Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho(Livro Um)

Capítulo Setenta e Um – O Verdadeiro Poder de Um Ancião


Charlotte deixou o vento lhe dominar e o fogo dentro de suas veias se libertar, a terra respondia conforme o ar ditava. Tudo era novo, mas ela reconhecia cada ponto de poder, cada toque selvagem e amargo e os mais sutis de uma força abrasadora lhe preencher e lhe responder. Por mais nova que a situação parecesse ela reconhecia sendo seu poder, aquilo que Richard lhe dissera se chamar O Verdadeiro Poder de Um Anciã, o momento de descobrimento de cada elemento que ele pode dominar, o instante de clareza que um Ancião tem a capacidade de reivindicar o poder de tudo para lhe obedecer e agir em seu benefício, obviamente ela sabia que havia preços, um custo caro, ela machucaria Feiticeiros ao redor, como se sugasse sua vivacidade, como se eles fossem uma espécie de combustível para ela, todavia ela compreendeu o porquê de alguns Ancião utilizarem todo seu potencial e entendeu melhor ainda o porquê de não fazerem. Era tanta força que poderia lhe custar a própria vida se usado em excesso, ela sabia, não era tola de achar que toda aquela carga correndo em seu corpo viria sem custos próprios. Charlotte era muita coisa, embora ninguém pudesse chama-la de tola.

Charlotte permitiu que o poder se apagasse, sentindo cada vibração ir sumindo aos poucos de seu corpo, mas permitir que a adrenalina ainda a deixasse desperta. Richard lhe dissera que o verdadeiro poder de um Ancião tendia a se revelar em um momento de pânico ou de irá tão profunda que tudo viria a tona e para Charlotte não havia nada mais assustador que enfrentar os Lobos, aquele era seu pavor mais real.

Char sentiu seu corpo pesar de repente e caiu de joelhos, apoiando todo seu peso nas mãos e evitando cair de rosto no solo, mesmo que os braços tremessem com o peso de seu corpo. Assim que a grande expansão de força desapareceu, ela sentiu a exaustão tomar conta, deixando cada músculo sobrecarregado e os movimentos lerdos. Charlotte sabia não poder ficar por muito tempo em um lugar exposto, podia ter afastado os Lobos por conta das chamas, mas não sabia se aquilo duraria o resto da noite. O pensamento a fez engatinhar com dificuldade até o buraco no teto, grande o suficiente para um homem do tamanho de Alfred passar, contudo pequeno demais para um Lobo entrar.

Harry a viu colocar as pernas para o lado de dentro e descer dois degraus com enorme dificuldade, tendo que parar para tomar fôlego e retomar sua jornada, ele se movimentou para ajudá-la, contudo foi lento e Dilan logo a estava tirando dali, a deixou encostada a parede e subiu para trancar a passagem, dando a Harry a chance de ir até sua irmã e leva-la a poltrona, já que Lira ainda estava desmaiada no sofá.

Char sentou e respirou fundo, apoiando a cabeça no encosto da poltrona, sentia suas pálpebras pesarem e sua mente embaçar, sabia ter uma conversa paralela ao seu redor e alguém segurando sua mão, mas não conseguia identificar nenhuma palavra, parecia muito mais distante do que sabia ser.

-O poder não vem de graça, Lottie. –Mark lhe falou, em um de seus treinamentos. –Quanto mais força se usa, mais cansado o corpo fica. As pessoas tendem a achar que os Feiticeiro tiram o poder da natureza simplesmente, que não a custo ou troca, mas estão enganados. —Ele sentou na beira da cachoeira e ela se colocou ao seu lado. –Nós tiramos a força da natureza e ela permite, mas em troca, quando excedemos o que ela nos dá, ela toma nossa energia também. –Ele assegurou. –Lembre-se que se você usar mais poder que o comum, a natureza vai exigir a parcela dela de volta. Um conselho, nunca use mais que o poder que você está acostumada a sentir, se o fizer, não posso garantir as consequências.

-Quais tipos de consequência existem? –Ela quis saber, enquanto enchia as mãos de água e lavava seu rosto.

-Das mais leves, como uma dor de cabeça, a um corpo exausto, até chegar a um ponto tão incontrolável que o corpo irá perecer.

-Você está falando de morte, Cabeça de Fogo? –A expressão obscura de Mark a fez saber a resposta antes que ele verbalizasse.

-De morte. Mas também a história contada, alguns dizem que até mesmo a alma pode ser perdida, Lottie. –Ele respondera. –Alguns dizem que se um Ancião ficar abusando de grandes quantias de poder repetidamente, a alma dele se prende ao nosso plano e não consegue passar pelo Portal da Morte. Que ficará preso ao Outro Lado pela eternidade.

-Então a Alma ficaria presa ao Outro Lado e acabaria por servir os Feiticeiros que falam com os Mortos?

-Ou seria como as Almas que você ouve. –Informou. –Tão poderosas que não conseguiram se comunicar com qualquer um e ficaram vagando até encontrar um Ancião tão poderoso quanto eles foram.

-Poder atrai poder. –Ela recitara um trecho de um dos livros dos Ancião.

-Assim como rechaça também.

-Bem, vamos evitar usar grandes quantias e tirar da natureza o que não é meu, não é mesmo?

-É o melhor que você tem a fazer, Lottie.

Charlotte despertou de uma vez, como se o ar entrasse em seus pulmões de forma tão violenta que obrigou seu corpo a sentar imediatamente. Não teve tempo de registrar muita coisa, não até ver Amélia sentada ao seu lado direito e Alfred no pé da cama, a encarando seriamente.

-Uma noite. –Ele suspirou aborrecido. –Eu sai por uma noite e você consegue fazer besteira, Chapeuzinho.

Lira viu um leve franzindo surgir entre as sobrancelhas dela.

Charlotte procurou pelo quarto e viu que Lira estava sentada na poltrona, que originalmente pertencia a sala, ao canto e Dilan em uma cadeira comum ao seu lado. A ruiva parecia cansada de algum modo e ela soube do que se tratava, era culpa dela.

-Você está bem? –Ela questionou diretamente a Lira.

-Já estive pior, não se preocupe. –Lira deu um leve sorriso.

-Não por minha causa.

Lira se surpreendeu, Charlotte não estava fingindo preocupação, ela realmente estava preocupada.

-Sendo assim, vamos evitar que isso ocorra novamente, o que acha?

Charlotte sorriu um pouco, parecendo exausta.

-Acho que posso aceitar seus termos, Lira Galván.

-E eu fico feliz que você possa aceita-los. –Brincou.

Char encarou Amélia.

-E a senhora, está tudo bem?

Amélia confessava que se assustou ao sentir a massa de poder invadir os arredores e lhe travar os movimentos, não desmaiara como grande parte dos Feiticeiros do Vale Vermelho, mas não saíra ilesa.

-Não se preocupe comigo, minha menina. –Ela sorriu e estendeu um cálice pequeno. –O que ocorreu noite passada só nos mostra o quão poderosa e capaz de derrubar a Coroa você é, Chapeuzinho. –Assegurou, enquanto a menina pegava o cálice de sua mão. –Todos estavam temorosos de deixar tudo em suas mãos, dizendo que não conseguiria por sua idade, mas o que ocorreu fez cada Feiticeiro ser obrigada a engolir suas palavras mesquinhas e ver o quanto nossa jovem Anciã é poderosa. –Acariciou levemente o rosto da menina que vira crescer.

-Uma pessoa poderosa e fraca. –Ela resmungou, virando o conteúdo amargo em um só gole. –Isso é horrível.

-E uma pessoa que adora resmungar. –Alfred debochou, se aproximando com um copo de água e a fazendo rolar os olhos.

Charlotte aceitou a água, sentindo-o sentar na cama ao seu lado e o encarou finalmente, pronta para revidar a brincadeira, mas viu, pela camisa frouxa e de gola larga, a faixa presa a seu pescoço e ombro. A faixa era branca, mas o que atraiu atenção foi a mancha de sangue, para a qual a mão da menina subiu imediatamente.

-O que houve com você?

-Eu cai?! –Ele tentou brincar, mas viu que a menina estava séria.

-Eu disse que não seria só mais uma Lua Cheia. –Ela alertou sombria e ele suspirou.

-Bem, nem sempre temos o que desejamos, não é mesmo? –Ela retirou a mão e bufou.

-O que houve com você? –Repetiu.

-Tentaram me devorar?! –Embora tenha dito como uma brincadeira, Char notou a verdade por trás daquilo.

Obviamente Charlotte não deveria ter feito uma pergunta tão tola, Alfred não recordaria o que ocorreu durante a transformação, mesmo que desejasse.

-Você é inútil até pra caçar. –Ela zombou por fim e ele riu.

-Eu pelo menos tenho a desculpa que fui caçar e você que ficou em casa e conseguiu desmaiar e desmaiar a metade dos moradores do Vale?

Alfred a viu se encolher na cama e cobrir o rosto com as mãos.

-Pelo visto tenho várias coisas pra resolver antes de sairmos daqui, não é? –A voz saiu levemente abafada.

-Eu me apressaria se fosse você, o dia está quase chegando ao fim.

Charlotte suspirou e assentiu lentamente, se erguendo no instante seguinte. Era possível ver a exaustão da menina, mas Alfred sabia que aquilo não a deteria.

-Só mais uma coisa, onde estão meus irmãos?

-Estão bem, mas Christopher os chamou. –Alfred informou. –Ele achou melhor tirá-los daqui, porque Harry tava pra subir pelas paredes e Fernanda estava muito ansiosa.

-Não os machuquei?

-Só Feiticeiros foram atingidos. –Dilan comentou. –Ninguém mais.

-Connor e Emily estão bem? –Ela encarou o rapaz, que assentiu.

-Vamos dizer que Emily estava pensando em como te envenenar sem ser notada e que Connor disse que a dor de cabeça dele provavelmente vai durar até amanhã.

Char assentiu mais uma vez.

-Tudo bem, depois me desculpo com ele. –Suspirou. –Mas agora vamos trabalhar então.

Alfred sorriu e a viu ir para o banheiro.

Na madrugada em que saíra do Vale Vermelho ele teve bastante tempo para pensar sobre seus sentimentos por Charlotte, a qual estava confuso antes, mas agora ele via claramente, não a amava como pensara, gostava da companhia e sentia desejo, mas não amor, o que eles tinham estava afastado disso. Talvez um dia viesse a se tornar, contudo naquele momento nenhum dos dois estava pronto para algo daquela magnitude, seja o que tivessem era carnal, talvez uma paixão feroz, todavia não passava disso, entretanto ele admitia que se um dia fosse querer amar, escolheria Charlotte. Não pelo que já tinham, sim pela amizade que criaram ao longo do caminho e a compreensão que apresentavam um pelo outro. Ele conseguia ver tudo claramente agora que não estava mais ligado a ela por obrigação. Agora caminhariam juntos por escolha, não dever e isso era o suficiente para a amizade deles se tornar mais forte.