Existe uma lenda sobre a cidade de Derry que conta que seus habitantes, uma vez fora de seus limites, esquecem o tempo que passaram ali. Richie já havia vivido coisas demais relacionadas a lendas urbanas para ficar duvidando da veracidade de mais uma. Preferia cortar seu pinto em dez mil pedaços e fritar numa omelete antes de ser pego de surpresa por mais uma das doideiras ligadas àquele maldito palhaço! Ele preferia ser jogado inteiro em uma moenda antes de esquecer os bons e, por que não? os maus momentos também, que passara ao lado dos amigos. Do bando de retardados que não eram aceitos em nenhum outro lugar que não entre eles. Mas... Será que todos eles ainda o aceitariam se soubessem a verdade? O garoto mordeu o lábio inferior enquanto encostava a cabeça no vidro da janela do carro de seus pais. Ele tinha medo. Nada o assustava mais do que aquela perspectiva. Nem mesmo palhaços.

Tinha tanta coisa que ele queria fazer antes de efetivamente se mudar para longe. Por que tinha de se mudar para longe? Que porra de vida injusta! Ele ainda não tinha... Ele ainda não tinha quebrado o recorde da máquina de Street Fighters do fliperama. Ele ainda não tinha ido ao cinema ver o último filme que havia saído. Ele nem sequer sabia a desgraça do nome do último filme que tinha saído! Ele só queria ir. Queria ir com... Apertou mais forte a mordida que mantinha em seu lábio. Queria chorar. Mas não iria o fazer. Isso só traria uma dor na bunda desnecessária. Seus pais teriam a atenção roubada e ficariam lhe enchendo de perguntas. Perguntas demais. Perguntas demais mesmo. Mas... Será que ficaria muito chato chamar apenas quem ele queria e não todos os losers? Se bem que... Se ele chamasse todos de uma vez não ficaria tão na cara que ele realmente queria a companhia de um e não a de todos. Mas... Ele queria que ficasse na cara, certo? Ele precisava dizer antes de se mudar. Antes de deixar Derry e suas lembranças para trás para sempre. Só que... Por quê? Por que era tão difícil? Puta merda! "Engole esse choro, Richie!" Ordenou a si mesmo mentalmente fixando os olhos na paisagem que ia se desenrolando pelo vidro. Se mantivesse os olhos bem arregalados provavelmente as lágrimas não rolariam. Seus pais não notariam nada. Sem perguntas. Sem reclamações. Sem choro. Fim. Seria um final lindo para aquela viagem curta até a casa que ainda podia chamar de seu lar. Quando estivesse em seu quarto ele se entregaria ao choro e a qualquer outra manifestação de tristeza que lhe desse na telha. Até lá não. Até lá aguentaria firme. Sempre sorrindo. Sempre fazendo piadinhas imbecis. Por mais que aquilo tudo lhe doesse por dentro como uma faca enferrujada doeria em contato direto com seu coração.

— Você vai querer de calabresa, Richie? — A voz de sua mãe preencheu seus ouvidos enquanto o uma lágrima teimava em descer teimosa por seu olho.

— Ah... A pizza? — Não era difícil entrar no assunto mesmo não tendo prestado a mínima atenção nele até então. A pergunta lhe dava a resposta por si só. — Pode ser. — Fungou limpando o nariz na manga da camisa vermelha florida que usava. Tinha uma exatamente igual com mangas curtas, mas aquela era boa para se usar no frio que andava fazendo nada cidade.

— Estava chorando, querido?

— Alergia. — Ele respondeu de pronto e não teve como não lembrar dele quando o fez. Com toda a certeza ELE realmente estaria acreditando estar passando por um ataque alérgico no banco de trás daquele carro. Respiraria fundo e inalaria o ar de sua bombinha para asma. Richie quase conseguia ver Ele sentado ao seu lado falando como se não houvesse amanhã sobre a higiene precária do couro repleto de poeira do banco do carro. Só aquilo já o fez sorrir de leve. — Papai tem que levar o carro pra lavar. Tem mais poeira aqui do que lugar pra sentar.

Coçou o nariz para reforçar e deixou que algumas poucas lágrimas rolassem por sua bochecha, um sorriso ainda em seus lábios. Mas não era o mesmo sorriso que ostentara ao se imaginar na companhia daquele hipocondríaco idiota que havia roubado seu coração na marra. Esse era um sorriso moleque que escondia a dor de ser quem ele era. De não poder ser quem ele deveria ser. Mas calabresa parecia legal. E sua mãe parecia concordar com ele. Ótimo. Tudo estava ótimo quando parecia estar ótimo.

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Era um dia como qualquer outro. Os pássaros cantavam nos céus, o vento batia nas folhas e os cuzões locais estavam cercando menininhos indefesos para agir da única forma que sabiam agir: como cuzões locais. Richie empurrava sua bicicleta para colocá-la em algum canto seguro enquanto tomava o rumo da escola. Por mais que estivesse plenamente sereno por fora, por dentro rezava para qualquer entidade divina que viesse a existir para não ser notado pelos imbecis que faziam chacota de algum pobre coitado que por um milagre do destino não era membro do clube dos Losers. Não era um dos melhores dias para se estar na escola. O Halloween se aproximava e os corredores estavam completamente tomado por decorações assustadoras que não traziam as melhores das lembranças a Tozier. Vampiros, zumbis, múmias, aranhas, vísceras e algum idiotinha filho de uma puta havia tido a brilhante ideia de adicionar palhaços à decoração da escola! Ele queria enfiar a bicicleta inteira no cu da pessoa que estava encarregada daquilo naquele ano. Algum imbecil do grêmio estudantil provavelmente.

— P-p-parece uma p-p-piada de mau gosto, não é? — A voz de Bill cortou seus pensamentos educados emparelhando suas caminhadas. Ele também havia chegado agora, mas Richie nem havia notado. Pelo menos não até aquele preciso momento.

— Uma dor na bunda essa merda toda. É como se ele ainda estivesse brincando com a gente. — Richie respondeu arisco ajeitando a alça da mochila em seu ombro.

— T-t-talvez est-t-teja. Mas não devemos dar esse g-gostinho a ele. Quer dizer... É disso que ele se alimenta, não é?

Sim, o medo fazia a Coisa ficar mais forte. Bill tinha razão. Mas era realmente dos palhaços que adornavam os corredores que Richie tinha tanto medo naquele momento? Não. Ele sabia de uma coisa a qual ele temia mais. Muito mais.

— Viu o Eddie hoje?

— Por que você está perguntando isso pra mim? Tenho cara de babá dele agora? — Richie estava na defensiva. Será que Bill estava lendo seus pensamentos? Não. Impossível. Ele não era um X-Men. E mesmo que fosse, ele teria mais o que fazer do que ficar vasculhando a mentezinha pervertida de Richie Tozier.

— Não, cara. C-c-calma. É que ele esqueceu o caderno na cede do clube ontem. Daí eu trouxe pra dev-v-volver. Mas hoje vou ser liberado mais cedo e tenho que ajudar meus p-p-pais com umas coisas. Não sei se vou poder encontrar com todo mundo depois da aula. Você... Você entregaria a ele pra mim? — Bill nem sequer esperou a resposta de Richie e já estava retirando o dito caderno da mochila. Era um caderno impecável. Sem sujeiras ou rabiscos na capa. Algo que um hipocondríaco retardado como Eddie teria em suas posses. Ele quis sorrir quando pegou o objeto em suas mãos, mas não o fez. Apenas assentiu, parando em frente a porta da sala que o separaria de Bill naquele corredor.

— Dou algum recado para os outros? Quer dizer... Já que você não vai na reunião?

— Só relembre a eles a questão do medo. Como a gente tava conversando agora. Com o dia das bruxas se aproximando a Coisa pode querer brincar com as nossas cabeças. Vamos vencer nossos medos. Mais uma vez. Ok?

Daquela vez Richie se pegou indagando a sua própria cabeça se Bill não estava lendo sua mente de verdade. Talvez a experiência com a Coisa tivesse feito Bill adquirir poderes especiais. Ok. Isso não fazia o menor sentido. Richie respirou fundo dando uma última olhada no caderno em suas mãos antes de entrar na sala. A coisa da qual ele tinha mais medo agora. Ele tinha de enfrentar seus medos, não tinha? Todos tinham. Seu pior medo dentre todos os seus medos não era apenas palhaços. Ergueu seu olhar para encarar um dos bonecos de nariz vermelho pendurados pelo teto. Ele parecia estar olhando diretamente em seus olhos. Richie retribuiu o olhar. Queria que fosse fácil assim encarar seu outro pavor. Mas ele envolvia muitas coisas. Coisas demais para que ele conseguisse lidar. Nunca pensou que iria dizer isso, mas... Palhaços eram fáceis. Quando Eddie entrou pela porta da sala de uma das únicas aulas que faziam juntos sei coração se agitou como se fosse pular para fora da garganta. Ele tinha de enfrentar seus medos. Ele tinha de encarar seus medos. Ele não podia deixar aquilo tomar conta dele. Era o que a Coisa queria, não era?

— Hey, Eddie! — Ele estendeu o braço acenando para o amigo e indicando que havia um lugar vago bem ao seu lado. Eddie franziu o cenho e, parecendo um pouco irritado, tomou sua direção, ajeitando as alças da mochila nas costas da cadeira para que ela não tivesse contato com o chão. Richie revirou os olhos. — Você não vai pegar Ebola só por deixar sua mochila do lado da cadeira.

— Você tem alguma noção da quantidade de bactérias presentes no chão de uma escola? As pessoas... Nós mesmos andamos por vários lugares! E se carregamos nos pés algum vírus que grudou em algum lugar onde estivemos e esse vírus passar pra minha mochila? Ela tem contato direto com meu corpo quando eu coloco ela nas costas e...

— Eddie... Aqui o seu caderno. — Richie cortou seu discurso, por mais interessante que ele pudesse estar parecendo, e nossa! Ele mal conseguia respirar de tanto interesse que tinha em vírus que se agarram em mochilas com o único intuito de causar doenças no pobre e fraco Eddie.

— Ah! Ele estava com você? Eu estava realmente preocupado. — Sua expressão suavizou e ele finalmente se sentou, pegando o objeto e o analisando. Provavelmente em busca de alguma doença mutante agarrada em suas páginas. Richie queria rir.

— Bill encontrou no QG dos Losers. Acho que você esqueceu lá ontem. — Esclareceu retirando da mochila o próprio caderno uma vez que a aula já estava para começar. — Ele vai ser liberado mais cedo então não vai poder ir na reunião que vamos ter. Vai ajudar os pais a fazer biscoitinhos pro halloween ou qualquer viadagem dessas aí. Ele não disse. — Eddie não respondeu e nem esboçou nenhum sorriso. Ainda estava empenhado em sua busca por absolutamente nada em seu caderno. E Richie sentia que não teria uma oportunidade melhor para enfrentar seu maior medo do que aquela. — Eddie... Posso te fazer uma pergunta?

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Convidar Eddie Kaspbrak para ir com ele a festa de dia das bruxas da cidade sem envolver os outros amigos no convite e ainda por cima sem revelar que estava... er... como ele poderia colocar? Interessado no garoto, havia sido uma das experiências mais difíceis de sua vida. E olha que ele tinha enfrentado um maldito palhaço no fundo de um poço de uma casa abandonada. Se aquilo não era sinal de que a situação estava fugindo de seu controle, bom, Richie não sabia mais o que poderia ser. Mas, no final, tudo havia dado certo e ele não recebera um não redondo dos lábios de seu hipocondríaco favorito. Agora ele precisava pensar na fantasia que usaria. Algo assustador, com certeza. Mas que não envolvesse palhaços. Pensou em se vestir como uma caixa de remédios gigante, quem sabe daquela forma Eddie não notaria ele de uma vez? Mas a ideia era imbecil demais e ele riu de si mesmo assim que ela passou por sua cabeça. Sem contar que os pais estavam gastando demais na construção da casa em outra cidade e na mudança que fariam depois do natal, não teria muito para investir em uma fantasia elaborada. No fim das contas se contentou com um improviso de múmia, enrolando gaze pelo corpo e fazendo algumas feridas de mentira com a maquiagem da mãe. Demorou um pouco, mas havia gostado do resultado.

Queria ter como avisar a Eddie que chegaria alguns minutos atrasado, mas não sabia fazer sinais de fumaça e, mesmo que soubesse, duvidava muito que o garoto conseguisse ler os códigos. Provavelmente discursaria sobre como a fumaça poderia ser prejudicial aos pulmões antes de tentar ler qualquer coisa. Ele era incrível. Um imbecil, maluco, hipocondríaco, mas incrível. Em cada sentido que aquela palavra possuía. Ele poderia dizer uma qualidade de Eddie para cada letrinha daquela palavra besta. "Incrível". Aquilo queria dizer que ele estava apaixonado? Richie meneou a cabeça tentando afastar aquele pensamento. Que apaixonado o quê! Isso era imbecil demais. Isso era doloroso demais. Eddie nunca iria retribuir aos seus sentimentos de igual forma. Eddie nem sequer iria continuar querendo ser seu amigo se soubesse exatamente como Richie gostava dele. Com um suspiro pesado, pôs a mão nos bolsos da calça surrada que vestia e começou a caminhar até o parquinho montado para as festividades. Com um pouco de sorte não seria muito xingado por Eddie por seu atraso. Mas ele não se considerava alguém sortudo.

Quando chegou ao local combinado, já dentro do parque, ele amaldiçoou cada fibra de seu ser por ter se atrasado. Não porque Eddie o atacara com um de seus mil discursos de como ele estivera correndo perigo sozinho ali enquanto o esperava, mas sim porque ele realmente estava correndo um perigo fodido sozinho, esperando ele. Eddie tinha companhia. A pior companhia que Richie poderia imaginar. Não, não... Não era a Coisa. Pelo menos Eddie esperava que não fosse. Ele conhecia aqueles imbecis que estavam com ele. Pelo menos de vista. Não eram eles os valentões que estavam de sacanagem com um moleque aleatório quando chegara na escola e encontrara Bill naquela semana? Pois é. Agora haviam pego Eddie pra Cristo. Estavam tirando sarro da fantasia do garoto. Um sarro que Richie também tiraria, mas não da forma como eles estavam fazendo. Eddie estava vestido de médico e aquilo parecia imbecil demais, mas não tanto quanto a atitude dos veteranos que o importunavam.

Richie sentiu o sangue ferver nas veias. Eles eram mais altos. Mais velhos. Em maior número. Mas estavam mexendo com o SEU Eddie. Eddie parecia querer chorar e isso Richie jamais perdoaria. Não importava se fossem dez mil fisioculturistas. Ele os enfrentaria um a um. Mesmo que morresse no percurso.

— Aê! A sua mãe disse que você já pode voltar pra casa. Já acabei de foder ela. — Ele chamou a atenção do que parecia ser o líder dos garotos que segurava Eddie pela gola. O olhar de todos eles se voltou na direção de Tozier que tentou parecer calmo, mas engoliu seco.

— Olha só! Parece que seu namoradinho chegou... — O infeliz disse para Eddie sem despregar os olhos do recém chegado Richie. Seu coração disparou com a insinuação de que ele seria o namorado de Eddie, mas não foi de medo ou de nervoso. Que timing maravilhoso para sentir as borboletas no estômago se agitarem, né?

— Solta ele e vai procurar o seu namorado. Soube que ele tava procurando por você com uma mandioca na mão. Se eu fosse você não deixaria ele esperando muito tempo. — Aquilo foi suficiente para que Richie se tornasse o novo alvo dos garotos. Não porque eles se sentiram intimidados com suas provocações, Richie sabia que não. Mas eles se sentiram desafiados por sua audácia. Tozier não ligava. Ele só queria afastá-los de Eddie o mais rápido que desse. — Vem... Eu posso levar você até ele. Tô vendo a ansiedade pra levar mandioca no rabo bem no seu olhar... — Ele riu da cara do mais velho que partiu pra cima dele como um touro em uma tourada. Ok. Agora era hora de correr. Esperava que Eddie também tivesse percebido isso e não fosse burro de permanecer parado no mesmo lugar esperando eles voltarem. Agora tinha cerca de cinco marmanjos perseguindo Richie pelo parque em uma corrida dos infernos e nenhum filho da puta aparecia para ajudar ele. Empatia era uma coisa que emanava de todos os cidadãos de Derry pelo visto. Ele riria se não estivesse tão fodido. Ele riria se não houvesse uma maldita pedra no meio do caminho. Ele riria se não tivesse caído de cara no chão no exato momento em que tropeçou. Ele riria se não estivesse sendo surrado pelos imbecis que atraíra para longe de Eddie. Bom... Pelo menos era ele quem estava apanhando e não o outro garoto. Já considerava aquilo uma vitória e seria uma vitória ainda maior se conseguisse sair consciente daquela chuva de porradaria. Ou pelo menos vivo.

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— Qual é o seu problema? Hein?! — Era incrível como Eddie conseguia ficar puto até quando tinha a sua vida salva por alguém.

— De nada. — Richie provocou ainda que cada parte de seu corpo doesse feito o diabo ali enquanto estava sentado na grama atrás dos trailers que vendiam comida no festival.

— De nada é o meu ovo! Você tem alguma noção do que poderia ter acontecido? — E lá vinha mais um dos discursos infindáveis de Eddie sobre como sua saúde estaria comprometida se levasse um soco certeiro na boca do estômago, algum órgão se rompesse e uma hemorragia interna se instalasse. Richie nunca imaginara na vida que o material hospitalar da fantasia de Eddie fosse de verdade até ele retirar uma bolsa térmica de dentro de sua maletinha e colocar a superfície gelada sobre o hematoma em seu olho. Por que Richie estava tão surpreso? Aquilo simplesmente era a cara de Eddie! Acabou por rir. — Você tá rindo da minha cara?!

Aquilo só fez Richie rir ainda mais. O que só fez Eddie ficar ainda mais puto.

— Você vai se mudar, não vai? — A pergunta repentina de Eddie fez o sorriso de Richie morrer na hora.

— Depois do natal. — Ele respondeu agora segurando ele mesmo a bolsa contra o olho. Eddie pareceu perplexo. Era como se alguém realmente houvesse acabado de lhe dar um soco forte demais no estômago e algum órgão tivesse se rompido, fazendo assim uma hemorragia interna se instaurar. — Vou para Los Angeles. Meu pai conseguiu um emprego por lá. E... O que houve?

Eddie se ergueu. Antes estava abaixado a sua frente cuidando de suas feridas e agora estava em pé, caminhando de um lado para o outro como se quisesse fazer um buraco no chão apenas com suas pegadas.

— Eddie... Você vai poder...

— Cala a boca! Não fique pensando que eu vou sentir a sua falta porque eu não vou, ok?! Eu não vou! O que você estava pensando escondendo isso de mim? Quando eu soube foi ouvindo minha mãe falando sobre isso com alguém no telefone e fiquei pensando em como Richie Tozier me achava um imbecil por não ter me contado isso ainda! "Ah, mas talvez ele esteja querendo evitar que você sofra..." E por que eu sofreria?! Você só está indo para longe! Vai se mudar para um dos locais mais poluídos da face da terra e ficar respirando aquele ar infectado podendo contrair alguma doença séria como enfisema pulmonar ou coisa parecida. Aí você pode acabar morrendo... Morrendo longe de mim... Como eu iria cuidar de você com você em Los Angeles, Richie?! Mas... Foda-se! Eu não me importo! Eu não vou sentir a sua falta! Eu não vou chorar como uma criancinha imbecil só porque você vai pra longe de mim! Você quer ir pra longe de mim? Vai! Vai e não volta mais! Não sei onde eu estava com a cabeça quando me apaixonei por alguém como você. Você é um inconsequente e você não tem a mínima...

Mas Richie parou de ouvir o discurso irritado de Eddie naquela mesma linha. O que ele havia dito? Havia dito que estava... Apaixonado por ele? Richie tinha certeza que precisava da bombinha para asma de Eddie naquele instante. Era como se todo o ar tivesse saído de seu corpo e agora passeasse por algum lugar bem distante. Distante demais para ser encontrado. Mas aquele sim era um senhor timing, certo? Ele tinha de jogar o medo pela janela. Ele não teria outras oportunidades. Ele só tinha aquele período. Aquele curto período. Ele não deveria desperdiçá-lo. Era como Bill havia lhe dito naquela semana. A Coisa se alimentava do medo. E o medo se alimentava de suas esperanças e sonhos frustrados.

Eddie ainda caminhava de um lado para o outro e falava sem parar quando Richie se levantou. Provavelmente nem ele próprio estava prestando atenção no que dizia, pois não parecia ter percebido que fizera uma confissão assinada para o amigo ali presente.

— Eddie...

— O quê?! — Ele explodiu enquanto Richie o tomava em seus braços e lhe selava os lábios com os próprios de um jeito terno. Doce. Demorado.

— Cala a boca. — Richie sussurrou contra seus lábios e pôde sentir o corpo do menino afrouxando em seu aperto. Era a primeira vez que beijava alguém, para ser honesto e não sabia muito bem como proceder. Parte de seu corpo queria sair correndo e a outra parte queria continuar ali para sempre, fazendo aqueles segundos de contato entre seus lábios durarem para todo o sempre.

Se não fosse a respiração acelerada de Eddie contra a sua Richie começaria a achar que ele havia desmaiado ou algo do tipo, tão imóvel o garoto estava. Quando se separaram ninguém disse uma palavra sequer e ambos se sentaram na grama, um de frente para o outro. Os olhos de Eddie estavam absurdamente arregalados e Richie sentia que todo o lanche que fizera antes de sair de casa ia fazer o caminho de volta e dar o ar da graça direto no chão ao seu lado. Estava nervoso. Absurdamente nervoso. Mas Eddie estava quieto e aquilo sim era um milagre operado.

— Bom... Pelo menos os hematomas que eu fiz com a maquiagem da minha mãe estão bem mais reais agora, né? — Ele tentou descontrair, mas Eddie não riu.

— O que... O que acontece agora? — Eddie tentou formular a frase, tão atônito que Richie conseguia sentir seu choque pelo ar. Viu a mão dele tatear a bombinha que estava no bolso, apertando-a firme, mas não a levou aos lábios. Se ele não via a necessidade de o fazer até que era um bom sinal, certo?

— Eu também não sei. Bem... Ainda temos até o natal para ficarmos juntos, não é? Digo... Você e eu... Quer dizer... Ah! Você entendeu, certo? Assim... Eu também gosto de você. A mais tempo do que gostaria de admitir. — Já que estavam sendo sinceros por que não despejar logo tudo de uma vez? Richie já não sentia mais as pernas. Ainda bem que estavam sentados, puta que pariu!

— Nós estamos fodidos. Se alguém souber...

— Ninguém precisa saber. Ninguém soube até agora.

— A minha mãe vai me matar!

— Não se ela não souber. Qual é, Eddie?! Você sabe o que dizem por aí sobre quem deixa a cidade, não sabe?

— A perda das memórias...

— Pois é... Nem a gente vai precisar saber. Só... Só vamos nos permitir viver um cadinho antes de nada disso ter acontecido.

Aquilo era mais doloroso posto em palavras, mas era a verdade. E ele não sabia bem como dizer a verdade de forma diferente para Eddie. Para Eddie que agora estava com os olhos repletos de lágrimas.

— Eu... Eu só quero que você me prometa uma coisa.

— O que você quiser. — Richie estendeu as mãos, tomando as dele com carinho. Nunca havia parecido tão sério em toda a sua vida.

— Promete que nunca vai me esquecer?

— Prometo. — Richie ergueu a destra lhe oferecendo o mindinho para mostrar que estava falando sério.

Eddie entrelaçou seu mindinho ao dele e lhe roubou um beijo. Um beijo tímido e desajeitado que acabou sendo correspondido de igual forma.

Richie não queria esquecer daquele dia nunca na sua vida e, no que dependesse dele não esqueceria mesmo. Mas... Bem... A vida meio que não depende em nada da gente para acontecer, certo? A única coisa que os dois meninos podiam fazer era viver. Viver os dois meses que ainda tinham juntos e rezar para que aquela lenda sobre a perda de memória fosse apenas uma lenda. Richie tinha certeza que Eddie jamais deixaria de estar gravado em seu coração, de toda a forma. Quando seus lábios se separaram pela segunda vez naquela noite, Richie teve a certeza mais nítida que tivera até aquele momento: nunca odiara tanto palhaços. Era tudo culpa daquele palhaço imbecil. Tudo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.