Filho favorito de Deus

Filho favorito de Deus


Era como se estivesse ouvindo um disco post-punk, porque seus passos eram revestidos em reverbs e o cenário era vazio a ponto de emitir ecos. Sanji reconheceu onde estava por mais estranho que fosse; não se lembrava de como chegou até ali e nunca a viu tão fúnebre, mas sabia que era a sua escola com cores trocadas.

— Zoro!

Ele chamou por Zoro quando chegou na porta de sua sala, mas ela também estava vazia como as demais em que passou. Sanji começou a sentir algo estranho dentro de si, imaginar que Zoro poderia ter desaparecido com os outros embrulhava o seu estômago. Sem notar, levou uma mão até o peito, tentando controlar a ansiedade que o dominava e jogou-se para trás com o fim de retomar o corredor para ir finalmente na sua sala de aula — quem sabe, encontraria Luffy. Contudo, lá ele veria outra surpresa: Ainda era outro cômodo vazio, mas nessa sala veria vários arranjos de flores sobre a sua carteira.

Sanji se aproximou com um olhar interrogativo, era ali que ele se sentava e ao ver um lírio-da-aranha-vermelha entre as flores no arranjo, compreendeu que estava morto. Era uma tradição colocar flores nas mesas dos estudantes falecidos e se Zoro não existia, não tinha motivo para ficar vivo.

Puxou a cadeira para se sentar na carteira e suas memórias de antigamente, quando ainda não conhecia o marimo, retornaram. Começou a chorar ao se tocar que ficar isolado naquele lugar proporcionava as mesmas dores de antigamente, de quando ficava suscetível aos espíritos e não podia brincar como uma criança qualquer.

Não queria ficar só novamente.

— Sobrancelhas?

Aquela voz chamando por esse apelido só podia ser de Zoro, Sanji olhou para o lado e encontrou seu amigo no batente da porta. — Marimo?

— Está chorando?

Enxugou rapidamente suas lágrimas com o dorso das mãos. — Não...

Zoro soltou um suspiro, cansado. Sanji nem conseguia mentir porque ainda continuava a chorar por mais que tentasse enxugar suas lágrimas. — Pelo visto o rosário permitiu que eu entrasse no seu sonho.

Então, Sanji finalmente parou de chorar ao ouvi-lo. — Isso é um sonho? — Perguntou, estreitando o olhar.

Zoro finalmente entrou na sala de aula e sentou-se na carteira ao lado da do Sanji. — Sim, o céu é azul e não verde. — Ele apontou para o céu esverdeado através da janela.

— Verdade... eu percebi que algumas cores estão trocadas...

— Mas o lírio da aranha continua vermelho. — Observou Zoro, chamando a atenção de Sanji para a flor novamente. — Por que teve um sonho tão sinistro? Você ainda acha que podem fazer algo contigo?

Sanji não quis falar por orgulho e Zoro achou fofo o bico que fez. — Acho que é você quem me deve explicações: Por que está aqui? E se tenho o rosário, qualquer um pode entrar nos meus sonhos?

— Não. Só quem são Andarilhos dos Sonhos podem ter acesso com o sonho de outro andarilho e com os espíritos.

— Eu não sou essa coisa e muito menos espírito, como apareceu aqui?

— Acho que agora é um andarilho, porque está carregando o rosário como eu disse. — Apontou para o pescoço de Sanji, lugar que usava o rosário feito um colar. — Há uma concentração forte da minha aura nele.

Sanji institivamente levou a mão até o rosário. — Mas por que quis entrar no meu sonho?

— Eu tô procurando a festa dos espíritos que é dentro de um sonho. — Respondeu.

— Dai você se perdeu e parou no meu?! — Sanji disse "meu" enojado.

— Não me perdi, não! — Esbravejou Zoro, raivoso. — Na verdade, vim aqui te convidar a ir comigo.

— Nem vem, você não me engana.

Zoro soltou um suspiro e se levantou puxando o braço de Sanji. — Esquece essas coisas pequenas, estou feliz por você poder ver a festa desse ano!!

— É? É sobre o que essa festa?

Mas antes que Zoro respondesse, Sanji notou que estava descalço quando olhou os seus pés totalmente confuso e, ao levantar os olhos, percebeu que o marimo estava mais novo e não demorou para notar que não era só Zoro que voltou a ser criança, como ele também se tornou uma. Zoro continuava a puxá-lo pelo braço e seu campo de visão era coberto por glicínias que apareciam do nada.

— Marimo... há algum espírito ruim nessa festa?

Zoro olhou por cima do ombro e deu um sorriso. — Já disse para você parar de pensar que algo ainda pode acontecer com você.

Sanji corou com o sorriso do amigo, mas se assustou quando ouviu o barulho de fogos de artifícios e, logo depois, ouviu Zoro dizendo ao seu lado que finalmente chegaram. Ele soltou o seu braço e andou alguns passos à sua frente.

— Não vem?!

Sanji estava com os olhos bem abertos ao ver aqueles inúmeros espíritos se divertindo com os batuques, as comidas e as danças. Nunca imaginou que espíritos pudessem se divertir como humanos.

Ele andava olhando ao redor sem notar que Zoro não estava mais consigo. Os espíritos eram bem mais diversos que os humanos, haviam kappas, tengus — cujos fizeram se lembrar de seu amigo Usopp —, uma bela mulher com orelhas e rabo de raposa — provavelmente uma kitsune — e todos usavam kimonos ou simplesmente mawashis. Eram as mesmas criaturas dos mitos que o pai de Zoro costumava contar a eles.

"O marimo vem pra essa festa todo ano e só me falou dela agora?!"

Sem querer, se esbarrou em um dos espíritos. Sanji quase gritou ao ver sua aparência gorda e grotesca com dentes afiados para fora da boca, não demorou para pensar que era um espírito ruim.

— Ah, o Filho Favorito de Deus chegou!!

Ele proferiu num tom suave e simpático que fez Sanji repensar se na verdade fosse bom. — Como?

— Haha. — Ele riu com a mão na sua barriga enorme. — Você é o Sanji-san, certo? Eu me chamo Jinbe, sou o espírito que protege os viajantes do mar.

Sanji piscou os olhos, mas percebeu que se aproximavam mais espíritos à medida que ouviam a conversa com Jinbe.

— Você disse "Sanji-san", Jinbe? — Um tanuki com uma cartola rosa se aproximou. — Você está bem? — Notou que Sanji estava pálido. — Eu sou médico, se quiser, posso olhar você!

— Oh, Sanji-san! Quero um autógrafo seu!! — Disse uma bela coelhinha que trazia uma caneta no formato de uma cenoura.

Sanji já iria pegar na caneta meio sem entender suas ações, mas um tengu abriu as asas negras para voar e pousou muito próximo dele, igualmente empolgado com sua presença. Em questões de segundos, todo mundo rodeava Sanji, até mesmo haviam parado de tocar o taiko ou largado os fogos e nem mesmo a comida deliciosa lhes pegavam algum tempo.

Queriam muito tocar Sanji.

Zoro apareceu gritando e afastando a multidão.

— Marimo... me explique o que está acontecendo... — Ele disse na sua voz infantil que era mais choroza que o normal.

— Eu fiquei responsável por escolher o Filho de Deus desse ano e quis que fosse você. — Zoro dava um sorriso que tranquilizava o coração de Sanji no meio daquela confusão. — Venha, vou apresentar você a cada um com mais calma. — Sanji se aproximou o bastante para o marimo falar no seu ouvido. — Eles são muito empolgados, não querem o seu mal. Ninguém quer te ver mal.

Acenou com a cabeça depois de piscar os olhos azuis, seu rosto ficou ruborizado com o sorriso que Zoro lhe dava. — Está bem.

Zoro pegou na sua mão e a festa voltou ao normal. Sanji conversou com todos os espíritos e o preconceito que sentia por eles sumiu naqueles minutos. Em um momento, depois de saborear a culinária espírita, Sanji se juntou a Zoro num canto em que bebia saquê. Era estranho ver uma criança enchendo a cara, mas Sanji sabia que Zoro já era quase adulto — ainda que fosse menor de idade para beber.

Sanji se sentou ao lado dele e passou a observar os fogos explodindo no céu. — Me disseram que o Filho Favorito de Deus precisa ser uma pessoa que você ama demais.

Zoro parou de beber no gargalo e enxugou a boca no antebraço. — Sim, infelizmente não pensei em ninguém melhor do que você.

Sanji riu. — Obrigado, essa festa vai se tornar a minha lembrança favorita.

— Tá me dizendo que não vai mais pensar no passado?

— Sim, não sentirei mais pena de mim mesmo.

Zoro deu uma risadinha e se aproximou dele para dar um selinho. — Viva, Sanji.



Zeff terminou o jantar e pediu a Mihawk para que chamasse os meninos. O sacerdote bateu na porta do quarto mas, como ninguém se manifestou, resolveu abri-la. Ele só não esperava em encontrar Zoro e Sanji juntinhos numa das camas, dormindo tranquilamente.

Mihawk deu um sorriso sereno, porque sabia o quanto foi importante para Zoro a visita de Sanji há 9 anos. Naquele dia, ele teria quem amar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.