- Não, por favor, não o meu irmão! – Luka permanecia inquieto, não havia sinal de reação, de qualquer tipo, a respiração de Alexis estava parada, sua mente era silêncio.

- Luka...

- Não! Ele não vai morrer! Eu não permito isso!

Luka atravessou a sala antes que qualquer um pudesse fazer qualquer coisa, fincando os dentes no pescoço do irmão, mandando um generoso pulso de adrenalina por seu corpo através de seu sangue.

Todos prenderam a respiração, era contra as leis morder a um irmão, era uma das mais antigas e mais sagradas leis que existia entre eles.

“Não morderás um irmão, ou serás jogado em dor e pesadelo, até expurgares teus pecados de tua carne”.

Perdeu mais veneno do que podia, estava exausto. No momento que ouviu o primeiro e hesitante pulso no peito do irmão, desmaiou, inerte no meio da sala.

Todos começaram a ouvir o som pulsante e vivo do peito do irmão que tinham conseguido, finalmente, arrancar dos braços frios da morte, mas ao mesmo tempo, ouviam o pulso de Luka minguando.

- Ah... Não... – Ivan atravessou a sala, tomando Luka nos braços, sua expressão leve e tranquilizante estava pálida e abatida, com olheiras arroxeadas abaixo dos olhos. - Luka... É demais... Por que fez isso...?

Lágrimas ardiam no rosto de Ivan, mas ele as segurava o melhor de podia, não... Não seria fraco naquele momento, seria forte, forte pela irmandade, forte pelo sacrifício que Luka fazia para salvar o irmão, não o envergonharia se acovardando diante dos problemas!

Enxugou as lágrimas prontamente.

Luka sabia que seria jogado em dor e punição se quebrasse essa regra, estava ao lado de Alexis no dia que ele pronunciou isso a todos, aceitara o pacto de sangue, e com isso, o juramento com a irmandade, sua proteção e suas leis... Mas agora, sofria sozinho... Um sofrimento que ninguém poderia aliviar... Vivendo seus pesadelos...

***

- Ora, mas vejam quem voltou...

Novamente lá estava ele, sua alma, parada lhe observando, agora com toda a sua beleza e majestade totalmente recomposta.

Estavam numa sala branca, Luka estava sentado, encostado a parede, sua alma estava recostada a parede, as presas salientes sob os lábios róseos, as vestes brancas, os olhos prateados luminosos, o cabelo muito longo, quase no joelho, como costumava usar, antes de decidir que numa vida cotidiana, não seria prático, as madeixas douradas enroladas nas pontas, e os olhos em deleite sádico e cruel.

- Fá-lo-ei pagar por todos os anos que me fez sofrer... Então, não haverá mais debito comigo.

Luka contemplou o teto por um momento.

- Entendo... Essa é minha punição... – um momento de silêncio – Mas eu honrei minha promessa, protegi ao senhor de minha casa com minha vida... – um suspiro. – Afinal, sangue é mais grosso do que lágrimas... – ele então volta seus olhos a si mesmo, sua figura sedenta por vingança. – Eu aceito minha punição... Só espero que saiba que não poderei tolerá-la em silêncio como você fez.

***

Alexis desperta, cansado, dolorido, sentindo pulsar os nervos destruídos, extremamente cansado, a vista turva, mas os sentidos alertas, a lembrança da dor o põe sentado em poucos milésimos de segundos, procurando a ameaça pelo aposento onde os Giovanni, Dylan e Lud se encontravam dispostos como manequins.

Lud dormia a sono solto, recostado em uma das poltronas de veludo que se encontravam espalhadas em um dos infinitos quartos, agora desocupados, da mansão Devareaux. Os outros dois, Giovanni na janela, olhando o céu negro e sem estrelas, e Dylan, no braço do único sofá do cômodo afundado no cheiro fraco de mofo, naftalina, sangue e estresse, esperavam que o irmão acordasse, enquanto Ivan vigiava o sono perdido o sôfrego do irmão que havia se sacrificado para acordar o outro.

- O... Que aconteceu...?

Os olhares de todos se voltam a ele, com receio e preocupação.

- Como se sente, Alexis?

Era uma pergunta idiota, mas precisava ser feita.

- Onde está Ivan...? – pousou uma das mãos sobre a testa, tudo rodava.

- Com Luka... – Dylan disse, em voz baixa, quase como se não quisesse que Alexis ouvisse.

Os olhos de Alexis se arregalaram em desespero, não importava o quanto a luz o causasse dor, a menção do irmão de repente o alarmou.

- Ele está bem?! Algo aconteceu?!

- Ele... mordeu você... Para salvá-lo da morte.

Alexis coloca uma das mãos sobre a ferida leve e cicatrizada no próprio pescoço, onde sentir um leve formigar, os olhos ainda arregalados.

- Ele... Me mordeu?! Vocês deixaram?! Sabem o que vai acontecer com ele agora! Como vocês podem?!

Ele levanta de súbito, o chão falta, ele apoia na parede, mas não para, atravessando o quarto na direção da porta.

- Alexis... Está fraco! Non saia andando por ai! – Giovanni se manifestou.

- Cale a boca Giovanni!

Giovanni se silencia, parando seu percurso até ele.

- Ele fez isso pra salvá-lo Alexis! Qualquer um de nós faria o mesmo!

- Vocês são todos um bando de imbecis! Não se joguem para o sofrimento por uma ordem que eu dei! Eu estava ciente que algum dia eu tivesse que escolher-

- Cale a boca você Alexis! – Ivan grita, parado na porta.

Alexis olha pra ele chocado.

- Não se atreva a menosprezar o sacrifício dele como se fosse um erro irreparável! Ele tinha ciência de que isso aconteceria! Será que você não pode parar de ser ingrato pelo menos uma vez na sua vida e deixar que ele se preocupe com você?! – a expressão de Ivan tinha uma dor escondida que todos sabiam identificar. – Ele estava sendo forte! Quando nenhum de nós foi! Forte por você, pela irmandade! E você agradece desprezando ele! Cretino! – um tapa estala do lado direito do rosto de Alexis, Ivan tem realmente uma mão pesada.

Alexis nunca esperaria um comportamento assim vindo de Ivan, poderia esperar até mesmo de Lud, mas não de Ivan... Mas... Ele estava certo... Por que não se deixava receber auxilio nenhum? Luka sempre estivera lá... Em apoio silencioso... Talvez por isso se sentisse tão desesperado quando pensou tê-lo perdido para sempre...

Lud se levanta de súbito.

- Ivan! Mas quanto atrevimento! Como você se atreve a-

- LUDWIG, CALE A SUA MALDITA BOCA OU VOU APLICAR O CORRETIVO QUE VOCÊ MERECIA TER RECEBIDO HÁ QUASE MIL ANOS! SEU FEDELHO CRETINO E PUXA SACO! – Ivan bota o irmão mais velho contra a parede, pode ser mais velho que ele, mas com certeza não é mais alto ou mais forte. – Seu irmão se sacrificou pra salvar seu maldito objeto de adoração! Então cale a boca e demonstre alguma gratidão!

Lud o encarava em choque, Ivan estava claramente frustrado.

- Mais alguém quer ser ingrato?! – ele pergunta olhando ao redor, mas somente rostos chocados o encaravam. – E parem de gritar... Luka está dormindo.

Ele então sai do quarto e volta ao seu papel de acompanhante, tentando como pode amenizar a dor do irmão, que havia propositalmente se atirado na dor e no sofrimento por tempo indeterminado somente para salvar o irmão que o desmerecia... Não era justo! Ivan sempre desprezou injustiça...

***

Absinthe acordou sozinha, deitada na mesa de pedra da cara dos Walsherlian, com dois ou três crianças perdidas sentadas ao redor, ignorando sua presença, pois os mestres lhes disseram que não a fizessem nenhum mal... E sendo assim, ela não era importante.

Ela olha nervosamente os pares de olhos negros que a cercam, eles não demonstravam nenhum interesse, somente a ignoram, parecem cães, mas somente em comportamento... É possível que sejam esses os lobisomens, mas não quer pensar nisso.

Ela desce receosa da mesa, andando incerta pelo aposento, não fazia ideia de onde havia ido parar... Ou como sairia...

Ela caminhava incerta pelos corredores escuros, enroscados, todos muito semelhantes, pregueados com os sons fracos dos sussurros das crianças perdidas pelos cantos mais escuros ou passando como uma brisa. Às vezes sentia que estava sendo seguida, e uma ou duas vezes olhou pra trás, não encontrando nada além da escuridão e o eco de seus passos.

Então aconteceu.

Quando olhou novamente para frente encontrou a expressão irritada de um homem muito alto, de olhos de cor roxa viva e luminosa, cuja pupila se dilatou um pouco, em clara irritação por encontrar uma humana perambulando sua residência.

- Humana?

- Você é Cartier... Certo?

Tentava o melhor que podia pensar em si mesma naquele momento, e procurar se tornar mais forte como havia prometido a Alexis.

- E você é Absinthe, a humana que Alexis mantinha em cativeiro.

- Isso... Era eu. – ela diz, olhando pra baixo, tomando forças. – Eu quero deixar de ser uma humana fraca e inútil. Vim aqui por que quero direções.

Cartier arqueou a sobrancelha. – Uma humana me dando ordens? Interessante. Você realmente tem ou muita cara de pau, ou muita burrice.

- Quero recuperar a herança dos meus pais, os Eternos.

Agora Cartier parecia surpreso. – Como sabe sobre isso?

- Alexis me contou.

- Hm... O que você me dará em troca.

- Entreguei a caixa a Valerius. – tentava manter a voz firme e estável, e podia dizer que estava fazendo um bom trabalho.

- Hum... Interessante... Você me parece bastante obstinada... Atenderei seu pedido, em respeito a Alexis.

- Não.

- Não? – ele inclinou a cabeça suavemente para o lado, confuso.

- Se vai me ajudar, vai me ajudar por que fará isso por mim, não por alguma outra pessoa. – disse, determinada. – Estou cansada de depender da influência de Alexis para conseguir as coisas que eu quero! Vou conseguir tudo o que eu quero por minha própria força e competência, não por ser a boneca de um dos quatro Lordes! – disse, precisava dizer isso, não aguentava ser somente uma boneca, precisava ter a própria voz.

Cartier começou a rir. – Simpatizei com você humana, a maioria da sua raça sairia correndo e gritando somente por me ver. Muito bem, siga-me.