Alexis estava cansado, dolorido e sentindo-se humilhado, humilhado por ter perdido em seu próprio jogo de forma tão vergonhosa...

- Nunca perdi no meu próprio jogo... – ele pensava consigo mesmo, afundado em sua cama, esgotado e desgastado por se expor a tanta luz.

***

Luka dirigia o carro tão rápido e com tanta precisão quanto Alexis, a única diferença era o longo cabelo loiro fino e sedoso que se estendia até a metade de suas costas, e que constantemente permanecia solto.

Absinthe, com sua alma de artista, o encarava com insistência, tanto por medo, quanto por incerteza, quanto por achá-lo interessante.

Em nenhum momento ele fez nada para feri-la... Mas por ele ser seu único predador natural, seria normal temê-lo, certo?

- Eu entendo que você esteja com medo, mas sente mesmo a necessidade de me encarar sem piscar por tanto tempo? Seus olhos vão arder. – Luka não precisa voltar seus olhos na visão dela pra vê-la com tanta clareza quanto se ela estivesse em frente a ele.

- A-Ah... – ela desvia o olhar pra frente, olhando o tapete de couro do carro.

Luka estaciona o carro numa manobra friamente calculada, num cavalo-de-pau milimetricamente posicionado.

- Chegamos. – ele disse, como colocando as mechas rebeldes de cabelo liso e loiro atrás da orelha.

***

Ainda largado em sua cama, Alexis tinha a plena certeza que ele e sua presa perdida se veriam muito em breve, mas não o desejava, isso o lembraria de sua humilhação diante da mesma.

Sentando na borda da cama, uma lembrança corre vagamente por sua mente, um lembrança de tempos anteriores a esses, quando os quatro poderes começaram a se acomodar...

~*~

Foi muito tempo atrás... A primeira grande guerra já estava distante dos olhos de todos, e a muito a poeira do caos havia descido da atmosfera, deixando de cegar a visão de todos com o mais refinado dos horrores.

Mas não aos olhos de Alexis...

As mortes de seus irmãos o assombravam como nenhum outro pesadelo era capaz... As feridas que ele ainda tinha no corpo ainda ferviam com o cheiro de sangue fresco, não apenas seu, como de seus familiares...

Acordou numa madrugada com o peito queimando, a latente ferida forjada na alcunha das unhas de seus antagônicos representantes, os imortais, agora o faziam agonizar, suando frio madrugadas a dentro.

Detestava estar tão vulnerável.

- Caim... – repetiu pra si mesmo, correndo a ferida talhada na pele perfeita de seu peito.

Não podia culpá-lo por muito mais que plantar a ferida ali, pois o havia feito para defender um de seus irmãos, que ele impiedosamente sugava das veias o sangue, custando a ser afastado da vítima que antes o desdenhava.

Vincent... Por pouco não o matou... E sentia-se incompetente por deixar um assassinato inconcluso, mas, não poderiam bater de frente com os imortais depois de tão pouco tempo de trégua, agora que as coisas começavam a se equilibrar... Teria de engolir seu instinto, sua vontade, seu próprio desejo, pela segurança de seus irmãos.

Fraco, ele não conseguia refrear completamente suas vontades, por vezes, esquecia-se de que deveria ter apenas o que precisava, não o que queria, e odiava-se por sentir-se tão primitivo naquele momento.

Sentia o sangue quente nas veias, sentia-o pulsando ritmado, o cheiro torturantemente perfumado de suas feridas, faziam seus ossos com a necessidade inflamada de matar...

- Repulsivo... – encostou-se em uma das paredes de seu quarto, olhando no escuro o contorno leve de seus móveis de madeira maciça e metal polido.

O cheiro daquele quarto... Ardia-lhe a garganta com o aroma impregnado dos humanos por lá passaram, precisava sair, precisava caçar, ou perderia o mínimo de controle que lhe restava.

Por um segundo a ira por suas feridas demorarem tanto a cicatrizar encheu seus olhos, mas logo foram descartadas, foi responsabilidade de todos afinal...

Não queria perder a compostura, sabia o trabalho que tiveram para apagar o incidente da mente de todos os humanos, certificar-se que ninguém sabia, inventar um mito, criar uma história... Tempo demais pra ser desperdiçado.

Por fim, Alexis desistiu de lutar, saiu pra afogar suas necessidades, todas elas.

Encostou-se na parede de um dos bairros decrépitos de Paris, onde frequentemente procurava consolo para esquecer-se de si, por alguma razão, a vida longe da sua o acalmava nesses momentos de tormenta.

Uma jovem timidamente trajada de branco, o observava discretamente do outro lado da rua, com longos cabelos cor de cobre presos juntamente de um chapeuzinho que servia apenas para decoração.

Ela encarava com insistência a cor profunda dos olhos de Alexis, que perguntava-se o que estaria uma garota dessa idade fazendo na rua a essa hora da madrugada, cheia de todo tipo de situação afogada em corrupção que se possa pensar.

Obviamente não demorou muito a cravar-lhe os dentes na carne, e menos tempo ainda para que tudo tomasse outros rumos, odiava-se novamente por ter de usar um corpo de mulher para amortecer suas dores, seus pesadelos, suas angústias, mas mesmo que não fosse humano, seu corpo funcionava da mesma forma que o corpo de um, então... O desejo fervia sua alma na mesma intensidade que a de qualquer outro humano, a diferença é que sua intenção não tinha emoção atrelada, somente o mais puro e intocado desejo, simples assim.

Deixou-a na mesma velocidade que a encontrou, mas tristemente, ele e seus irmãos, e também seus antagonistas, também adeptos dessa teoria mundana, foram os infelizes responsáveis pelo nascimento de seus futuros herdeiros, os mestiços...

Mas eles ainda não sabiam disso... Nem saberiam tão cedo.

~*~

Agora que seu passado o atormentava apontando seus erros com um eco irritante de razão, Alexis prendia-se na certeza gélida que nunca mais seria o garoto impulsivo de antes, nunca mais se deixaria dominar pela carne, por mais que ela soprasse tantas obscenidades tentadoras em seus ouvidos.

Seu irmão Ludwig adentrou a porta de sua casa, esquadrinhando o ambiente a procura de seu irmão, encontrando-o em seu quarto, olhando frivolamente para o espelho a parede a sua frente, perdido em seus pensamentos frenéticos.

- Alexis.

Os olhos prateados de Alexis mal se voltaram a ele, seu rosto permaneceu voltado a parede, inflexível e calmo como sempre foi.

- Lud.

- Vim buscá-lo, já escureceu.

Pragmaticamente, Alexis se ergueu de sua cama, caminhando na direção da porta.

- Saia Lud.

Com as mãos nos bolsos da calça social preta, Ludwig caminhou para fora da sala acarpetada e postou-se no corredor.

Alexis acendeu um fosforo, atirando-o dentro do ambiente e assistindo a cortina se acender em labaredas vermelhas e alaranjadas que lambiam as paredes e se arrastavam pelo chão acarpetado.

- Vai começar de novo. – Lud constatou.

Formigando com a exposição a luminosidade do fogo, os olhos de Alexis se cerraram fracamente.

- Vamos.

***

Luka estava sentado em uma das salas da enorme casa estrangulada por roseiras perfeitas.

- Absinthe, você não é mais apta para viver entre os humanos.

- O que?!

- Me ouça até o fim, e com muito cuidado, pois não vou me repetir.

Ela o olhava em choque.

- Os filhos da noite estão em guerra com Vincent, um filho do sol que se aliou a mestiços, com a única e pura intenção de atingir pessoalmente Alexis.

- E o que eu tenho a ver com isso?

Ela se sentia insensível por agir assim, culpada até, mas era a única forma de continuar conversando sem perder a calma.

- Tudo. Vincent quer o seu pescoço, e o colocou a prêmio.

- Meu... pescoço.

- Isso. Se ele lhe encontrar, vai matá-la e mandar o seu sangue para Alexis.

Seus olhos se arregalaram e ela instintivamente levou a mão ao pescoço.

- Por isso você ficará aqui até que venham busca-la. Ligue para sua mãe e peça a ela que tranque sua matrícula, não dê detalhes. Você ficara com Alexis.

- Não! – ela se levanta num ímpeto, a figura assassina dele ainda estava em sua mente.

- Não é um discussão. Apagaremos a memória de todos que já ouviram falar de você. Absinthe, a partir de hoje você é uma sombra, você nunca existiu.

Os olhos de Absinthe ardem em lágrimas.

Ela acaba de perder tudo... Agora, ela é só um sopro de alguém que nunca existiu.