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Cuspindo Mais Verdades


PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

Lara ainda estava aturdida quando vimos, ao longe, os policiais saindo da capela e levando o caixão de Sr. Giuseppe num cortejo fúnebre. Eu não achei muito convincente falar para ela tudo o que aconteceu e até então Lara achava que seu pai havia morrido de morte natural.

Todavia, eu percebia a fúria em seus olhos. Ver Sheila fingindo nitidamente desmaios e choros era de fazer qualquer um com o mínimo de decência explodir.

— Eu quero me despedir do meu pai, Márcio. Eu tenho esse direito. — Lara esfregou as costas das mãos no rosto e se levantou. — Eu sei que todos vão me crucificar, mas essa é a última oportunidade que eu tenho de ver o meu pai. Mesmo ele estando...

— Eu vou com você — interrompi-a — não vou deixar você passar por isso sozinha.

Ela sorriu. Eu me levantei e a acolhi, colocando meu braço no seu ombro e fazendo com que ela ficasse junto a mim. Fomos caminhando, seguindo a marcha fúnebre, sem que ninguém que estava no velório percebesse. Lara estava um pouco mais calma, mas não conformada.

***

O corpo de Giuseppe Pacheco estava posicionado, pronto para ser colocado no túmulo. Sheila se debatia nos braços de alguns familiares, escandalizando.

— EU QUERO IR COM ELE! POR FAVOR, ME ENTERREM JUNTO! — o caixão foi colocado no túmulo e ela se soltou, ajoelhando-se — POR QUÊ? POR QUÊ? MEU AMOR! MEU AMOR!

As pessoas que ali estavam começaram a jogar rosas. Quando Sheila pensou que não havia mais ninguém para jogar, ela se levantou. Foi aí que Lara e eu nos aproximamos e ela jogou uma rosa branca no túmulo do pai.

— Vai com Deus, pai.

Todos olharam chocados, pois ninguém esperava que Lara fosse aparecer. Inclusive Sheila, que imaginava que a enteada continuaria no Rio de Janeiro.

— Você? Você aqui?! Foi por culpa sua, foi por culpa sua que o seu pai morreu. ELE TINHA DESGOSTO DE VOCÊ! — Sheila se aproximava. O vestido preto estava cheio de terra, pois outrora ela estava ajoelhada no chão.

— Sai de perto de mim, Sheila. Eu sei muito bem que tudo isso que você está fazendo é só ceninha.

— Por que você apareceu aqui, hein? Já não basta esse dia terrível e você volta pra acabar com a nossa paz. Você odiava o Giuseppe, Lara!

— Eu amava o meu pai. Eu não tive culpa por tudo o que aconteceu na minha vida, na vida dele, quando ele perdeu a minha mãe, a única mulher que amou o meu pai de verdade. Você... você só estava interessada no dinheiro dele — Lara começou a bater palmas — Parabéns, Sheila! Você conseguiu! O dinheiro é todo seu! Eu vou embora.

Lara me puxou pelo braço e deu dois passos, mas Sheila acabou parando a enteada, também a puxando pelo braço.

— Pensa que vai pra onde? — indagou a gorda, com um pouco de ira em sua fala.

— Eu não sei, mas não é com você que eu vou ficar. — Lara tentou se soltar, mas não conseguiu.

— Você, querida, é menor de idade e só tem a mim. — Sheila puxou Lara para perto de si — E você, garoto, vá, vá embora, que aqui é um assunto de família!

Lara olhava chorosa para mim enquanto Sheila a arrastava para próximo de um dos seus familiares. Acho que era irmão dela, pois eram muito parecidos (gordo, pele escura, etc.). Eu fiquei com medo: Sheila poderia fazer alguma maldade com a garota, assim como fez com seu pai.

Alguns dias depois.

PALAVRAS DE DOUGLAS LORETO

A luz elétrica do meu flat foi cortada. Como eu não podia ficar no escuro e não tinha mais grana pra pagar a conta, reuni alguns dos meus pertences e saí dali. O último dinheiro que eu tinha eu usei para pagar o aluguel, mas ficar em casa sem energia era muito difícil.

Peguei meu carro e fui até a casa do meu amigo Lupe. Ele dividia um apê com o Valentim. O lugar era fétido, imundo, pois eles não mantinham uma boa organização.

Lupe atendeu a porta.

— E aí, Douglas. Eu soube do que aconteceu. Como é que cê tá, velho?

Ele abriu a porta para que eu pudesse entrar e eu fui para o sofá. Ele pegou uma cerveja, me ofereceu e eu a aceitei.

— Vim pedir um favorzão a você e ao Valentim. Será que vocês têm um lugar no apê pra eu ficar? Só por uns dias, até eu arrumar uma grana e tal.

Quando Lupe iria falar se me permitiria ou não, alguém abriu a porta do quarto. Valentim saiu de lá, junto de uma moça. Estavam seminus. Apertei meus olhos para ver se reconhecia aquela moça: era Bárbara.

Fiquei um pouco sem jeito, pois sempre fomos amigos e não imaginava que Bárbara poderia ter alguma coisa com Valentim, ou até mesmo com Lupe ou eu. Bárbara, por sua vez, tinha uma queda por mim, mas nunca gostei dela. Tinha medo de magoá-la devido a minha vida dupla e ainda, porque ela era uma garota um tanto quanto problemática.

Lupe interrompeu o silêncio:

— Ei, Valentim... Douglas tá perguntando se tem vaga aqui no apê, pra ele.

Ele se sentou ao meu lado, no sofá, e Bárbara se sentou no colo dele.

— Seria bem foda, se você não se importar em dormir no chão. — avisou. — aqui não é tão luxuoso quanto aquela boa vida que você tinha lá.

Bárbara dava alguns olhares, disfarçadamente, para o meu rosto. Preferi não fita-la, apenas agradecer aos meus amigos pela ajuda.

***

PALAVRAS DE VALESKA SOARES

Como ficou provado que eu não tinha nenhum problema psicológico, naquela mesma tarde um senhor baixinho, de cabelo branco veio à minha cela dizer que eu sairia da clínica e seria transferida para um centro de menores infratores. Senti um verdadeiro alívio quando me livrava aos poucos da camisa de força que era obrigada a usar, mas depois voltei a ficar tensa quando lembrei que iria para um lugar bem pior do que aquele em que eu estava.

— Pronto, mocinha. Agora me dê suas mãos. — disse ele, preparando-se para colocar as algemas.

Sem nenhum problema, estendi os punhos, já cerrados, e o senhor colocou as algemas. Calmamente, e sem me tocar, ele me conduziu até a recepção do centro psiquiátrico, onde já dava pra ver um carro de polícia a minha espera para me levar.

Fiquei desesperada.

— Só tem você aqui? — perguntou para o policial o senhor que me conduziu até ali.

— Sim, ela é só uma garota. Creio que nesse tempo que ela passou aqui já tenha pensado bastante no que fez. E terá bastante tempo pra pensar quando estiver no reformatório.

Após responder aquilo, o policial abriu a porta do carro e, antes que ele pudesse achar que eu não faria alguma coisa que não fosse entrar, desferi um chute entre suas pernas e tentei correr o mais rápido que pude dali.

Ele caiu de joelhos no chão.