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A Volta dos que Não Foram I


PALAVRAS DE ISAAC SANCHEZ

O juiz apitou: era o final do primeiro tempo. O placar estava congelado em 3 a 0 para o time adversário. O Regatas Futebol Clube estava se despedindo do campeonato e também marcando aquele jogo como o último de toda a sua existência.

— Foco, pessoal! Foco! — gritou Eriberto, enquanto aproveitávamos o intervalo para fazer uma nova reunião. Em seguida, voltaríamos ao campo para jogarmos o segundo tempo. — Eu já disse: deem o seu melhor! Esse pode ser o nosso último jogo! Depois vocês se separarão! Acabarão as farras, as bebidas, a ostentação. E aí? Joguem como se fosse o último dia das vidas de vocês!

Era difícil ver que a nossa turma iria se separar. Talvez fosse mesmo a hora, vendo por outro lado.

Beijei novamente o pingente do meu cordão e o pus dentro da minha camisa. Eu voltaria para o campo e jogaria como se fosse o último jogo de futebol da minha vida — e tudo indicava que seria mesmo.

PALAVRAS DE VALESKA SOARES

Cortei novamente os poucos centímetros que haviam crescido dos meus cabelos, usei todos os truques de maquiagem, retirei o esmalte das minhas unhas e me enrolei novamente num lençol antes de vestir o uniforme do time.

Eu estava pronta. Quer dizer, Gustavo Rodrigues estava pronto.

Peguei minha mochila e saí em disparada rumo ao estádio onde estava acontecendo o jogo.

PALAVRAS DE ISAAC SANCHEZ

Já estávamos em campo. Lutávamos pelo menos para manter o placar de 3x0, fazendo com que a posse de bola ficasse conosco o tempo todo. Era difícil, mas estávamos tentando.

O goleiro do time adversário zombava da gente: às vezes ele fingia bocejar, outras vezes se encostava na trave e até chegava a se sentar no gramado. Ele sabia que nós nunca conseguiríamos fazer um gol. Não sem o Gustavo.

Eu pensei nele novamente. Eu pensava o tempo todo. E achei que talvez estivesse sendo um pouco egoísta em pensar apenas em mim e no time. Mas ele era a única salvação. Ele poderia salvar o time e ainda impedir que todos nós, jogadores do RFC ficássemos sem fazer o que mais gostávamos de fazer nas nossas vidas: jogar futebol. E o tempo, corria. Vinte minutos do segundo tempo: pouco mais de vinte e cinco minutos para vários sonhos serem destruídos.

Mas nem por um milagre Gustavo apareceria ali.

E, depois que eu ouvi aquele apito, comecei a achar que milagres acontecem. Eu vi quando um dos árbitros levantou uma placa, informando que Eriberto solicitara uma substituição. Richard, camisa 6, um dos nossos atacantes, seria substituído por nada mais nada menos que Gustavo, camisa 11.

Gustavo entrou em campo. Respirou fundo. A nossa pequena torcida, na arquibancada, ia ao delírio. Ele levantou a mão direita e acenou para aquelas pessoas, agora esperançosas pela vitória do time.

Sempre que eu tentava olhar para Gustavo, enquanto corríamos pelo gramado atrás da bola, ele virava o rosto. Parecia que ele não havia esquecido do que acontecera naquele dia. Eu também não.

Mas eu não queria admitir aquilo.

Contudo, aquela não era hora para pensar em beijos roubados Era hora de pensar que a nossa salvação havia chegado. Nosso craque estava trocando sinais com Piter, para que, juntos, pudessem fazer um gol. Eu, como zagueiro, marcava os atacantes do outro time, evitando o avanço do placar.

O jogo estava ficando cada vez mais difícil para os nossos adversários. Ou, provavelmente, Gustavo havia os intimidado. Aquilo estava ficando mais emocionante do que nunca.

Vinte e oito minutos: Piter dominou a bola e tocou para Gustavo: gol! 3x1. Precisávamos de mais dois gols para pelo menos termos um empate. O segundo gol foi de Piter que, com a ajuda de Gustavo, fez um lindo, de cabeça. 3x2.

O tempo ia passando. O nosso treinador estava meio que chorando, pois suas esperanças estavam voltando.

Quarenta e cinco minutos do segundo tempo: a posse de bola estava com o time adversário. Um dos atacantes vinha com a bola, na direção do nosso gol. Nosso goleio estava preparado para defender o que fosse. E eu, estava preparado para tirar a bola dos pés daquele cara antes que acontecesse o pior.

O atacante adversário, amedrontado, decidiu retornar a bola para o seu goleiro, chutando levemente a bola em direção a ele, para tocar. Porém, antes que o goleiro do time adversário pudesse segurar a bola, ela acabou entrando na trave: gol contra! 3x3.

Estávamos quase lá. Tínhamos apenas os acréscimos para que pudéssemos virar o jogo. E eu não estava acreditando no milagre que estava acontecendo.

A bola estava conosco, nos meus pés. Eu queria que Gustavo olhasse para mim, nos meus olhos, para que eu pudesse tocar a bola para ele, mas ele parecia se recusar a olhar pra mim. Veio-me a sensação de que Gus parecia nutrir um certo sentimento ruim por mim e aquilo me corroía por dentro.

— Gustavo! Gustavo! — chamei por ele, desviando-me dos adversários. Aquele gol, o gol da vitória, precisava ser dele. — Gustavo, por favor! Vamos esquecer o que aconteceu! Olha pra mim! Eu vou tocar a bola pra você!

Chutei a bola para Gustavo e, com o pé direito, ele a dominou. Ele levantou a cabeça e olhou para mim. Estava diferente da última vez que eu o vi. Mais delicado, sensível, para ser mais exato.

O que havia acontecido com ele?

— Obrigado! — agradeci, vendo ele correr, ainda dominando a bola, até o gol do time adversário.

Era incrível como ele impunha medo naqueles caras. O goleiro, que outrora se exibia, fazendo pouco caso de nós do RFC, agora tremia suas pernas esperando o grande lance do nosso craque. E eis que com um chute certeiro Gustavo Rodrigues estufou a rede e marcou o nosso quarto gol! A torcida foi à loucura. Eriberto Mangabeira, nosso treinador, caiu de joelhos e levantou suas mãos aos céus.

Fim de jogo. 4x3. Vencemos! Estávamos sãos e salvos do rebaixamento. Nosso time não acabaria!

Os jogadores levantaram Gustavo como se ele fosse um rei; e, para nós, ele era. Porém, decidi não participar da comemoração, pois eu sabia que Gustavo não queria papo comigo.

PALAVRAS DE VALESKA SOARES

Após o final do jogo, tomamos o ônibus do time e fomos para a sede do time. Isaac veio dentro do ônibus, afastado de mim. Ele sabia que eu não queria papo com ele.

Mas, na verdade, eu só não queria magoá-lo.

Teve muita bebedeira no clube. O treinador e os jogadores beberam tanto que até esqueceram qual era o motivo da comemoração. E aquilo foi um prato cheio para que eu pudesse sair dali de fininho, sem que ninguém percebesse. O meu trabalho já havia sido feito e eu prometi que nunca mais ressuscitaria o Gustavo novamente.

***

Aquela roupa fedida de jogador estava me dando nos nervos, então corri até um dos banheiros do clube para me vestir com uma roupa limpa. Eu sou burra, eu sei, mas acreditei que ninguém me veria, pois todos estavam num lugar à parte, bebendo e escutando pagode.

Vestida como uma menina, saí de fininho do clube, chegando até o portão, onde não havia ninguém. Foi quando eu ouvi uma voz, me chamando ao longe. Quer dizer, chamando o Gustavo:

— Ei! Gustavo! Que roupa é essa?

Olhei para trás: era Isaac, que vinha, com uma garrafa cheia de cerveja na mão. Lasquei-me.