PALAVRAS DE VALESKA SOARES

— Eu não vou te bater. — Piter se afastou de mim — Gustavo, eu também tenho uma coisa pra te contar. Eu entendo o seu sofrimento.

— Sofrimento? Que sofrimento?

— Eu... eu sei que você é.

— Piter, eu não estou entendendo. — o papo estava estranho. Será que ele tinha percebido que eu, Gustavo, era uma mulher o tempo todo?

— Eu também sou! — ele falou docemente, colocando a mão sobre o peito. — E eu queria te pedir desculpas pelo que eu te disse hoje cedo. Eu te chamei de “veadinho”, mas, na verdade, eu também sou gay!

Morta. Chocada. Me enterrem. Me segurem que eu tô indo pro chão. O PITER É GAY?

— Eu não sei nem o que dizer, Piter.

— Gustavo, é muito ruim esconder o que você realmente é.

Pus a mão no ombro de Piter.

— É que acontece que... eu não sou gay. — falei. E eu não era mesmo, ué.

— Como assim? Cara, estamos entre amigos! Eu disse que você pode contar comigo! — pôs a mão no peito de novo e começou a falar fino.

— Mas eu não sou! Eu gosto é de mulher. — tentei falar da maneira mais cafajeste possível.

— Mas e sua delicadeza, esse seu jeitinho afeminado...

— As aparências enganam. E olha, se você não me contasse, eu nunca imaginaria que você gostasse de meninos.

Piter estava super triste. Sentamo-nos no último degrau da escadaria e ele começou a me contar sobre tudo o que ele sofreu em sua vida e eu fiquei com pena dele.

PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

Dois menores de idade numa delegacia tentando resolver um problema acaba acontecendo de todos os adultos deixarem de nos dar atenção. Gabi, estressada e ansiosa, esperando que o delegado nos recebesse, não parava de comer.

— Gabriela, calma. Vai dar tempo! — falei.

— Não consigo ter calma. — abocanhou um sanduíche ao mesmo tempo em que abria um pacote de batata Ruffles. Não sei como. — Sheila disse que iria viajar à Paris hoje à noite. Não vai dar tempo pegarem essa porca.

Eu estava com fome e não conseguia raciocinar.

— Divide esse pacote de Ruffles comigo e depois eu dou um jeito de chamar a atenção do delegado.

— Claro. Eu fico com as batatas e você fica com o ar.

Tentei tomar o pacote da mão dela e ela brigou comigo como um espartano. Gabriela Carvalho tinha uma força descomunal.

— Solta, QI!

— Eu tô com fome! Deixa de ser miserável e me dá só um pouquinho! — puxei o pacote e ela avançou em cima de mim.

— Eu vou dizer pra sua mãe e ela vai te deixar um mês sem internet! — ela enfiou as unhas dela na minha mão e eu acabei soltando o maldito pacote de batatas.

— Que palhaçada é essa na minha delegacia, hein? — exclamou um homem. Era o delegado. Por fim chamamos sua atenção.

Gabi saiu de cima de mim e foi em direção ao homem, mostrando o celular com a gravação.

— Eu quero denunciar Sheila Del Vecchio Pacheco, a viuvinha de cinco toneladas. Eu tenho provas de que foi ela quem matou o marido, e não a minha amiga Valeska Soares!

PALAVRAS DE GABRIELA CARVALHO

Após assistir a todas as confissões de Sheila na filmagem do celular, o delegado acionou todos os policiais. Pediu para que todos se preparassem, pois pegaria Sheila e João Paixão bem no embarque do aeroporto.

— Eu tô me sentindo num filme de ação! — falei, entrando no carro do delegado, que já se preparava para ir ao aeroporto.

— Quando eu voltar das férias, vou escrever sobre isso na redação do colégio. — disse Márcio QI.

O pneu do veículo cantou e logo estávamos na estrada. O delegado ia o mais rápido possível, seguindo as outras viaturas.

Ao chegarmos no aeroporto, o delegado pediu que nos afastássemos, pois ele e os outros policiais estavam armados e caso Sheila resistisse, poderia ser perigoso para nós.

— Ah, mas eu não vou ficar esperando aqui, mesmo! Eu quero ver na hora que aquela orca for pega. — esperei que os policias saíssem para que nós pudéssemos segui-los.

Sheila estava fazendo o check-in. Estava vestida com uma roupa elegante e um cachecol. Ao seu lado, João Paixão, ostentando colares de ouro e uma roupa de grife.

— Vamos, querida! Paris me espera. — Sheila tentou apressar a recepcionista.

— Só preciso que a senhora e o seu marido me entreguem o passaporte.

— Oh? Passaporte?

Os policiais chegaram na mesma hora, apontando seus revólveres para o casal ostentação. Sheila e João Paixão levantaram as mãos e fizeram cara de bocó.

— Sheila Del Vecchio e João Paixão, vocês estão presos pelo assassinato do senhor Giuseppe Pacheco. — disse o delegado. Os policiais já estavam a postos para colocarem as algemas.

Márcio e eu nos aproximamos. Eu encarei aquela baleia assassina, com vontade de dar na cara dela até ficar mais inchada do que já era.

— O quê? Isso é calúnia! Só pode ser coisa desses dois! Essa tal de Gabriela e esse Márcio QI, eles querem acabar comigo por que eu sou linda e rica! Eles têm inveja de mim! — Sheila se debatia nos braços dos cinco policiais que tentavam segurá-la. — João, pega eles! Pega eles! Ah, seus miseráveis!

João Paixão, com uma expressão de ódio, não teve nenhuma reação a não ser deixar ser levado pelos policiais.

Nosso trabalho havia sido finalizado. Márcio QI e eu nos abraçamos e comemoramos.

— A Valeska não precisa mais fingir que é um menino. Vamos esperar ela voltar pra dar a notícia né?

PALAVRAS DE LARA PACHECO

(recomendo ouvir Human - Christina Perri)

Eu já estava desesperada tentando saber o que acontecia lá do lado de fora daquele convento. Não aguentava mais aquilo. Aquele não era o meu lugar, definitivamente.

Mas era melhor estar ali do que ficar perto da Sheila e do João Paixão.

Amedrontada por uma possível descoberta da minha gravidez pela irmã Mariah, eu procurava fazer todas as tarefas do convento sem dar nenhum pitaco. Graças a Deus eu tinha a Irmã Carolina para me ajudar, e eu acho que sem ela eu já teria ido para casa há tempos.

— Irmã Carolina! — bati na porta da sala dela, na secretaria da escola do convento no final daquela noite. Havia esperado todas as outras irmãs saírem.

— Lara, entre! — entrei, como ela me pedira e sentei em uma cadeira — Eu queria muito falar com você. Eu vi aqui na sua ficha que você só faz aniversário daqui a quase cinco meses. Até lá, sua barriga vai aparecer, querida. Creio que não tem outro jeito a não ser comunicarmos à madre superiora.

— Por favor, Irmã Carolina! Eu dou um jeito! Eu vou pegar uns hábitos mais folgados e vesti-los à medida que a minha barriga for crescendo. Ninguém vai perceber.

— A moça da enfermaria me disse que você já deve estar com uns dois ou três meses de gravidez. Confirma?

— Sim. — confirmei.

— Eu vou rezar muito por você, Lara. Eu espero que você e essa criança que vai vir ao mundo sejam abençoados. Vocês vão precisar.

— Obrigada. Por tudo.

Saí de dentro da sala e pousei minha mão direita na minha barriga. Havia uma vida ali. Era uma criança. Não tinha culpa dos meus atos e nem dos atos do pai. Pai aquele que nenhuma criança mereceria.

Havia uma vida sob minha responsabilidade.

E eu prezaria por ela.

Eu questionava comigo mesma se havia alguém lá fora que estaria pensando em mim. Logo me veio à cabeça a imagem de Márcio. Aquele que eu sempre tratei com menosprezo desde quando nós éramos crianças. Aquele que eu me aproveitava quando ia mal nas provas. Márcio Ferrari, ou QI para os íntimos, sempre estava lá, ao meu lado.

E eu, sempre estava ao lado dele?

Não.