Absinthe estava sentada, havia se esquecido da água e agora secava olhando para o céu, o rapaz já havia ido embora naquele momento, e ela revia suas palavras com cuidado.

“Eu vim de meu exílio fazer um favor de guerra a Lukariel... Pagar minha dívida... Minha e de minha espécie... Pela clemência que eles demonstraram diante de nossa traição ao voto...”.

Lukariel poderia ser... Será?

E aquele rapaz poderia ser... Um Eterno?

Ela sempre havia pensando que os Eternos haviam morrido, quando começou a guerra, mas agora que pensava nisso realmente não fazia sentido, afinal com ou sem guerra, eles eram eternos...

Com suas leituras testes e pesquisas, Absinthe havia descoberto que os Eternos não eram um povo guerreiro, eram nômades, e vivam em paz com todos os outros, ao contrário das outras famílias, com suas tendências a disputas e comportamento hierárquico e um tanto instintivo.

Mas aquele rapaz... Ela relamente acreditava que ele pudesse ser um Eterno, e se ele estava vivo, talvez outros estivessem.

Essa possibilidade criou um brilho curioso nos olhos de Absinthe.

Sozinha ela imaginava, se houvesse um Eterno, talvez pudessem haver mais, talvez muitos Eternos, quem sabe estivessem todos vivos, vivendo em exílio...

- Talvez...

E pela primeira vez em dias, talvez semanas, Alexis foi varrido de sua cabeça por alguns momentos, enquanto pensava sobre sua talvez recém-descoberta família.

- Vou lutar... Lutar por meu nome e minha casa... E por minha vingança.

***

O dia já estava marcado, não era mais uma luta comum, e as casas tiravam suas roupas de guerra de dentro dos armários, dobradas e com o forte cheiro de mofo, preparando-se para uma guerra oficial e declarada.

Alexis fazia o mesmo quando Giovanni bateu na porta.

- Fratello, talvez você queira ver quem está lá na sala.

- Agora não, Giovanni, estou ocupado.

- Tem certeza?

- Por que não teria?

- Por que Dilian Lovoisier está sentado na nossa sala de estar.

A porta do quarto se abre num estrondo, e Alexis irrompe de dentro dela com um ar ultrajado.

- O que?! Com ordem de quem?!

- Minha. – Luka vinha pelo corredor, com um olhar resignado.

- Luka! Você não tem poder de decidir algo desse gênero sem me consultar primeiro! É inadmissível!

- Eu sei. E vou aceitar qualquer punição que escolher para mim, mas agora, ele é uma peça importante na tentativa de salvar essa casa, e também todas as outras.

- Será que você não poderia ter ao menos me comunicado?!

- Poderia, mas não o fiz. Como disse vou suportar qualquer castigo que me julgar adequado, meu irmão. Mas peço, por favor, me deixe falar com ele.

- ... Sua punição será muito séria, isso é alta traição. Arrastar um exilado traidor para dentro de minha casa sem meu consentimento é algo muito grave, e você sabe disse.

- Sei. E estou pronto para arcar com as consequências se assim julgar necessário.

- Então vá. Mas esteja ciente de que isso não passará em branco.

Luka desceu as escadas, tinha um ar sério, mas conformado. Caminhando até a sala de jantar ele se sentou na poltrona em frente a que o Lavoisier estava.

- Lavoisier.

- Devareaux. – ele declara discretamente, com um aceno de cabeça.

- Como sabe, o chamei até aqui, pois precisava de um favor.

- O que precisar, filho da noite. Ainda carrego uma enorme dívida de sangue contigo por teres demonstrado tanta clemencia com minha família e comigo, mesmo após a traição de nossos filhos.

- Sabemos que vocês possuem um enorme poder sobre seus filhos, poder que pode influenciar a todos eles de forma direta.

- Esse poder só se enfraquece com o passar dos séculos, mas sim, ainda o temos. Porém este só funciona quando suas mentes não estão tentando nos manter longe, ou quando eles não sabem de nossa presença.

- Isso é algo quase unânime hoje, e é por isso que os chamei aqui.

- Peça.

- Queremos que vocês ceguem a humanidade por quatro horas.

- Toda ela?

- Isso. Conseguem fazer isso?

- Se estivermos eu e meus parentes diretos, talvez consigamos.

- Sei que seu povo não é guerreiro, então é só isso que peço.

- Quer que os façamos invisíveis aos olhos da humanidade.

- Sim, todas as pessoas desde país devem se tornar incapazes de ver a mim e aos meus irmãos, assim como as outras raças.

- Nós tentaremos filhos da noite, tentaremos o máximo que pudermos.

- Eu agradeço Dilian. Muito.

- É o mínimo que podemos fazer depois de todo o mal que causamos.

- Então é um pacto?

- É.

Luka tirou uma pequena navalha de um embrulho de veludo marrom do bolso, deixando uma folha de papel sobre a mesa e estendendo o pequeno objeto cortante para aquele que se encontrava a sua frente.

Este, pegou o objeto nas mãos, talhando a pele da palma da mão esquerda com a lâmina e deixando que algumas gotas de sangue róseo pingassem sobre a folha de papel, em seguida estendendo o corte para o filho da noite, na intenção de que ele o cicatrizasse.

Luka pegou um vidrinho no bolso do casaco, tomando a mão cortada com a própria, e pingando o liquido transparente e levemente esbranquiçado sobre o corte, que o absorvia como uma esponja.

- Não posso cicatrizar sua ferida da maneira convencional, me tomou muitos anos de vida até me habituar com o sangue de seus filhos, e tenho certeza de que se levar o seu a boca, levarei mais muitos anos para me habituar novamente.

- Deve ter sido estranho ter vivido somente com o sangue mais fraco de nossos filhos mortais.

- Deve ter sido estranho ter vivido sem nosso veneno e nosso sangue para defendê-los de doenças.

- “Estranho” não é bem a palavra que eu usaria para definir aquilo que sentimos.

- A abstinência deve ter sido extremamente dolorosa.

- Foi. Minha pobre irmã Dora morreu nesse processo.

- Eu sinto muito.

- Não sinta, ela está morta por que eu fui fraco e não consegui impedir a guerra, controlando os meus filhos.

Ele olha para o teto, fechando os olhos por um momento e respirando fundo, voltando a olhar para baixo logo em seguida.

- Nós viveremos em vergonha e punição eternos como nos foi condenado...

Luka sentindo um leve amargo no fundo da garganta, sempre odiou ser o carrasco.

- Nada nunca pagará a dor e o sofrimento que nossa indolência ocasionou... Uma vida não vale outra...

Ele se põe de pé.

- Eu agradeço sua hospitalidade e gentileza para com uma alma maldita e condenada como eu, filho da noite. Você continua tendo um coração muito piedoso e gentil.

Ele então caminha em direção a porta, abrindo-a e encarando a escuridão da noite, onde chovia pesadas pancadas de água gelada e espessa.

- Dilian. – Luka se põe de pé.

Ele meramente vira os olhos opacos na direção de Luka, parando em seu caminho na direção da água que vinha do céu, e dos relâmpagos que rasgavam o tecido grosso da noite.

- Eu posso leva-lo, é um longo caminho e está chovendo muito.

- Eu novamente agradeço a compaixão, filho da noite, mas a água alivia minha culpa, e a caminhada exorciza meu arrependimento... Será bom para a minha sanidade se eu não for mais atormentado pelo sentimento de débito que sinto em cada parte do meu corpo em relação a você e seus irmãos, mas principalmente a você, que interviu a nosso favor.

- Se... Você acha melhor.

Dito isso, Dilian deixou a casa, sendo imediatamente assolado pelas fortes gotas de água fria e pesada que caia de maneira impiedosa do céu.

Luka caminhou vagarosamente escada acima, entrando no escritório onde Alexis trabalhava e postando-se diante dele.

- Eu estou pronto para receber o meu julgamento agora.

- Eu reunirei os outros irmãos e decidiremos o que fazer, Luka. Enquanto isso espere em seu quarto.

- Eu esperarei.