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Memórias de uma Psicopata


PALAVRAS DE ISAAC SANCHEZ

As circunstâncias pediam para que nós fossemos frios. E se tratando da vida de uma criança que estava em risco, eu nem pensei se tinha um cara baleado no meio da sala daquela casa. Apenas puxei Valeska pelo braço e corri com ela até o meu carro, pois se tivéssemos sorte ainda poderíamos seguir e alcançar aquela orca sequestradora de crianças.

— Eu ainda não acredito... aquela bala poderia ter me acertado! — disse Valeska, histericamente, enquanto eu punha o cinto de segurança nela ao mesmo tempo em que me desdobrava para também mexer no volante.

— Mantenha a calma, amor! Não se esqueça que aquela psicopata está com o bebê.

Eu mantinha os olhos atentos à avenida, procurando um carro que fosse no mínimo suspeito. E eu vi ao longe um fusca cor-de-rosa. Era o dela.

— Parece que eu a encontrei. Agora precisamos segui-la e assim poderemos também encontrar o Márcio.

— Por favor, Isaac, tenta não chegar muito perto do carro dela — pediu Valeska — ela está armada e se ela perceber alguma coisa estranha, pode fazer alguma coisa com o Gohan.

Sendo assim, mantive o máximo que pude de distância, para evitar que a gorda percebesse que estava sendo seguida. Tínhamos uma chance de encontrar o Márcio QI e salvar o pequeno Gohan.

PALAVRAS DE SHEILA DEL VECHIO

Eu corri com aquele moleque nos braços em direção ao meu carro, mas esqueci que para montar uma família era necessário no mínimo uma mãe, um pai e um filho. E eu havia esquecido o pai dessa possível família lá, na casa do garoto nerd.

No meio do caminho, fiquei tentada a voltar para buscar João Paixão, mas agora que eu tinha um grande trunfo nas mãos — o filho da Lara, no caso — eu não poderia correr o risco de colocar tudo a perder de novo. Acreditei que ele poderia se virar sozinho e voltar são e salvo para o nosso ninho de amor.

E eu não queria, nunca mais, ter que voltar para aquele inferno que era a prisão.

Enquanto eu dirigia, as imagens de tudo o que eu passei nesse meio tempo vinham à minha mente. Tudo havia sido um pesadelo, e me lembrar de tudo só aumentava a raiva que eu sentia daqueles fedelhos. Foi tudo por culpa deles! Eles nunca deveriam ter cruzado o meu caminho.

***

Quando fui transferida para aquele presídio imundo, logo após ser condenada a vários anos de prisão por inúmeros crimes — principalmente dois assassinatos — as presas que me fariam companhia na cela me olharam como se eu fosse um tipo de “carne nova no pedaço”. Eu sei que eu sou irresistível, mas eu não gostava de jogar no time delas, se é que vocês me entendem.

Uma delas era Yara: ela era muito gorda (e antes que vocês achem que eu não possa chamar ninguém de gorda, saibam que eu não sou gorda, sou gostosa!) e tinha um jeito de macho. Diziam que Yara era a presa mais barra pesada daquele presídio e que todos deveriam obedecê-la, mas ninguém conhecia a Sheila, a toda poderosa, que havia acabado de chegar no pedaço.

Acontece que Yara ficou com ódio por eu me recusar a “satisfazê-la”, então ela começou a me marcar. Aquela sapatona adorava me seguir por todos os lados, como no banho de sol, na hora das refeições e, claro, dentro da cela cuja ela dividia comigo.

Porém, ela não sabia com quem estava se metendo.

Certa noite, ela tentou me atacar enquanto eu dormia. Yara tentava colocar uma das mãos dentro da minha roupa enquanto com a outra segurava o meu pescoço com muita força.

Calmamente, deslizei minha mão para debaixo do colchão. Lá havia uma pequena faca a qual eu havia conseguido com uma das presas que também fora molestada por Yara. Eu seria a pessoa que vingaria todas aquelas mulheres.

De súbito, enfiei a faca na barriga da sapatona, que urrou de dor. Tratei de chutá-la e fazer com que ela caísse de joelhos, desesperada e tentando estancar o sangue. Yara gritava por socorro, até que as carcereiras ouviram e apareceram na nossa cela.

— O que é que tá acontecendo aqui? — perguntou uma das mulheres encarregadas de vigiar as celas.

Quando a carcereira viu Yara se esvaindo em sangue, tratou de abrir a cela para socorrê-la, porém eu fui esperta e tratei logo de usar aquela mulher como refém. Ela seria a chave para que eu pudesse sair dali.

Houve uma grande rebelião dentro do presídio. Na qual todas as presas foram libertas, por minha vontade. Eu apenas retirei o molho de chaves da cintura da calça da carcereira e joguei para uma das presas para que elas pudessem libertar umas às outras. Enquanto isso, mantendo a carcereira como refém, segurando a faca contra o seu pescoço, encaminhei-me até a saída, ameaçando todas as policiais que se elas tentassem qualquer coisa eu furaria a jugular de sua colega.

Eu consegui sair da prisão, assim como várias outras detentas. E eu pude sentir o gostinho de liberdade à medida que me encaminhava para mais distante daquele lugar.

Agora que eu já estava liberta, tratei de conseguir um jeito para tirar o meu pobre bebê João Paixão, que provavelmente estaria sofrendo muito no presídio masculino. Eu o amava tanto que seria capaz de fazer qualquer coisa perto de mim. E eu tinha certeza que ele me amava. O dinheiro de Giuseppe que eu havia roubado estava em um lugar seguro. Eu usei essa grana para pagar, em sigilo, um advogado para tirar meu Joãozinho da cadeia. Enquanto isso, eu arquitetava meu plano de retaliação.

Gabriela Carvalho, Márcio Ferrari, Valeska Soares e Lara Pacheco. Todos eles comeriam na minha mão. Todos eles conspiraram contra mim, impediram meus planos e agora eles pagariam o preço de ter mexido com a Sheila del Vecchio.

Ao mesmo tempo em que o advogado que eu contratara cuidava do caso da soltura do meu amado, consegui alguns documentos falsos, cortei meu cabelo bem curto, coloquei alguns piercings e tatuagens. Eu queria parecer uma daquelas roqueiras da televisão.

Eu estava pronta para começar a tocar o terror na vida daqueles moleques.

Eu lembro daquele dia: era o dia do aniversário de dezoito anos da Lara. Imaginei que ela já quisesse sair do convento (naquela época ela ainda estava lá) por ser maior de idade e resolvi fazer uma surpresinha para ela. O convento era afastado de tudo e de todos, então provavelmente as irmãs de lá nem imaginavam que eu havia sido presa e fugido da cadeia. E se suspeitassem de algo, nada poderiam fazer.

Eu estacionei meu carro perto do convento naquela noite. Vi quando uma garota saía correndo de lá desesperadamente até chegar num ponto de ônibus. Ela parecia fugir de algo. Era Lara, claro. Fiquei apenas observando e, quando pensei em tentar algo contra ela, seu ônibus apareceu e ela subiu.

Segui o ônibus freneticamente até chegar ao ponto onde ela descera: a rodoviária. O local estava muito cheio, mesmo àquela hora da madrugada. Eu tentei parecer o mais discreta possível, mas dentro do meu sutiã havia um revolver carregado pronto para acertar aquela garota. Bastaria apenas o momento certo.

E eu encontrei o momento certo. Atirei contra a sua barriga e um rapaz magro de cabelos compridos se meteu no meio da bala antes que ela chegasse em Lara. Eu não tinha mais chance, então resolvi fugir antes que as pessoas encontrassem o local de onde havia vindo o tiro.

Depois, fiquei sabendo que Lara estava em coma no hospital e que o seu filho — que por acaso o pai era aquele cara que se enfiara no meio da bala — havia nascido prematuro. Resolvi ficar um tempo quietinha no meu canto pois contava com a morte de Lara para poder prosseguir. Eu achei que aquela vaquinha não fosse resistir, mas ela estava se recuperando com a ajuda dos médicos daquele hospital particular e, claro, daquele nerdzinho do meu nojo que passava horas e horas ao lado dela.

Eu seguia todos eles o tempo todo para saber seus passos, tanto os de Márcio, quanto os de Valeska e Gabriela. Eu apenas esperava o momento certo para acabar com a vida de todos eles. Primeiro, prender Gabriela numa sala congelada, depois jogar uma cobra no carro onde Valeska estava. Quanto ao Márcio, resolvi sequestra-lo e tortura-lo, contando com a possibilidade daquelas duas garotas terem sobrevivido às minhas armadilhas.

E sobreviveram. Por isso, agora elas teriam de ir buscar o amigo delas, assim eu poderia ter todos eles juntos. Eu só precisava de três balas para lavar a minha honra com o sangue daqueles que destruíram os meus planos. E, em seguida, eu fugiria com João Paixão e o bebê para bem longe dali.

***

Eu despertei daquele devaneio e quase me esqueci que estava no meio de uma estrada e com um bebê sentado no banco do carona do meu carro. Eu olhei para aquele moleque e percebi que ele lembrava muito o rosto do avô, Giuseppe. Pensei não estar sendo radical demais levando comigo um pedacinho da família Pacheco, cuja eu pertenci durante anos. Era tarde para arrependimentos. João Paixão e eu criaríamos esse fedelho em outro país. Começaríamos uma vida nova e Lara ficaria viva para lamentar.

Estacionei o fusca cor-de-rosa em um lugar escondido e saí com o bebê nos braços. Ele fedia a cocô, xixi e leite azedo, o que me deixou com nojo. Comecei a subir o morro para chegar a favela onde ficava o meu esconderijo. Pretendia colocar em prática a segunda parte do plano: atrair Gabriela e Valeska para que eu pudesse dar um fim nelas.

PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

Consegui deixar a corda fraca e rompê-la só depois de muito tempo. Com as mãos livres, pude retirar aquela mordaça e desfazer o nó da corda que prendia as minhas pernas.

Eu realmente havia perdido muito tempo, e estava muito nervoso pensando no que Sheila e João paixão poderiam estar aprontando nesse meio tempo. Consegui retirar a amarra das minhas pernas, porém, quando cheguei à porta do barraco para fugir, eis que alguém a abre.

Era ela, Sheila.

E ela estava com GOHAN em seus braços.

Dei dois passos para trás e Sheila me empurrou com toda força com a sua mão livre. Eu caí de costas no chão e pude vê-la sorridente e triunfante, com uma inocente criança nos braços.

Ela tinha tudo o que ela queria.

Quase tudo.

— Para onde pensa que vai? — perguntou, sarcástica. Colocou sua mão direita na cintura ao mesmo tempo em que usava sua mão esquerda para segurar Gohan contra o seu seio. Me dava ânsia de vômito saber que o meu pequeno estava nas garras daquela gorda e eu nada poderia fazer naquele momento apenas para o bem dele.

Gohan começou a chorar.

— Levanta daí! — ordenou Sheila e assim o fiz. Eu faria qualquer coisa se ela me garantisse que deixaria o Gohan bem. A gorda, então, entregou o bebê para que eu segurasse e tirou seu celular do bolso. — Me diz, qual é o número da Gabi? Quero ligar pra ela e para a Valeska. Faremos uma pequena reunião. O que acha?

— Deixe minhas amigas em paz! Qual é o seu problema hein, Sheila?

Sheila sacou seu revólver e apontou para mim e para Gohan.

— Me dá logo a porra do número da sua amiga ou eu estouro seus miolos! Se você se diz tão inteligente, então coopere!

Comecei a ditar os números da Gabi e Sheila digitou no seu celular um a um. Eu poderia dizer que não lembrava de cor, mas contava com a Gabi e um de seus planos mirabolantes para nos ajudar a sair dessa.

Era tudo ou nada.