PALAVRAS DE LARA PACHECO

Grávida? Eu fiquei sem reação com as palavras da enfermeira, que também estava apreensiva com a situação. Irmã Carolina tentava passar calma, mas por dentro eu sentia que ela não sabia o que fazer.

— Minha menstruação está atrasada, mas não é para tanto. — tentei impor, mas eu sabia que era verdade. Eu estava grávida daquele cara imundo, que me enganou, e que eu sempre repudiaria, por toda a minha vida.

— Os exames dizem o contrário, querida. Infelizmente eu terei que comunicar à madre superiora. — disse a enfermeira.

— Não! Não! Por favor! Vocês precisam me ajudar! — supliquei, olhando para as duas. Irmã Carolina me encarava com um olhar triste. Ela entendia a minha situação.

A enfermeira foi caminhando até a porta de saída do consultório, mas Irmã Carolina a segurou pelo braço.

— Por favor, ajude a moça.

— Irmã Carolina, isso é um absurdo. Não podemos deixar uma freira grávida aqui. Lara será expulsa do convento e voltará para casa. Irmã Mariah irá avisar a família da moça o quanto antes.

Família. Como se eu tivesse uma família. Senti calafrios ao pensar que Sheila ficaria sabendo da minha gravidez e corri até a porta do consultório, também impedindo a passagem da enfermeira.

— Eu não posso voltar para a Sheila. Esperem, por favor, até que eu faça dezoito anos. Eu prometo que vou esconder a gravidez direitinho até lá. Eu não posso voltar para casa, é questão de vida ou morte. — pus a mão na barriga — e agora a vida de uma criança está em jogo.

— Lara, essa história de madrastas malvadas só acontece na ficção. — riu a enfermeira, tentando passar pela porta. Eu e Irmã Carolina continuamos impedindo. Quando ela percebeu que não havia escapatória, desistiu. — Ok. Então você fica aqui, esconde a gravidez, e quando completar dezoito anos, você vai embora. Mas eu não quero meu nome envolvido nisso, ok?

Faltavam ainda seis meses para eu completar dezoito anos.

Até lá, minha barriga já apareceria.

PALAVRAS DE GABRIELA CARVALHO

Márcio desabafou para a sua amiga mais doce, companheira e humilde (eu) o porquê de ter ficado tão chateado com a Lara.

Ok, ela o iludiu e depois chutou sua bunda, mas mesmo assim eu achava aquilo tudo muito estranho. Como diria o famoso Chapolin Colorado, “Minhas anteninhas de vinil estão captando algo sério”. E era mesmo.

Perguntei a QI sobre a relação da garota com a Sheila, assassina imunda, e ele me falou que Lara lhe comunicara que estavam se dando bem, e que, ainda segundo ela, sua madrasta pagaria sua viagem de volta para o Rio de Janeiro.

— Pois é, Gabi... a essa hora Lara já deve estar nos braços daquele cara de novo. Você não tinha dito que eles haviam brigado? — Márcio QI terminou de desabafar, como se não acreditassem em reconciliações. Ajeitou os óculos e sentou na beirada de sua cama.

— Márcio QI, como diz um verso de funk, que a minha vizinha adora e eu aprendi, amor de pi... Ai, deixa pra lá. Olha, esquece a Lara. Vai estudar. 2012 é ano de vestibular para a gente, e eu quero ver você universitário.

Pois é, estávamos quase em 2012. Futuro incerto. Eu às vezes pensava se não seria melhor que tudo voltasse ao normal, com a Lara aqui, a Valeska sem essa de ser jogador de futebol, e o Márcio QI sem estar apaixonado. Estava tudo ficando tão chato e monótono...

Dias depois, fui procurar Valeska no campo de treinamento do Regatas Futebol Clube. Eu a observava de longe e estava começando a achar que ela estava levando tudo muito a sério.

Valeska estava tomada pelo seu “outro ego”, Gustavo.

E treinava mais arduamente do que qualquer jogador daquele time.

Ela driblava todos, chutava as bolas no gol, fazia polichinelos, flexões, flexões com uma mão só... era tanta coisa que até de lembrar eu fico cansada. Mas ela, fazendo tudo aquilo, parecia não cansar.

Após o treino, Valeska me viu. Pegou uma toalha no banco dos reservas, enxugou o rosto e veio até a minha direção. Os outros jogadores começaram a assobiar.

— Fiu-fiu!

­— O que é isso, Valeska? Que diabo de tanto assobio é esse? — questionei.

— Acham que você é minha peguete. — explicou, coçando o “saco”. Ela estava com todos os trejeitos masculinos.

— Valeska, mulher, sintoniza! Eu sei que você não é um menino, não precisa fingir pra mim! E olha, enquanto você está aqui, pagando de jogador de futebol, a Sheila está livre leve (que ironia) e solta e o seu nome, “Valeska Soares”, está estampado em todos os programas policiais da TV. Você está sendo procurada, querida!

— Fala baixo! — pigarreou e engrossou a voz.

— Não engrossa a voz comigo ou eu meto a mão na tua cara, ouviu?! — gritei e os outros jogadores, perto de nós, escutaram. Olharam para a gente com um olhar de “Gustavo, vai deixar por isso mesmo?”.

— Olha, eu tenho uma coisa pra contar. — senti que lá vinha bomba. Valeska dificilmente falava coisa com coisa — O nosso time foi convocado para um campeonato regional. Eu vou viajar, isso não é bacana!? — Valeska tinha brilho em seu olhar ao contar aquela bomba. Ai que anta.

Dei-lhe um cascudo. Agora os jogadores pensariam que “Gustavo” apanha de mulher.

— ANTA! Sintoniza! Alô, é da Amebolândia? Aqui é do planeta Terra, estou tentando me comunicar com uma garotinha que mora aí! — dei-lhe um beliscão — Criatura, você quer que eu desenhe? Que eu soletre? F-U-G-I-T-I-V-A. Com que documentos você está se virando por aqui, aliás?

— O Márcio QI me ajudou com as falsificações. Sou Gustavo, tenho 19 anos e sou de Recife. Isso não é o máximo?

Não, não era. E eu iria esganar o Márcio quando o visse novamente. Porém, pensei nos pontos positivos de ter Valeska longe.

— OK, você já é bem crescidinha. Não sei de onde você tirou que tem 19 anos, mas enfim... — encarei-a — Vá, já que eu vi que você está se virando bem. Enquanto isso, QI e eu cuidaremos de sua vida. Ainda sonho em colocar a Sheila atrás das grades. Eu quero ver aquela gorda comendo o pão que o diabo amassou.

Valeska sorriu.

— Ai, amiga, eu te amo! — Valeska me abraçou e beijou meu rosto. Ao beijá-lo, levantou o pé direito, como se fosse uma menininha de dezesseis anos que, por acaso, era sua idade verdadeira. Enfim, ela desmunhecou. — Esse time precisa de mim. Eles me amam! E eu estou tão amiga-- amigo do Isaac. Deseje-me sorte. E obrigada por tudo.

Despedimo-nos naquele dia, sem mais delongas. Três dias depois, QI e eu fomos deixar a cabeça de vento no aeroporto. Seguiria viagem com os outros jogadores rumo a Salvador, onde seria o primeiro jogo. Era uma espécie de “Copa do Nordeste”.

Ao entrar na plataforma de embarque, acenou para nós e mandou beijinhos pelo ar, desmunhecando novamente. “Gustavo” era o mais exibido de todos.

Aquilo iria dar uma treta tão grande...

PALAVRAS DE VALESKA SOARES

Quando desembarcamos em Salvador, entramos em um ônibus hiper mega chique, climatizado, com camas, frigobar, TV e tudo o mais. O veículo levaria a mim e os outros jogadores para o hotel.

O nosso técnico, Eriberto, estava muito feliz. Parecia que o time finalmente havia seguido os rumos que ele sempre sonhara. E tudo indicava que era por minha causa. Em poucas semanas no Regatas Futebol Clube, eu havia ajudado o time a conseguir um bom prestígio, e o meu nome como jogador estava bem valorizado, segundo os “olheiros”, os caras que visitavam os treinos em busca de novos talentos.

Piter Pimentel continuava sendo o único que não estava gostando da história. Eu estava tomando o seu lugar e o deixando ofuscado. O cara nem sequer trocava uma palavra comigo.

Os outros jogadores, porém, inclusive Isaac, me admiravam e diziam que se espelhavam em mim. Eu ficava tipo muito lisonjeada e morrendo de rir deles, em pensamento, pois eram todos uns machistas e quebrariam a cara quando soubessem que eu era uma garotinha indefesa. Beijos.

Bom, sobre o hotel em que ficaríamos hospedados, eu nunca havia visto tanto luxo em toda a minha vida. Quase caí para trás quando desci do ônibus. Fiquei andando e olhando para cima, hipnotizada, até que esbarrei em Piter que ia acompanhando os outros jogadores, logo à frente.

— Não vê por onde anda, não, pô? — disse, com ira.

— Foi mal, cara!

— Piter, você trata o Gustavo muito mal. — interveio Isaac. — O cara é nosso amigo, velho. Você tá assim só porque sabe que ele é melhor que você.

Eu sorri quando Isaac disse aquilo. Fiquei com vontade de dizer: “Chupa Piter”, mas fiquei na minha. Enquanto isso, Piter se remoía com o seu recalque:

— Isaac, você tá defendendo o veadinho — referia-se a mim — só por que quer ele “de quatro”, mais tarde, lá no quarto do hotel, né? Vocês são dois veadões!

Ok, eu “desmunhequei” tanto assim?

Só sei que Isaac, com ódio, empurrou Piter e ele caiu no chão. O ex-artilheiro do time levantou-se e iria partir para cima do meu príncipe, bem em frente aquele hotel chiquérrimo, mas a briga foi apartada por Eriberto e os outros jogadores.

Senti naquele instante meu coração bater mais forte por Isaac. Ele, como sempre, me defendera!

E eu, como sempre, caidinha por ele.