Giovanni adentra a sala de reuniões, alguns papéis nas mãos, algumas folhas debaixo de um dos braços, tentando colocar tudo numa ordem aceitável.

- Fratello, io fui ver onde aquele maledeto estava, e descobri que ele está numa área perto da biblioteca municipal.

- Não, se formos até lá ele provavelmente vai mudar de lugar, agora começamos um jogo de predizer o que o outro fará antes que faça... Ele é covarde o bastante para esperar por nós com armar de fogo humanas, com balas folheadas a ouro.

- Enton o que faremos, fratello?

- Luka, eu vou precisar de você.

- Pra que?

- Preciso que fale com Caim.

- Por que eu?

- Ele parece não te odiar tanto quanto odeia o resto de nós... – Alexis gesticulou com uma das mãos, jogando as costas no encosto da cadeira.

- Bem... Se é importante... – Luka pisca algumas vezes, olhando para o bonito centro de mesa. – O que quer que eu diga?

- Preciso que peça a ele que nos ajude com a mente de Vincent... – ele mesmo na parecia satisfeito com a ideia. – Se puder ir até lá...

- Muito bem, o sol vai se pôr em pouco tempo, posso sair então.

- Obrigado. – ele massageia as têmporas. – Giovanni e Dylan.

- Sim? – os dois disseram em coro.

- Vocês dois saem pelas boates. – um grupo grande de mestiços chama bastante a atenção. – Sejam... Persuasivos, sim?

- Como quiser, fratello. – Giovanni sorri.

- Aham. – Dylan concorda, apoiando a cabeça nas mãos.

- Ivan e Lud.

- O que? – Ivan se manifesta.

- Sim? – Lud diz, olhando pra ele, largando a caneta com a qual brincava até agora.

- Vocês dois saem pela cidade procurando cheiro de sangue ou rastros de mestiços. Ivan, fique de olho para que Lud não cause problemas.

- Alexis... – Lud parece chocado.

- Ora, cale-se Lud. Não posso deixa-lo sair se exibindo pela cidade, não estamos mais em condições de deixar com que uma besteira atrapalhe o progresso da operação, você não quer que o que aconteceu com Giovanni se repita, quer?

- ... Não... – Lud voltou os olhos para o chão, detestava ser repreendido por Alexis.

- Vou falar com os demônios e com os anjos, as coisas mudaram, estão tentando nos matar.

***

Luka caminha até a casa de Caim, onde teria que falar com ele, pedir-lhe um favor, na verdade.

Ele bate na porta.

- Olá... Ah, um filho da noite. – a nota de desprezo na voz de Antoine, um dos mais velhos, é muito audível e muito clara.

- Seu irmão está em casa?

- Qual deles? – ele pergunta, de má vontade.

- Caim.

- Ele está ocupado.

Antoine permanecia parado, com a porta parcialmente fechada, segurando a maçaneta, claramente querendo que Luka vá embora.

Luka suspira, olhando pra Antoine, que parecia recusar-se a cooperar.

- Tudo bem... Vamos ver se você entendeu. Você sabe que o futuro da minha espécie está em jogo, não sabe?

- Não, filho da noite, você que não entendeu. Eu sei sim, mas eu não me importo. – um sorrisinho cínico.

O grito que se seguiu ecoou na casa toda, todos desceram até a sala, onde Luka torcia o braço de Antoine para trás, nas costas, mantendo-o de joelhos com um dos pés em suas costelas.

- Peça desculpas ou quebro seu braço, imortal...

Antoine continuava em silêncio, com seu braço sendo torcido para trás num ângulo terrível.

Caim se aproximou calmamente pela escada, olhando a cena, os outros observando preocupados, porém impotentes, sabiam que Luka era muito mais forte e perigoso que qualquer um deles... E que colocaria pelo menos três deles no chão antes de ser detido.

- Antoine, peça perdão ao Sr. Luka... – disse calmamente.

- O que?! Mas mestre-

- Não me contradiga!

Antoine mordeu a língua, abaixando a cabeça, e engolindo o amargo no fundo da garganta.

- Perdão... Sr. Luka...

- Ah, não tem problema. – Luka soltou seu braço, deixando-o de joelhos no chão. – Olá Caim.

- Olá Luka. – Caim sorriu simpático. – Por que veio até aqui?

- Preciso de um favor.

- Para você, ou para o seu irmão desprezível?

- Para toda a minha família.

- Já não me sinto muito inclinado a ajudar, já que também não simpatizo com seus irmãos.

- Então considere que é para mim, apenas.

Um suspiro. – Diga o que quer e eu direi se posso ajudar.

- Seu irmão caça ao meu, a todos nós na verdade, e precisamos que nos ajude a enxergar melhor a mente dele.

- Para isso teria de ir até a casa de vocês...? – perguntou, desconfiado.

- Se preferir, eu venho até aqui. Só mantenha seus animais em coleiras. – disse, olhando rapidamente a Antoine, que torceu o nariz.

- Bem, claro, sua chegada será anunciada... Não será, Antoine? – disse, voltando seus cortantes olhos dourados até Antoine, que congelou na cadeira.

- Sim senhor...

- Vê? Não haverá problemas.

- Às vezes sua tirania me assusta, Caim... – Luka diz, reclinando a cabeça levemente para a direita.

- Sempre fui um senhor tirano, não é novidade.

Um suspiro. – Às vezes penso que sou a única coisa que impede você e meu irmão de mandarem o pacto de não-hostilidade para o inferno e começarem a se matar indiscriminadamente.

- Bem, de minha parte posso afirmar que é esse o caso. – um sorriso casual.

- Oh céus...

***

- Cartier, Valsher, é muito bom poder vê-los novamente. Chamei vocês até aqui por que as regras mudaram, agora o traidor está tentando caçar a mim e meus irmãos. Então, preciso esclarecer... – Alexis reclina o corpo para frente na cadeira. – Qual de vocês está comigo?

- Minha aliança com a sua raça permanece, filho da noite. Os Walsherlian não pretendem abandonar o pacto. – Cartier declara simplesmente.

- É bom saber, Cartier. – um breve sorriso. – Valsher, o que os anjos pretendem?

- Se uma das quatro casas cair, o equilíbrio será quebrado, precisamos que vocês existam para manter a ordem. Então os anjos pretendem tomar partido a favor de vocês, filho da noite.

- Agradeço a você também, Valsher.

- Não agradeça, não fazemos isso por você.

- Não agradecemos por simpatia também. – disse simplesmente.

Cartier ri discretamente.

- Hump. – Valsher diz, contrariado.

- Amanhã nos encontraremos, temos muito a discutir ainda.

- Que assim seja feito, senhor dos Devareaux. – Cartier concorda, com um leve aceno de cabeça.

- Muito bem. – Valsher emenda pouco depois de Cartier.

***

Luka voltava para casa, imaginando como os outros haviam se saído, entrou em casa, caminhando pelo ambiente vazio, olhando os arredores da casa, seus olhos correram livremente pelo aposento vazio... Esbarrando em Lud, sentado num dos cantos da casa, olhando para o teto de forma desinteressada e absorta.

- ... Lud...? Você e Ivan já terminaram?

- Eu... Não fui. – disse, sem tirar os olhos do teto.

- Algo aconteceu?

- Não é nada, Luka. Esqueça.

- Muito bem, Lud. – Luka da de ombros, caminhando pela escada.

- Luka, eu...

Luka para em seu caminho, olhando para trás, de volta para o irmão.

- Hm?

- Eu... – as palavras não saiam, não importava a ordem em que Lud tentasse coloca-las. – Ah...

Uma exclamação frustrada, Lud afunda o rosto em uma das mãos.

- Lud...? – Luka senta na escada, esperando uma resposta.

- Eu queria...

- Queria...?

- Me desculpar... Por ser tão impulsivo, e cabeça quente, e problemático... E sarcástico, e impertinente, e...

- Certo, acho que entendi intenção, Lud.

- A questão é que... Eu... Me sinto culpado, por pegar tanto no seu pé.

Luka desce as escadas, afundando o rosto do irmão pouco articulado no peito, afagando lhe os cabelos loiros e finos. Ele imediatamente tranca suas mãos na cadeira, arrancando um pedaço da madeira dos braços da poltrona feita sob encomenda trezentos anos atrás.

- Ora Lud, não seja tão acanhado, você e Alexis são tão parecidos nesse aspecto... – um suspiro de desconsolo. – Dois brutos que não sabem como lidar com um abraço que não venha de uma mulher.

- Hm... É... Luka...

- Cale-se e aproveite o abraço, Lud. Não vai ganhar muitos como este, só recomponha-se e volte a me atormentar por parecer mulher sem tentar. – um sorriso calmo e espontâneo.

- ... Está bem... – um sorriso tímido, Lud nunca fora muito bom no trato amigável com seus irmãos, principalmente Luka... Para ele, Luka sempre se assemelhou demais a uma mulher para que pudesse trata-lo com a mesma grosseria que tratava os outros.

Tinha medo de quebra-lo, ele sempre fora menor e mais frágil... Esteticamente, pelo menos... Parecia uma boneca de porcelana... Com olhos platinados e caninos afiados... Mas uma boneca ainda assim.

Não sabia ao certo como trata-lo ou se portar com ele, fato que só se sobressaltou com sua bissexualidade. Em verdade, Lud nunca foi dos melhores quando se tratava em falar com mulheres... Elas simplesmente se atiravam nele sem que ele precisasse pedir, e com o tempo, ele desistiu de tentar.

Mas Luka, além de ser seu irmão, o que o impedia por razões quase que psicológicas de tentar seduzi-lo de qualquer forma, era, por mais que não parecesse, HOMEM.

Lud ficava mais tranquilo não tendo de dizer nada, e por mais que nunca fosse se manifestar, estava confortável com o cuidado despretensioso que o irmão lhe prestava. Luka sempre foi o mais delicado dentro da casa, e nunca teve problemas em consolar ou cuidar dos irmãos que pedissem, tinha por todos um cuidado muito próximo e maternal, o que fazia com que ele ocupasse um papel anestésico na vida daqueles que com ele viviam.

Talvez fosse por conta dele que estivessem todos sãos até aquele ponto, nos tempos da guerra, frequentemente via Giovanni e outros, que agora não estavam mais entre eles, chorando suas dores, suas mágoas e suas perdas com ele, que sempre os tratou com estima e suavidade, deixando que chorassem, afagando seus cabelos como fazia agora, com ele...

Na época, sentia uma certa inveja dos irmãos por conseguirem expurgar suas dores daquela forma, tão tranquila e saudável, chorando no irmão mais velho, sempre tão dócil e prestativo. Mas ele... Não, simplesmente não conseguia se imaginar fazendo algo assim... Tinha medo, de certa forma, medo de que o irmão o julgasse como fraco, impotente... Não poderia, nunca nem sequer se atreveu a pedir.

Sempre tratou o irmão mais velho de forma áspera e fria, mas não por que não gostasse dele, gostava dele na mesma intensidade que gostava de Alexis... Mas era um tipo de gostar diferente, respeitava Alexis e sua palavra sempre foi a lei para ele, nunca nem mesmo a questionaria.

Mas Luka... Era um conforto tê-lo por perto, sua presença sempre tinha o poder de acalmar o espirito daquele que os cercavam, também o respeitava, mas como um... apaziguador, das angustias que carregava.

Sentia-se idiota por ter de dizer algo sarcástico, ou grosseiro sempre que o via, mas não o fazia por mal, somente não saberia fazer nada diferente, não sabia se estava pronto para receber a simpatia do irmão, sempre viu como ele tratava ao resto, como ele e Alexis viviam um sistema de co-dependência puro e desprendido, admirava como se entendiam e desentendiam, mas voltavam a se entender.

Como eram capazes de ignorarem a própria dor para proteger e cuidar do irmão.

Mas naquele momento, via-se desprovido de seu sarcasmo e ironia, e sentia-se com a estranha e amedrontadora vontade de chorar seus anos de silêncio e abstinência no irmão, pedir-lhe perdão por seu comportamento estupido, e por seu silêncio em todos os funerais, em todas as perdas que sofreram.

Seus olhos arderam, mas não fez mais do que isso, acorrentou a dor novamente para o fundo do peito, e por fim, depois de sua própria batalha interior dormiu, acalentado pelo perdão que o irmão tão gentilmente o concedia sem pedir nada em troca...

- Vocês são dois idiotas... Vocês dois... Sempre querendo aguentar tudo sozinho... – um suspiro tranquilo. – Seus olhos são de prata, mas vocês não são de ferro... Mas muito bem, eu cumprirei meu papel... Estarei aqui... Quando chamarem. – ele sorri sozinho, pensando naquilo que teriam pela frente, não seria fácil, mas Luka prometeu que choraria por ele e pelo irmão... Então...

Que viessem as lágrimas.