Femme Fatale

Capítulo 3: Agente de campo



Nikita enxugou as lágrimas e foi ao toalete feminino. Limpou o rosto borrado e procurou pela arma na bancada da pia. No vaso de flores do local, encontrou balas e um silenciador. Investiu-se de sangue frio e voltou ao salão. Sua arma estava na pequena bolsa feminina de mão. Aproximou-se do terrorista e percebeu que havia uma mulher e uma criança na mesa dele. Nikita hesitou. Ela não poderia matar um homem na frente da mulher e filhos, mesmo sendo um terrorista. Resolveu levá-lo para outro lugar reservado, e aí executar o plano.


_ Cavalheiro, poderia me acompanhar por gentileza? _ Nikita perguntou melifluamente.


O homem à mesa olhou-a irritado, virou-se para os lados, e Nikita percebeu alguns homens engravatados e atarracados levantando-se, e aproximando-se da mesa dele. Ela rapidamente golpeou o homem com sua bolsa, e meteu a mão em seu paletó, retirando de lá um pequeno objeto, um pouco maior do que um cigarro ou uma pastilha. Virou-se a tempo de disparar com sua bolsa nos dois brutamontes a sua frente. Tentou correr para a porta da frente, mas já haviam vários seguranças naquela direção. Ela correu então por uma passagem lateral, que a levou até a cozinha.


Nikita desfez-se de seus sapatos salto agulha, e procurou por uma saída dali. Não havia nenhuma, a não ser que voltasse por onde havia entrado. Abaixou-se atrás de uma bancada. Podia ouvir os passos apressados de pessoas nervosas e agitadas. Tirou a arma da bolsa que já estava chamuscada pelos tiros recentes. Um condom caiu da bolsa aberta. Nikita lembrou-se de o haver apanhado, imaginando uma tórrida noite de amor com Michael. Que idiota! Um ricochete acordou-a de seu devaneio. Alguém estava atirando contra ela. Olhou para os lados. Haviam dois seguranças armados mirando nela. Nikita rapidamente deu uma cambalhota e foi para trás de outra bancada.


Mais tiros, agora crivavam de balas o local em que antes estava. Ela procurou ver seus perseguidores. Um deles trouxe um estranho objeto, tipo um holofote, que ele colocou no ombro. Nikita não gostou daquilo. Tinha que sair dali AGORA. Viu perto de si um tipo de dispensário de roupa suja, ou de lixo. Era grande o suficiente para ela passar por ele, e estava aberto. Ela nem pensou. Deu um mergulho por ali. Naquele mesmo instante, o segurança disparou o lança-mísseis de ombro. Ele explodiu a entrada do dispensário, e também toda a cozinha.


Nikita foi deslizando asperamente sentindo o calor queimar suas meias, até chegar em uma grande lata de lixo. Ela rapidamente saiu de lá. Esgueirou-se pelas ruas e correu o mais rápido que pôde, para longe de tudo aquilo. Lembrou-se de Michael ter falado em uma van de socorro, e de despedir-se dela dizendo: \"foi bom tê-la conhecido\". Com certeza, ele não esperava que ela sobrevivesse. Logo, a van deveria ter ido embora, ou talvez nunca estivesse lá por ela.


Aproximou-se de um cortiço. Notou uma janela aberta e entrou por ela. As pessoas estavam dormindo. Ela aproximou-se do roupeiro e retirou uma muda de roupas e um tênis. Saiu por onde havia entrado. Procurou um beco mal iluminado e trocou a roupa. Ficou um pouco apertada, pois ela agora era musculosa. Mas os sapatos serviram perfeitamente. Estava meio esquisita de jeans e camisa de flanela. Fêz uma trança rústica em seus longos cabelos. Quando ia desfazer-se de sua roupa, notou o pendrive na liga da meia. Por aquele pequeno objeto muitos morreram, e ela própria poderia estar morta. Teve vontade de destruí-lo, mas conteve-se. Guardou-o no corpete, como se fosse seu bem mais precioso.


Nos dias que se passaram, Nikita tentou sair da cidade de carona, mas sua aparência não era das melhores. Ela passou a tomar sopa em postos comunitários de ajuda a sem-tetos, e a dormir em abrigos coletivos. Pensou em procurar sua mãe, mas algo lhe dizia que isso iria ferir sua mãe mais do que imaginava. Tinha medo da Section 1. Medo de que a achassem e a levassem de volta ao inferno. Todas as noites olhava para o pendrive e o rolava nos dedos, como um amuleto de azar, ou um talismã maldito. Ela passou a ajudar no abrigo, fazendo a faxina, e ajudando a servir o sopão. Tornou-se benquista, mas temia fazer amizades e contar sua vida.


Uma noite, um dos mendigos que recebia a sopa, agarrou sua mão. Ela o olhou condescendente.


_ Cara, acho melhor largar minha mão e apenas tomar sua sopa em paz.


_ Ainda estamos esperando pelo pendrive, Nikita.


Ao ouvir isso, Nikita afastou o carro de comida, e deu um golpe na nuca do homem, que havia falado com ela. Então saiu correndo do abrigo de sem-tetos. Ao chegar no exterior, deu de cara com Michael e mais três agentes da Section 1. Ela então tentou correr pela lateral, mas um carro barrou sua passagem. Ela aí deu um salto sobre a capota do carro e teria escapado, se não tivesse sido alvejada. Isso a derrubou. Ela ainda se levantou e reiniciou a correr, mas suas pernas ficaram bambas. Outro projétil e ela foi ao chão sem conseguir mover-se. Viu botas pretas aproximarem-se de si, e o rosto de Michael abaixando-se até ficar próximo ao dela. Então tudo se apagou.

Nikita abriu os olhos e viu que estava em um ambiente todo branco. Cheirava a um delicado antisséptico. Vestia blusa branca e calça branca. Estava de volta na Section 1, o inferno esterilizado e elegante. Lembrou-se do pendrive. Eles já deveriam tê-lo pegado.


_ Nikita, sua idiota, por que não destruiu aquele objeto desgraçado? _ Gritou consigo mesma.


_ Porque ele era sua garantia de vida. _ Uma voz rouca e sensual fêz-se ouvir.


Nikita não precisava olhar para saber de quem era essa voz. O seu maldito mentor/demônio atormentador, Michael.


_ E quem disse que eu quero estar viva? _ Nikita perguntou ao léu fixando os olhos no brilho fluorescente do teto branco.


Michael aproximou-se dela. Tirou sua pistola do coldre tipo colete e destravou-a. Encostou o cano no local onde estaria o coração de Nikita.


_ Repita o que disse e eu irei satisfazer o seu desejo. _ Michael então lentamente aproximou o rosto do dela e beijou-a ternamente.


Ela o encarou e sentiu que poderia matá-lo, em vez disso agarrou-o com força pelos cabelos e beijou-o arrebatadamente. Quando separou-se dele, simplesmente virou o rosto.


_ Saia daqui Michael.


Michael afastou-se dela arrumando os cabelos. Próximo à porta virou-se mais uma vez.


_ Operations quer um relatório do período em que ficou fora da Section 1. E você foi promovida à agente de campo. Parabéns. _ Então saiu.


Algumas semanas depois, Madeline chamou-a ao seu escritório. Era um ambiente cor de gêlo, com suaves detalhes em dourado. A número dois da Section 1 estava elegantemente vestida em um tailleur preto. Usava jóias de pérolas, e sua maquiagem era discreta.


_ Sente-se Nikita. Ainda não lhe dei os parabéns pelo sucesso da missão-teste. _ Madeline falou suavemente.


_ Obrigada. Espero que meu comportamento não os tenha chocado. _ Nikita falou o mais comedidamente que conseguiu.


_ Não. Na verdade você agiu como o esperado. _ Madeline serviu-se de uma xícara de chá em seu aparelho de porcelana. Colocou 2 cubos de açúcar e mexeu a xícara vagarosamente. A seguir bebeu do chá. _ Por favor Nikita, sirva-se também. Você é minha convidada. _ Disse numa voz melosa.


Nikita serviu-se do chá. Madeline era o braço direito de Operations, e este era Lúcifer encarnado. Nikita ficou surpresa por alguma vez imaginar, que Madeline poderia substituir sua mãe. A suposta mestra de etiqueta e boas maneiras, era a melhor estrategista da Section 1, e Operations sempre a ouvia antes de tomar decisões. Sabia, por alguns relatos que ouvira, que Madeline liderava sessões de tortura em prisioneiros pouco colaborativos, e que tinha um grande conhecimento acadêmico sobre diversas áreas do conhecimento humano. Nikita suspeitou que Lúcifer tinha uma consorte à altura.


_ Está pensativa hoje, Nikita. Uma moeda por seus pensamentos. _ Madeline falou com um meio sorriso.


_ Estou apenas imaginando o que você gostaria de tratar comigo.


_ Bem, Nikita, queria apenas prepará-la para sua próxima missão. _ Madeline parou de falar para observar Nikita, que a observava de volta. _ Sabe Nikita, um agente de campo, por vezes tem que agir disfarçado. Não apenas com perucas, lentes de contato, roupas extravagantes, ou forçando um falso sotaque. Por vezes o agente disfarçado tem que viver integralmente seu falso papel. Estou indo muito rápido, querida?


_ Não, estou entendendo. Continue, por favor.


_ Portanto, se você tiver que se disfarçar de cantora de pizzaria, terá que aprender italiano, aprender a fazer pizza, e cultivar um círculo de amizades, que nunca saberá quem você realmente é. _ Madeline calou-se e colocou a xícara na mesinha futurística de vidro transparente. _ Por outro lado, se você se disfarçar de garota de programa, terá que exercer a profissão. _ Madeline ficou observando Nikita.


Nikita ficou chocada. Suspirou fundo e todo o seu corpo se enrijeceu. Se aquela mulher não fosse a nº 2 em comando, ela simplesmente atiraria nela, ou lhe racharia a cabeça com aquelas louças de porcelana. Mas Nikita conseguiu se controlar. Entretanto não conseguiu controlar a língua.


_ Quer dizer que eu sou a puta da Section 1, e você é minha cafetina, estou errada? _ Perguntou com os dentes cerrados.


_ Bem, Nikita, não a mandaremos para esse tipo de missão, se você não estiver preparada. _ Madeline falou compreensivamente.


_ Diga-me uma coisa, essa conversa é só pra mim, ou vocês dão esse tipo de instrução aos outros agentes? _ Nikita já falava com a voz estridente.


_ Todos os agentes, sem exceção, fazem esse tipo de missão. Todos. _ Madeline levantou-se e dirigiu-se à porta, abrindo-a para Nikita. _ Tenha um bom dia, Nikita.


Nikita retirou-se da sala de Madeline, com um nó na garganta. Procurou o banheiro mais próximo para vomitar.


Fim do Capítulo