seu irmão tiver visto ou ouvido tudo? – sussurrou ela, preocupada, jogando-lhe os lençóis, já que agora estava inteiramente vestida. – Ai, que vergonha!

Paul coçou a cabeça, grogue, e sentindo a ressaca terrível despontando em algum lugar dentro dele. Olhou para o irmão, com descaso.

- Esse aí passou a noite fora com Tyler – disse, sem se preocupar em falar baixo. – Namorando...

Page fez uma careta, enquanto pegava sua bolsa, em cima da escrivaninha do rapaz. Ao puxá-la para si, a moça derramou um copo de bebida da noite anterior sobre o móvel. A bebida de cor avermelhada espalhou-se rapidamente sobre a superfície de madeira, molhando alguns papéis que estava sobre ela.

- Droga! – exclamou Page, tentando reparar o estrago. Sacudiu os papéis molhados, na tentativa frustrante de secá-los, e decidiu ver o que eram eles. Provas de Patrick – nota máxima, por sinal -, e um panfleto de turismo da Ilha O’Reoy, a ilha onde fariam a festa de formatura. Este estava completamente manchado do vermelho-vivo da bebida.

- Deixa isso aí, não é nada importante – resmungou Paul, indiferente. – Depois o Patrick dá um jeito...

Page sorriu, largando os papéis sobre a escrivaninha, e indo beijar o namorado.

- Você é muito mal com ele...

- Quem sabe assim ele vire homem? – ele beijou-a uma vez. – Agora vá embora! Depressa! Quero vê-la mais vezes antes do seu velório – beijou-a de novo, rindo. – E vá pela janela... Se não vai chamar muita atenção.

Page Johnson sorriu, beijando-o uma última vez. Então, afastou-se de costas, e abriu a janela baixa do quarto do rapaz.

- Espero vê-lo em breve – disse ela, de um modo que deveria ser sensual, enquanto saltava para fora da janela. – Torça para que meu pai não me mate hoje! – e foi embora, rindo.

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Jessica ligara para Phil. Conversaram por vários minutos; e ele resolvera busca-la mais cedo. Ao certificar-se de que tudo estava bem, a menina resolveu não preocupá-lo com a história do pesadelo. Bastava ela mesma tensa naquela viagem.

Foi até o quarto, verificou se não estava esquecendo nada. Acabou que havia esquecido seus chinelos. Rapidamente, embrulhou-os em uma embalagem plástica, e os enfiou na mala. Desceu com ela, e ficou na sala, esperando.

Sua mãe estava tagarelando instruções. Depois, começou a falar sobre as pesquisas que fizera sobre O’Reoy, e desatou relatos e mais relatos sobre acidentes com jet-ski. Então, finalmente desejou-lhe uma boa viagem, e que se divertisse muito. Pediu ainda que tirasse muitas fotos nas praias e nas exposições de canoas artesanais, que ela achava magníficas.

E, então, a buzina tocou lá fora.

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Phil buzinou outra vez.

O rapaz olhou para a janela do carro, enquanto dedilhava distraidamente o volante recoberto por couro. Sua pele era clara, quase macilenta. Já fora mais saudável – mas também já estivera nas mais piores das condições. Estava voltando novamente à sua cor natural. Embora fosse do time de futebol, Phil King não era do tipo “Hulk”. Era magro, alto, e tinha um bom condicionamento físico. Tinha um rosto viril, mas mesclado de inocência de uma criança. Coisa que Tyler Cassey deixara de ter há muito tempo.

Tyler estava no banco de trás do carro. Tinha o olhar fixo na casa branca e vitoriana, de frente a calçada. Seus olhos eram azuis e frios. Mas, bem lá no fundo, havia uma pontinha de sarcasmo. Era alto e forte. Tinha os cabelos louros e bem curtos, assim como a barba recém-raspada em seu rosto. Ele era tudo para as meninas – embora todo mundo soubesse que, fora o seu talento nato por futebol, ele valesse muito pouco. Além das meninas, havia apenas uma pessoa que acreditava nele como pessoa, e não apenas como atleta: Patrick Jackson. Mesmo sendo de personalidades muito, mas muito contrárias mesmo.

Phil tinha pena de Tyler, como muitas pessoas. Até como Jessica. Sabiam que o rapaz estava jogando toda uma vida fora de uma maneira rápida e sem volta: as drogas. Muitas pessoas estavam dispostas a ajudá-lo. Mas Tyler Cassey sentia-se auto suficiente. Nunca lhe passou pela cabeça depender de alguém.

Tanto é que ele morava sozinho, em um apartamento apertado, no centro de McKinley.

Phil viu quando a porta da casa se abriu, e Jessica passou por ela, junto com a mãe, Evilyn Holden. Phil sentiu-se bem por vê-la linda daquele jeito. Além do amor e do afeto que sentia por ela, a admirava muito. Muitas vezes, julgava-se desmerecedor de tanto amor vindo da parte da namorada... Mesmo depois de tudo que ele aprontara com ela, Jessica ainda nutria aquele sentimento afável por ele.

Phil abriu a porta e saiu do carro, caminhando entre o jardim bem-cuidado até Jessica e a Sra. Holden. Mesmo a mãe de Jessica tentando parecer impassível, o rapaz sentiu os olhos cautelosos dela para com ele.

- Oi, Phil – disse Jessica, beijando-o rapidamente, antes de entregar-lhe a própria mala com um sorriso travesso. – Nem está tão pesada...

Phil sacudiu a cabeça, amando-a.

- Por você, qualquer coisa... – dizendo isso, estendeu a mão livre para a Sra. Holden, que observava tudo com a mão na nuca, e de olhos atenciosos. – Olá, Sra. Holden.

A mulher apertou-lhe a mão.

- Oi, Phil.

Jessica abraçou a mãe, dizendo alguma coisa em seu ouvido, enquanto Phil virou-se e foi colocar a mala no porta-malas. Lá dentro do carro, Tyler estava cantando alguma música que falava sobre sexo e uma garota ruiva. Phil sacudiu a cabeça.

- Se cuida, filha – dizia a mãe de Jessica.

- Pode deixar – disse a menina, entrando no carro.

Phil acenou para a mãe da namorada, antes de entrar no carro.

- Não se preocupe, Sra. Holden! – exclamou. – Eu cuidarei dela!

A mulher não disse nada. Permaneceu séria, parada de frente à casa, com um ar de quem duvida. Então, Phil acelerou.