O caminho para casa foi silencioso. Elizabeth e June sentadas uma de frente para a outra, pensando em tudo que havia acontecido. Tantas emoções aconteceram dentro de uma mesma noite. Duque a convidando para dançar, e logo depois dizendo que era somente uma fuga mal sucedida de seu meio-irmão. Elizabeth metendo-se numa discussão familiar. E por último aquele confronto em que finalmente a identidade do chantagista era revelada: um amigo próximo de seu pai.

Acho que essa era a parte que mais doía. Uma pessoa de confiança, que sabia tudo que acontecia dentro da mansão Clark, e ainda teve a coragem de usar essas informações para ganhar dinheiro. Elizabeth sentia que seu pai havia criado uma cobra em um ninho de pássaros. E o crápula ainda tinha capacidade de culpar suas filhas pela sua falta de responsabilidade financeira. Um pequeno barão sustentando três temporadas sociais ao mesmo tempo e mais seus luxos nos cassinos mais famosos e mais caros de Londres. Era óbvia a receita para o desastre.

Naquele momento, Elizabeth não sabia exatamente como resolver aquele problema. Qualquer movimentação por parte dela ou de seus amigos levantaria suspeitas, e o prazo deles era de uma semana. Ela sentia seu coração apertar, não sabia o que fazer.

Olhou para sua irmã.June parecia visivelmente abalada. Seu olhar estava distante, sua postura retraída e suas mãos mexiam, nervosas. Elizabeth, conhecendo muito bem sua irmã, sabia exatamente o que se passava na cabeça da caçula:

—Você não é a única culpada pelo o que está acontecendo com a nossa família- Elizabeth disse categórica. Não queria esse peso nos ombros da irmã.

—Mas eu fui até o Royale naquele dia. Talvez se eu tivesse segurado o meu… fogo- Elizabeth segurou o sorriso imediato com a fala de June- as coisas teriam sido diferentes.

—Nós não temos como saber de que maneira o barão conseguiu descobrir o lado feminino do Royale. E mais, eu também assumi o risco de ser descoberta quando fui atrás de você.

June lançou um olhar irritado para sua irmã.

—Por favor, Beth. Você só estava tentando evitar uma catástrofe. A pessoa que tem menos culpa nessa história é você- ela se encolheu e desviou o olhar, envergonhada.

—Eu sei disso, June. A última coisa que eu gostaria de estar fazendo agora era defender a minha reputação por algo que eu não fiz. Se pelo menos eu tivesse tido um encontro às escuras, valeria todo esse estresse- Elizabeth assumiu seu tom brincalhão para tentar distrair sua irmã- Mas eu nem estou fazendo isso mais por mim, June. É por você e pelo homem que você ama.

June levantou seus olhos, que pareciam ter ganhado um pequeno brilho com aquela fala. Elizabeth inclinou seu tronco, pegou as mãos da irmã e olhou bem no fundo daqueles olhos cinzas.

—O fato de você ter sido descuidada, não justifica aquele idiota tentar tirar proveito da nossa fragilidade. É uma falta de caráter dele. Mas nós vamos passar por isso com altivez e você vai ter o casamento dos seus sonhos com James. Está bem?- ela apertou as mãos de sua irmã, tentando passar toda a força que tinha para June. A caçula parecia emocionada.

—Eu te amo, Beth. Agradeço todos os dias por ter você como minha irmã mais velha- June estava com seus olhos lacrimejando e um pequeno sorriso no rosto. Elizabeth conseguiu cumprir seu intuito.

—Eu também te amo, minha pestinha. Não sei o que faria sem você na minha vida.

As duas se abraçaram e pequenas lágrimas escorreram pelos olhos das Clark. Poderiam haver brigas e desavenças entre elas, mas uma sempre poderia contar com a outra. Sempre. Elizabeth agradeceu silenciosamente pela briga das duas ter sido resolvida definitivamente.

***

Duque suspirou pesadamente, enquanto entrava no Royale com seus sócios em seu encalço. O cassino estava lotado, repleto de nobres embriagados com suas amantes, andando de um lado para o outro. Um tipo de alegria boba parecia tomar conta das pessoas que ganhavam, e um tipo de peso caía sob os ombros dos perdedores. Geralmente essa agitação o agradava, mas naquela noite, seu único pensamento era se enfurnar no seu escritório com um copo de conhaque.

A noite não havia saído nem um pouco como esperado. De uma vez só, conseguiu encontrar Adam, em toda sua glória arrogante. Além disso, o maldito chantagista demonstrou ter mais poder do que eles pensavam. E por cima de tudo, Duque conseguiu magoar Elizabeth. Que idiota! Por que havia dito aquelas palavras? A sinceridade era realmente necessária em vários momentos, mas completamente inútil em outras.

Quando Duque avistou Adam do outro lado do salão, a única coisa que conseguiu fazer foi obedecer o que sua mente estava lhe dizendo e ele lutava tão fortemente: convidar Elizabeth para uma dança. Tinha todas as razões na cabeça do porquê não. Mas algo tomou conta dele que o fez entrar em ação.

Mas, apesar de tudo, adorou aqueles pequenos momentos que tivera Elizabeth em seus braços. As coisas pareciam se encaixar quando ele estava com ela. Essa sensação era muito rara no mundo dele.

Duque sentou-se em sua cadeira de couro e encarou o copo em sua mão. O líquido âmbar girando de um lado para o outro. Se havia uma incógnita na sua vida naquele momento era Elizabeth. Não exatamente a moça, mas seus sentimentos por ela. Toda vez que ela entrava no recinto, ele se sentia levemente eufórico, como se tivesse acabado de ganhar um aposta. E hoje, quando viu a mágoa em seus olhos, e seus ombros caídos indo em direção à sua carruagem, Duque sentia o peso do mundo em suas costas.

Havia alguma coisa encantadora na maneira como ela conseguia ser suave ou forte dependendo da situação. É como se ela tivesse uma fonte de poder interna, pronta para ser liberada a qualquer momento. Naquela noite, Elizabeth demonstrou muita força. Tanto para lidar com a cretinice de Duque, quanto para ralhar com Adam e até na hora de conversar com um chantagista. Era verdadeiramente impressionante.

—Pensando em algo em específico?- Duque olhou para frente e viu Ethan encostado no batente da porta. Seus braços estavam cruzados sobre o peito, uma de suas pernas dobradas e sua postura estava relaxada- Você está encarando muito intensamente o seu copo, estou começando a ficar preocupado.

Ethan sabia exatamente o que Duque estava pensando, mas adorava provocar. Na amizade entre os dois sempre funcionava desta maneira, Ethan sempre sabia o que estava passando pela cabeça de Duque, porém o loiro sempre perguntava até que o outro desistisse e admitisse o que fosse.

—Está bem. Eu confesso, estava olhando para o copo pensando em você. Não sei mais o que fazer em relações aos meus sentimentos- Duque soltou a brincadeira, tentando desviar a atenção do claro assunto da noite.

—Eu realmente sou irresistível. A combinação do meu cabelo loiro claro e meus olhos azuis angelicais é de cair o queixo. Mas eu conheço meu sócio o suficiente para saber que não é exatamente nas minhas formas que ele está pensando agora- Ethan caminhou até a poltrona em frente à escrivaninha e sentou-se. Cruzou as pernas e continuou a conversa- Diga-me: Há alguém específico na sua mente?

Duque chacoalhou a cabeça dando um leve sorriso:

—O futuro do nosso clube está em risco e você quer falar sobre a minha vida amorosa?

—Eu não falei absolutamente nada sobre a sua vida amorosa. Você que trouxe isso à tona- Ethan abriu os olhos, demonstrando uma falsa inocência- Mas agora que mencionou, quem é a tal pessoa que faz você ficar tão pensativo?

Duque desistiu de tentar mudar de assunto, seu sócio conseguia ser extremamente insistente quando queria e os dois poderiam ficar nesta batalha a noite toda.

—Você sabe muito que Elizabeth está me tirando dos eixos

Ethan abriu um sorriso vitorioso.

—Ah sim. A dama é de fato bem peculiar, nunca vi ninguém remotamente parecida com ela. E você, pelo jeito, está totalmente encantado por ela.

Duque franziu o cenho, achava que estava escondendo melhor seu fascínio.

—É tão óbvio assim?- seu tom demonstrava um pouco de insegurança.

—Um pouco. Acho que o mais revelador é você ter que fechar a boca para não escorrer saliva toda vez que ela entra em um recinto- Ethan disse, cutucando seu sócio.

Duque gemeu e esfregou seu rosto com as duas mãos, frustrado. Não sabia o que estava acontecendo com ele. Costumava ter tudo sob controle, mas parecia que no momento que aquela moça descabelada entrou pelo seu escritório, um verdadeiro pandemônio havia se instaurado no seu coração.

—Eu não sei o que estou sentindo, Ethan. As coisas andam um pouco confusas.

Ethan inclinou a cabeça e semicerrou os olhos. Suas feições estavam mais sérias e parecia prestes a dizer algo importante.

—Acho que você só saberá exatamente o que está se passando, quando ficar frente a frente com Elizabeth. Olhar nos olhos dela e perceber o que toma conta de você- Duque ficou surpreso com aquele conselho. Seu sócio nunca foi o tipo romântico, muito menos aquele que acredita no amor.

—De onde veio essa inspiração?

—Eu posso ter a minha fachada de libertino bonitão- Ethan ajeitou o cabelo, fazendo graça- Mas não é só a isso que Ethan Lewis se resume.

Duque sorriu com aquela frase. De fato, Ethan tinha várias facetas. E talvez este lado aconselhador de seu amigo estivesse certo... Talvez devesse deixar seus sentimentos tomarem conta pela primeira vez. Sem resistência. Neste momento que o moreno tomou uma decisão. Levantou-se de sua cadeira e saiu pela porta do escritório dizendo:

—Você tem razão, meu caro sócio. Vou seguir o seu conselho agora mesmo.

Ethan levantou-se de sua cadeira, sobressaltado e observou Duque sair apressado. Não esperava que seu sócio seguiria seu conselho tão rápido. Dereck estava prestes a fazer uma pequena loucura, e Ethan não sabia se concordava com tanta pressa. Mas se havia alguma coisa que ele sabia era que nada conseguiria pará-lo naquele momento.

—O que acontece com os donos deste cassino que quando encontram uma mulher disposta a desafiá-los, eles ficam completamente enfeitiçados e saem fazendo loucuras?

Ethan pegou o copo de Duque e bebeu o resto do conhaque, levantou-se e andou até a porta exclamando:

—Que Deus me livre desta maldição!

***

No momento em que Elizabeth pisou na mansão Clark, ela ouviu a melodia de um piano. Trocou um olhar de entendimento com June, e as duas se encaminharam para o andar de cima, sem falar uma palavra. Abriram a porta do escritório de Phillip e encontraram o pai e o irmão tocando uma música.

Os dois pareciam visivelmente felizes. Phillip Clark era um homem deveras talentoso no piano, e o mais impressionante era que aprendeu tudo que sabia a partir de seus 30 anos. Quando pequeno, a família mal tinha dinheiro para comida, quanto mais para pagar aulas de piano.

Assim que o jornal fez sucesso e as finanças começaram a crescer, uma das primeiras coisas que o pai dos irmãos Clark fez foi contratar um professor de piano para a família toda. June não era nem nascida naquela época e Elizabeth não tinha paciência para aprender. Sempre quando olhava para uma partitura, parecia estar lendo grego. Na verdade, ela tinha uma noção básica da língua grega, então era mais difícil ler uma partitura.

Mas Phillip e Thomas se entregaram àquela arte e tocavam lindamente. Elizabeth sabia que Thomas, no início, também não tinha muita facilidade. Porém, Phillip era tudo na vida de seu irmão, e ele, naquela época com 10 anos, tentava imitar o pai a todo custo. Então Thomas persistiu e aprendeu a tocar.

Olhar aquele pequeno momento de ternura entre os dois fazia Elizabeth se lembrar da ameaça do barão. A saúde de Phillip vinha cambaleando depois da parada cardíaca há três anos. Os três filhos mediam todos os esforços para evitar estressar o pai. E até agora conseguiram, mas Elizabeth não sabia como ele reagiria à notícia de que suas filhas estavam circulando livremente em cassinos.

—Aí estão vocês!- Phillip exclamou feliz- Voltaram cedo do baile. Esperava que June fosse querer ficar pelo menos mais uma hora, ainda mais sendo um evento daquelas proporções.

Quando Phillip questionou sobre o convite do baile Edgell, as duas disseram que a família toda havia recebido o convite mas somente as duas iriam para poupar desgaste dos dois homens da família. Uma mentira deslavada! Normalmente se Elizabeth era arrastada para um baile, levava os dois juntos obrigados. Mas surpreendentemente, Phillip acreditou. Devia estar muito cansado naquela noite para sequer discutir.

—Ficamos muito cansadas e decidimos voltar para casa. Muita agitação para uma noite só- essa frase pelo menos era verdade, Elizabeth pensou.

—Bom, então, acho melhor irmos todos dormir. Podemos continuar amanhã nossa pequena diversão, Thommy- o pai deu um abraço no mais velho, um beijo nas duas filhas e foi em direção ao seu aposento. Elizabeth continuou observando Phillip até ele passar pela porta de seu quarto.

Elizabeth olhou para aquele homem que fez de tudo para dar um conforto à sua família. Que abraçou Elizabeth e Thomas no momento em que perderam a mãe deles, mesmo que ele próprio estivesse sofrendo por ter perdido sua amada esposa. Ela não poderia deixar que um idiota abalasse as estruturas de seu pai.

E era isso que ela pensava quando também se encaminhou para seus aposentos. E quando estava desmanchando seu penteado. E quando olhava seu reflexo no espelho, pensativa. Só acordou de seu devaneio quando começou a ouvir pequenas batidas na janela de seu quarto. Era um barulho suave, mas alto o suficiente para incomodar os suficiente. Ficou observando até que o próximo barulho veio. Alguém estava jogando pedrinhas na sua janela.

Quando Elizabeth abriu sua janela e olhou para baixo, a visão que teve roubou seu fôlego. Duque parado, olhando para cima ansioso.