POV - Lipe.

Acordei bem cedo aquele dia. Eram três e meia da manhã. Ou melhor, aquela noite. Foi estranho olhar o relógio de ponteiros e sacar que não eram uma da tarde, hora que normalmente eu acordo.

Passado alguns segundos no escuro, o sonho da madrugada bateu em meu cérebro como um chute no saco. E sim, minhas bolas ainda estavam doloridas pelos coices da égua Estrela. Olhei para o teto do meu quarto e pensei no sonho;

Era tudo molhado, eu estava completamente em baixo d'água. De alguma forma eu podia respirar, porém sem puxar o ar. Observei em volta e uma garota de cabelos negros se aproximava de mim. Ela não era humana, tinha em sua parte inferior uma calda avermelhada com uma barbatana rosada. Eu queria me aproximar, porém ela não me deixava a tocar. Apenas realizou um balanço de cabeça, o que me fez pensar que era para segui-la. E estava certo.

Ela me levou para a superfície. Não estávamos próximos da praia, e sim de algumas rochas, algumas lisas e outras pontiagudas que recebiam o mar num vai e vem d'água suave. A garota, a..foda-se, MELODY sentou em uma das pedras, deixando ainda sua calda submersa. Eu a acompanhei, não piscando nem uma vez. Eu não queria acordar.

( Musica que a sereia canta: https://www.youtube.com/watch?v=P9Ewb0G7CRE )

– Eu vou cantar, meu amor. - Sussurrou ela. As palavras " meu amor " adentraram minha cabeça e logo senti que estava corado – Olhe para o céu.

Encostei minhas costas nuas na rocha gélida. Percebendo que estava apenas com uma bermuda de banho. Obedecendo-a, olhei o céu notando que a escuridão da noite era tomada por várias estrelas que brilhavam em nossa direção. Mergulhada ao meio das luzes, uma lua minguante sorria para mim, o que me confortou.

Quando sua voz fora liberada na forma de canção, senti o meu corpo inteiro paralisar. Eu estava paralisado por não entender o sentimento que meu coração queria berrar mas meu cérebro queria negar. Por fim, eu fechei os olhos e deixei a música me embalar. Cada palavra recitada era de uma perfeição inexplicável.

Eu a amava, de todo meu coração. Não me importava ela ser metade peixe, antes de tudo ela era a minha metade. Ela seria aquela que me faria feliz pelo resto da minha vida. Como eu sabia? Ouvindo-a. Sua voz, uma voz tão doce e límpida. Mesmo de olhos fechados eu ainda via seu sorriso, aquele sorriso que me fazia delirar. Eu queria tocar seus lábios com os meus, porém a coragem que me faltava era intensa. Eu tinha medo, medo de perdê-la. Medo de que a música acabasse antes que eu pudesse dizer que a amava.

A música cessou, e mantive meus olhos fechados. Eu podia ouvir o mar quebrar-se nas rochas, mas não a ouvia mais. Meu estômago gelou. Respirei fundo, tomando coragem.

Ao abrir meus olhos, eu vi o maldito teto do meu quarto. Eu queria chorar e berrar, mesmo que fosse muito gay eu fazer isso. Mas, foda-se! Cara, porque eu havia sido tão imbecil com Melody a minha vida inteira? Eu sabia que a amava desde os meus treze anos, e eu sempre a perturbei. Agora eu tinha dezesseis e não me contentava apenas sonhar, eu queria ela realmente nos meus braços, como sereia, humana, qualquer coisa! Eu precisava da Melody. Mas ela me odiava.

A ouvi quando falava de um tal de Jason para Estrela, e isto fez meu coração parar. Acho que por isso fui tão imbecil, que maldita ideia tive de querer " seduzir " Melody. Eu me sentia um verdadeiro lixo, só conseguia pensar se a merda do Jason era mais bonito do que eu, ou até mais inteligente. Porque Melody escolhera ele? A única coisa boa daquele dia foi sentir o corpo dela em cima das minhas costas. Era como se a pele fosse um vício para mim.

" Chega! " - Pensei - " Pare de se lamentar ".

Ergui-me de minha cama, chutando para o outro lado do recinto um travesseiro que caíra ao me levantar. Cambaleei até o banheiro conectado ao meu quarto, sentindo minhas pernas tremerem. Girei a torneira da pia, vendo a água despencar de seu interior. Lembrei do sonho. " Affs! ". Curvei-me, molhando o rosto com o líquido. Após, escovei meus dentes e fechei a passagem d'água.

Eram quase quatro da manhã, o que eu poderia fazer para passar o tempo? Claro! Comer. Provavelmente as empregadas estavam dormindo e eu poderia comer. Ao sair do meu cômodo, pensei que teria que ver se a barra estaria livre. Assim, antes de descer direto, caminhei pelos corredores na ponta dos pés, indo para a porta do quarto dos meus pais.

Atento ouvi os roncos de minha mãe, acalmando-me. " É, estou seguro ". Meus pais tinham um sono bem pesado, e mamãe roncando era um bom sinal, ela não ia acordar tão cedo. Controlei a risada na garganta para não acordá-los, pensar que a maioria do povo achava que a princesa Cinderela era " perfeita ", só basta ouvir ela roncar e seus conceitos vão se modificar automaticamente.

Quando finalmente estava na porta da cozinha, notei algo estranho. Estrela estava lá, no escuro. Recebendo apenas a luz da lua que adentrava pelas vidraças. Ela parecia chorar, sentada sobre a bancada de mármore com um pote de sorvete em mãos. Me aproximei.

– Estrela? - Mantive meu tom de voz o mais suave possível para não assustá-la. Não queria que ela gritasse, muito menos me chutasse de novo.

– Ã? - Ela engoliu em seco, ela não conseguia me ver. - Quem está ai?

– Sou eu, Felipe. - Entrei na luz, esquecendo completamente que eu estava apenas vestido com um boxer shorts azulado.

No início não entendia seu sorriso acompanhado pelos soluços de choro, mas depois notei que eu estava só de cueca.

– Opa! Desculpa, eu não pensei que alguém estivesse aqui. - Voltei para as sombras.

– Nossa, Lipizinho pedindo desculpas? - Ela disse sarcástica. - Não pensei que essa palavra fazia parte do seu vocabulário.

– Pois é… Faz. E eu peço desculpas por ontem. Eu não queria que você se molhasse, nem queria perturbar vocês. E não precisa se preocupar, tudo que eu ouvi ontem eu já esqueci. - Menos do menino Jason, aquele filho da …

– Está debochando da minha cara? - Ela gemeu para falar. Na moral, ela devia ser um saco na cama. - Se for outra pegadinha, Felipe…

– Não, não é! Estou falando sério. Eu fui um completo idiota, ou melhor, venho sendo desde que éramos crianças. - Bufei, ainda nas sombras.

– Sabe, eu concordo com você! Mas, éramos pequenos, você fez a minha infância mais divertida. - Jura que ela está admitindo isso? Devia estar mal mesmo.

– Ei, desculpe perguntar mas…– Agora que usei " desculpas " não conseguia parar. - Porque estava chorando?

– Ér... O Jake.

– Jake, meu amigo Jake?

– Sim, seu amigo Jake.

– O que ele fez?

– Venha cá ver. - Ela me chamou. Exitei em sair das sombras, mas tomei coragem. Recebi a luz em meu corpo, ignorando que eu estava seminu. Estrela riu um tanto fraca. - Olhe, eu recebi essa carta durante o jantar.

Ela me entregou, o papel estava meio úmido. Imaginei que fosse as lágrimas dela. Ignorei, lendo-a:

" Garota desgraçada, não se aproxime do meu Jake! Sim, meu Jake! Estrelinha, achas que só porque é princesa de um maldito reino pode roubar os namorados das outras? Não queridinha, nem pense em se aproximar do meu Jake! Se não eu sou capaz de rasgar as suas tetas caídas com as minhas unhas, sua vagabunda infame! E antes que tente alguma coisa, eu conversei com o meu namorado e ele sabe o que anda acontecendo. Você Estrela foi derrotada por mim, Charlotte Tremaide Terceira, filha de Griselda Tremaide e neta de Lady Tremaide. Beijinhos cobra, durma solitária no seu universo de princesa de contos de fadas. Lembrando, finais felizes são para os fortes, bons sonhos Bela Adormecida. "

– Você tem certeza que isso é real? - Indago-a, pensando se Jake realmente estava maluco em trocar Estrela por Charlotte.

– Tenho, Jake não me responde a semanas! Pensei que estivesse viajando, mas pelo jeito ele deve estar colado com a Tremaide. - Cessou-se, voltando a desabar em lágrimas. Naquele momento o meu sonho não era o centro das minhas atenções, eu nunca tinha visto Estrela chorar, ela se mostrava tão forte. Os seus soluços eram de cortar o coração.

– Não fique assim. - Aproximei-me mais de Estrela. Por algum motivo idiota, notei que ela estava sentando em um ponto onde havia mais luz. - Não chore por quem não merece.

– E-eu tento Felipe, eu tento parar. - Gaguejando, ela continuou: - Eu sempre soube que eu ia sofrer, sempre! Tentei acordar Melody, mas ela estava ocupada demais sonhando com o Jason!

– Ér, você não precisa da Melody. - Eu não precisava da Melody, se ela quer o Jason, que fique com este maldito Jason. - Eu estou aqui para você.

– Felipe, outra cantada?

– Não! Estou falando sério. Acha mesmo que eu viria para a luz vestido apenas com um boxer shorts? Não! Quero te ajudar realmente, me corta o coração ver você chorar! - Ok, chega Felipe, já está parecendo uma moça. - Não quero que se sinta triste, você é tão especial Estrela, muito especial! Você é bonita, se veste bem, tem um jeito peculiar. É a garota perfeita.

Realmente eu não calava, eu estava desesperado para fazê-la se sentir melhor. Eu estava péssimo com o meu sonho, já bastava a minha tristeza naquele castelo. Porém, algo estranho aconteceu. Ela fixou seus olhos nos meus, e me observou por alguns segundos. Notei que suas lágrimas pararam de escorrer.

– Não se sinta mal. - Eu deslizei meu polegar da mão direta em sua bochecha, retirando a lágrima que sobrara ali. Naquele momento, eu estava bem próximo dela.

– Eu..Eu.. Não quero mais sorvete. - O pote de sorvete de Creme estava entre suas pernas. Ela o retirou da li, pondo-o para trás. Meus lábios se esticaram, formando um sorriso em minha boca.

– Ér, se sente melhor?

– Sim, obrigada pelas suas palavras de carinho. Vejo agora que você é um cara legal. Antes pensava que você era metido, talvez eu estivesse enganada.

– Não sei, talvez eu tenha sido realmente muito idiota.

Me posicionei na frente dela, observando-a. Meus olhos não queriam parar de olhá-la e acho que os dela também não queriam se desprender de mim pois ela me encarava. Respirei fundo, sentindo meu estômago gelar. Não! De novo essa sensação não! Já chega. Por um impulso, aproximei meu rosto do dela, observando sua reação. Ela estava imóvel. Eu fechei os olhos, e toquei nossos lábios sem medo.

Naquele momento eu não pensei em nada. Não pensei em Melody e nem na porcaria dos sonhos que havia tendo. Eu estava concentrado no sabor da boca de Estrela. Era um sabor suave de morango. Mas o melhor era a sensação sentir os seus lábios macios nos meus, sua textura, sua suavidade.

A princípio ela paralisou, porém alguns segundos depois ela retribuiu o beijo, envolvendo os braços em meu pescoço. Eu me encaixei entre as pernas dela, tendo meu corpo colado à bancada a qual ela estava sentada. Estrela acariciava meus cabelos, enquanto eu cessava o contato de nossas línguas e descia pelo seu pescoço. Ela tinha um cheiro maravilhoso, o que me deixava ainda mais louco.

—Felipe! - Ela arfou, recuperando o folego. - Acha mesmo isso certo?

—Eu acho que sim, princesa. - Cessei meus beijos em seu pescoço e a observei. - Eu estou triste e você também, estamos apenas nos reconfortando.

—Concordo. Amigos? - Seus olhos fixos nos meus, eu sentia que ela queria me beijar.

—Amigos.

Nossos lábios se tocaram novamente e ficamos nessa durante alguns minutos. Propus então que subíssemos para o meu quarto pois a qualquer momento um empregado poderia nos ver daquela forma e imaginar coisas. Rapidamente ela concordou. No intuito de emprisionar, a coloquei em meu colo, segurando suas pernas com um braço e o outro apoiado em suas costas. Ela envolveu seu membro superior em volta do meu pescoço, o que me fez beijá-la novamente. Estávamos na típica cena de noivo e noiva.

***

POV – Melody

O despertador de corda soou às nove e meia da manhã. Faltavam exatamente uma hora para eu, Estrela e o diabo passearmos pela Vila dos Camponeses. Era obrigação de qualquer príncipe andar pelo seu povo mostrando respeito e admiração. Um reino forte era um reino unido.

Erguendo-me do meu colchão, enfiei uma pantufa macia de gatinho em meus pés. Fui até o banheiro no intuito de lavar o rosto, escovar os dentes e prender o ninho de pássaros denominado “meu cabelo”. Não fiz nada de extravagante, apenas um rabo de cavalo.

Olhei-me no espelho pela última vez. Sentia tanta falta do mar. Minha pele já estava ressecada e meus olhos um tanto fundos. Quando aceitei a transformação de meu avô, a qual consistia em me tornar sereia sempre quando eu tinha contato com a água do mar, não imaginei que faria meu corpo precisar de lá. Já fazia uns três dias que não entrava no oceano.

Eu estava tentando convencer Estrela a ficar umas horas sozinha com Felipe enquanto eu ia nadar com Jason. Diferente do reino de Ambrosia, em Cristal a praia era muito distante do castelo. Então, andar pela vila dos camponeses era a desculpa perfeita! Mas, eu duvidava que Luz ia aceitar ficar sozinha com o inferno, eles se odiavam.

Chegando no Salão de Banquetes, me deparei com meus pais, meus tios Edward e Phillip e minhas tias Aurora e Cinderela. Entretanto, Estrela e Felipe não estavam lá. “Só espero que eles não tenham se matado”.

—Oi pessoal! - Cumprimentei a todos ao esticar um belo sorriso em meus lábios. Durante o ato, sentei-me ao lado de minha mãe.

—Queria, onde está Estrela? - Perguntou-me Aurora, demonstrando certa preocupação.

—Eu não sei. Não a vi até o momento. - Recitei-lhe, enquanto era puxada por minha mãe. Ela me abraçava e me dava beijos na bochecha, até parecia que não me via a anos.

—Mãe, o que foi?

—Nada! Uma mãe não pode amar a própria filha?

—Claro, me desculpe. Estou meio desanimada hoje. - Eu havia notado o tom de magoa em sua fala, não gostava de a fazer se sentir mal.

—Não quer ir à Vila?

—Claro que quero, será uma aventura… Mas, sinto falta do Jason. - Eu murmurei, mesmo se eu tivesse berrado meu pai não teria ouvido. Quando ele está com os amiguinhos, sinto até dó da minha mãe. Mas, ela fica com as amigas dela e não se sente mal. - Mas mãe, falando de você: Como anda a gravidez?

—Haha… - Ela riu sarcasticamente. - Faz de tudo para mudar de assunto não é? E para a sua informação minha querida, anda muito bem. Tive um pouco de enjoo ontem a noite, mas sei que isto é natural.

—Eu te fazia vomitar muito?

—Sim! Até que seu irmão ainda não me fez passar mal ao ponto de vomitar. Ah! Melody, me lembrei de algo importantíssimo!

– Diga-me drama, o que de tão importante a senhora lembrou.

– Temos que escolher o seu vestido para o baile.

– Pois é! “Importantíssimo” eu diria. - Zombei, sorridente.

– Eu te amo minha flor, agora coma! Tem que estar forte para andar na feira sozinha. - Ela estalou seus lábios na minha testa e voltou a comer seu pãozinho com manteiga.

Fisguei uma maçã sobre a fruteira e a abocanhei sem muita fome, novamente, Jason era o centro das atenções do meu cérebro.