Exile 3: O Renascer

Capítulo 33: Investida Parte 1


O único foco de luz que residia no cômodo cercado pelo sentimento estupefaciente de aflição e horror sumia com as rajadas frígidas que vinham das janelas arredondadas de madeira antiga. As cortinas rubras chacoalhavam ferozmente como prisioneiros querendo se soltar de suas correntes e libertar-se de sua prisão de desespero. As lâmpadas elétricas, as que não estouraram em míseros pedaços de vidro, piscavam loucamente igualmente a uma cena de suspense e perseguição em um clássico filme de terror dos anos 80. A sinfonia presente na sala era os gemidos preocupados dos seres residentes que recuavam o máximo que podiam para tentar não ser pegos pelo espírito incendiário, que estava parado em um canto gargalhando loucamente. Depois, o som de fundo transformou-se no estrondoso chocar da porta dupla de madeira colonial na parede pintada de branco e o estrídulo puxar da espada angelical de Aerth de sua bainha com propósitos apressados. Empunhada pelo ser de olhos brancos, a arma afiada e mágica era levantada para o alto da cabeça do portador heroico, arremessada em direção ao chão e, respectivamente para o inimigo, com toda a força presentes nos braços fortes de Herobrine. A lâmina fina, ofuscante e prateada partiu no meio o espírito piromaníaco de maneira tão fácil que era como se nada pudesse parar aquele que estava a usando, poderia até partir uma rocha gigantesca sem ao menos transpirar. O ser maléfico, após ter sofrido o golpe desferido pelo minecraftiano, deu um grito forte ao mesmo tempo em que evaporava em brasas ardentes. Mesmo com o espetáculo ele não havia morrido, nunca uma morte de um vilão está tão fácil, principalmente para um que tinha séculos de idade.

Quando seus resquícios já haviam sido devorados pelas chamas, virando cinzas e desaparecendo no ar, o prédio todo parou de estremecer rapidamente e as luzes voltaram a funcionar de jeito como nada tivesse acontecido.

Está na hora de agirmos. Vamos! — Herobrine avisa ofegante arremessando a espada para o anjo - que a agarrou com apenas uma mão - e saindo pela porta escancarada.

Eu entendo que depois dessa coisa ter falado que ia nos matar surgira o desespero de matá-la antes que nos mate, mas... — Herobrine retorna seu olhar para Fritz que falava. — Mas onde podemos encontrar esse ser? Não há tempo para localizarmos antes de outro ataque repentino — O homem púrpura tinha plena razão só que ele não contava que eu havia descoberto o paradeiro do amuleto fantasma que Red havia falado em uma reunião atrás e poderíamos derrotar de uma vez por todas essa ameaça com o livro do Guardião.

Temos que fazer alguma coisa! — Herobrine aparentava preocupado, andando de um lado para o outro da sala com a mão no queixo e olhar pensativo.

— Nem sabemos que creepypasta esta é como podemos seguir seus passos? Eu não me lembro de ter visto algo assim no exílio e acredito que você também não... — James ressalta apoiando a ideia de Fritz.

Então, me aproximo deles. Olho em seus olhos, em cada um, começando por Herobrine, passando por Fritz, o anjo, entre outros até chegar em Red. Ela estava sempre atrás de todo mundo, sempre escondida através dos outros em uma afiguração tímida e pouco estranha... Aquela mulher não parecia ser normal, não ao meu ponto de vista. Sempre carregava em seus olhos rubros algo além disso, era como se escondesse algo em seu interior, como um passado dilacerado pela culpa.

Oh, não, Ancestral está voltando.

— Vocês não conhecem esta creepypasta porque ela nunca chegou a pisar no Exile. Esta coisa é uma das histórias mais antigas que se falam nos jornais e até na internet. Este é o Menino que Chora...

Criado por Giovanni Bragolin, um pintor italiano e ocultista, os quadros dos meninos chorando é um dos maiores mistérios do mundo humano, pois mesmo depois de tanto tempo não há um resquício de resposta do porquê que essas raras peças causavam tantas desgraças para quem os tinha em sua morada. As pinturas sempre retratavam uma única coisa em especial, as crianças em meio corpo e seus olhos lacrimejando severamente que deixava no ar a ideia de que algo não estava certo com essas obras de arte. Quem comprava o quadro, geralmente, não se sentia muito seguro dentro de seu lar, pois aqueles olhos chorosos pareciam sempre estar os vigiando e esperando pacientemente para fazer algo muito horripilante, matá-los lentamente. Pouco depois de adquirir a pintura acontecia sempre algo improvável, um incêndio que matava os proprietários na alta madrugada, queimava seus móveis e destruía tudo, menos o quadro. Há relatos de casas que foram totalmente destruídas, mas a parede em que o quadro repousava estava intacta.

A lenda têm várias variações, contam que o menino no quadro era filho de Giovanni e para fazê-lo chorar, o pintor o ameaçava incendiar o próprio filho com um fósforo. Outras dizem que Giovanni fez um pacto, mas ao invés de vender sua alma, ele vendia a de quem comprava seus quadros, pois elas sempre morriam após a aquisição.

Outros relatos falam que Bragolin pintou as crianças de um orfanato afastado na Espanha depois de fugir da segunda grande guerra. Os modelos, na verdade, estariam mortos ou prestes a morrer, por isso as lágrimas e suas pupilas dilatadas. O orfanato foi incendiado pouco depois das pinturas saírem de lá com seu pintor...

Conheço essa história... — Comenta Herobrine pensativo com meu narrar.

— Pensei que todos os quadros foram incendiados na década de 80 após a lenda da maldição se espalhar — Comenta James apontando algo relevante.

Foram — Red entra na conversa ainda atrás de todos em atitude pouco retraída. — Andei pesquisando sobre a trajetória de Bragolin e seus quadros e descobri diversas coisas sobre essa maldição, mas o mais intrigante foi a aquisição de um dos quadros feita por um homem chamado Fredio Servilius um pouco antes da grande queima em 1980Quem é esse homem? — O púrpura pergunta e de repente meus olhos ficam turvos e minha cabeça move para um lado e para o outro em sinal de tontura. Lentamente fui cambaleando para a esquerda e uma sensação de calor iniciou-se dos meus pés e continuou até chegar a minha cabeça.

Após perceberem que eu estava caindo lentamente, Aerth correu em minha direção esbarrando em Jeff e o Guardião e me segurando pelo braço. Tudo estava virando de ponta cabeça. Reparava que todos os seres dentro da sala, ou pelo menos os que conseguia ver, apontavam seus olhares em minha pessoa assustados com o que ocorrera, mas o inacreditável era que apenas um não aparentava preocupação dentre todos. Ele estava sentado na poltrona antiga estofada com um forro marrom florido e o encosto de madeira com desenhos vitorianos. Suas vestes eram um terno eduardiano e seu rosto não se movia. Era o Homem de Concreto, o SCP-014, o suspeito, o único ser que me desprezava naquele grande lar.

— O que aconteceu, Alan? — O anjo pergunta me sustentando enquanto tudo para mim ficava na escuridão.

— E...Eu não s... sei — Balbucio trêmulo .

Aerth e Guardião, os dois com mais conhecimento nessa sala, conhecem esse nome? — O jovem soldado de granito pergunta.

Eu nunca ouvi esse nome antes... — Primeiro responde o Guardião com aquela voz grossa e ar assombroso.

— Eu também não me recordo — Aerth responde depois.

— Talvez sej... seja um nome falso — Ressalto após começar a melhorar dessa sensação de dor muito forte em meu peito e de minha visão estar sendo retomada. — Continue Red — Completo a fala.

Pois bem, Esse Servilius comprou um dos quadros mais antigos de Giovanni e o mais interessante é o que ele fez com essa obra... — Ela pausa sua fala para dar um pequeno suspense. — Ele deu de presente para essa igreja em meados de 1987 alegando em uma carta que seria útil no futuro e que o padre cuidasse com carinho porque era de coração. Abaixo está seu nome assinado, Fredio Servilius — Red termina e todos começam a encarar um ao outro na procura de alguma resposta concreta relativo a esse nome e as obras do mal de Bragolin.

— Isso é muito estranho... — James ressalta arrumando seu chapéu. — Como um anjo de seis asas cujo nome não me lembro, no caso, um bem forte, não consegue conhecer um nome tão incomum? Parece ser italiano ou alguém que nasceu na Idade Média — O detetive tinha plena razão.

— O estranho sou eu, mesmo que nunca tenha ouvido falar nesse nome, reconheço de algum lugar. É como se eu tivesse escutado isso na minha infância... Tipo uma memória bem profunda e antiga que veio à tona só agora — Pode ser que você lembre-se de algo mais para frente, mas agora temos que focar no inimigo — Guardião interrompe-me para lembrar-nos que estávamos em um perigo real.

— Precisamos encontrar essa coisa o mais rápido o possível — James indaga encarando a todos os presentes. Suas vistas taciturnas passaram por todas as faces dos seres naquela sala pequena simplória. Ele observou tristeza, desespero, dor, medo, ira e ao chegar a mim, percebeu um sentimento estranho que era considerado errado no momento desalentador. Eu estava muito normal comparado com o que passamos na ocasião tão recente. James estranhou, logo imaginou que eu estava sentindo alguma coisa tocar-me, alguém ruim como o Ancestral.

— Alan, está tudo bem? — O detetive pergunta curioso com minha aparência séria.

Esta era o momento exato de contar-lhes que sabia onde o inimigo guardava seu amuleto sobrenatural de mortes. Respirei fundo, expelindo o ar frígido de meus pulmões. Estava com uma leve enxaqueca na parte de trás de minha cabeça, estava com minhas vistas turvas e pouco embaçadas e bem devagar meu corpo movia-se de um lado para o outro demonstrando minha exaustão. Não tinha dormido absolutamente nada desde que embarquei nesse apocalipse, apenas leves cochilos e desmaios aqui e ali.

— Eu sei onde ele está... — Todos focam seu olhar em minha pessoa demonstrando seus espantos. Vozes conversando sobre isso eram ouvidas por toda a sala. Eles questionavam se eu já sabia da localidade desde o começo, se eu era o traidor e até que eu já me tornara parte de Ancestral.

Por que não nos avisou antes? — A criatura pequena, irritante e peluda, Sr.Widemouth pergunta destacando sua fileira de dentes afiadíssimos em sua grande boca sorridente.

— Porque vocês não param de falar! — Grito.

A sala inteira calou-se, deixando um silêncio fúnebre assumir o patamar das vozes confusas. Aqueles rostos assustados, apavorados e desesperados determinavam que certa coisa havia sido efetuada e era muito, muito horripilante.

Alan, acalme-se... — Fritz comenta aproximando-se de minha posição e erguendo sua mão até meu ombro esperando deixar minha mente tranquila.

Quando dei-me conta, quando decidi observar o espelho descascado, com o adorno de madeira rústica e bem deteriorada percebi que isto já havia ido longe demais. Como que isso era possível? Sempre perguntei para mim mesmo – principalmente após ver um filme relacionado com exorcismo - como que uma pessoa conseguia aguentar uma coisa dessas controlando seu raciocínio, sua vida, seu corpo. Não irei comparar o Ancestral com os muitos demônios que possuíram o corpo de Anneliese Michel em um dos casos de possessão demoníaca mais conhecidos do mundo, afinal, além de ser apenas um lutando pelo controle, ele não deseja destruir-me no processo, algo que esses seres não se importavam. Outra coisa que diferia era o fato da possessão ter como possessores vários seres infernais no controle e comigo era apenas um – ademais de que Doppelgänger mostrava-se bem poderoso com isso.

Quando encarei o espelho pendurado tortamente na parede vi que faltava apenas um pouco para minha dominação completa. Minha face estava completamente desfigurada. Antes apenas meus olhos ficaram enegrecidos e veias cobriram todo meu rosto, agora, estava com minha pele cinza decomposta, as veias negras que saiam de minhas olheiras sepulcrais tinham perdido a protuberância já que minha aparência demonstrou-se muito seca, como um cadáver de várias semanas.

Ao pouco essa visão do inferno foi sendo expulsa e meu semblante normal tomando seu lugar, mas o que estes seres viram era demais até para monstros como eles.

Temos que ir logo, onde fica? — Herobrine assume a vanguarda como sempre fazia.

— Venham comigo — Comento e sigo andando até a porta do corredor. Antes de sair olho para trás e todos ainda estavam parados com um temor estupefato exalando de seus poros pútridos e impuros.

Minha cabeça não é mais a mesma, ele já está me controlando.

Eles temiam-me deveras, eu até entendo, eu sou como um vulcão adormecido apenas no aguardo de expelir minha lava incandescente sobre eles. Na hora em que vi que até mesmo Herobrine estava sério e não moveu um músculo senti como se minha alma havia deixado meu corpo, um vazio cruel me dominou. De repente surge ela, Red, que saiu de trás dos outros com um sorriso fraco e aquele jeito estranho, mas gentil. Ela andou até minha direção demonstrando que não sentia medo de mim, ao contrário dos outros.

Mostre-me — Aquela voz serena entrou em minhas entranhas e tirou o Ancestral do controle. Meu rosto voltou ao normal e foi quando percebi que eu já estava perdido totalmente. Eu não consigo mais lutar contra isso e cada vez mais minhas forças desaparecem.

Então retirei-me da sala com Red atrás me seguindo. Antes de sumir das vistas dos seres residentes eu apenas ouvi os passos de Aerth e sua voz imponente dizendo: Vocês deveriam ter vergonha, ele precisa de nosso apoio, apenas isso, nada mais.

Seguimos pelo corredor até a entrada do convento – que era acessado pela parte de trás da igreja, onde ocorreu o incêndio que deixou muitos feridos e mortos. Uma corrente de ar forte e um semblante azul passou por nós em uma velocidade inigualável, era o Sonic.exe que por algum motivo que não sei, correu até a entrada com muita pressa.

Pense positivo Alan — Red fala.

— Como? — Pergunto indignado.

Se você se transformou existe duas opções para resposta. Uma pode ser porque o Doppelgänger queria atrapalhar-te já que descobrira o recinto onde seu servo está... — E a outra? — Pergunto e ela cessa para encarar minhas vistas endiabradas. — Pode ser que você tenha um passado com esse nome, mas não lembra. Você mesmo disse que o conhece de algum modo. Pode ser algo relacionado com o Ancestral e essa história escondida entre vocês — Red poderia estar certa.

— E se esse nome for... — Enquanto falava Herobrine e os outros me interrompem, temos que nos apressar, o tempo está contra nós nesse dia.

Tic, Tac.

Quando chegamos no cômodo de entrada sentimos uma sensação gélida nos encontrar. Olhando para as paredes queimadas, o assoalho deteriorado pelo fogo e vários sinais de morte que despertava um sentimento de tristeza em nossos corações, reparamos também que, de causa tão curiosa, o fogo não havia chegado até o velho relógio gritante. Na verdade, eu já havia reparado nisso, mas nunca pensei de outra forma.

— Porque esse relógio solta esse som tão alto? — Questiono.

Porque ele é velho? — Responde o SCP-014 sem mover nem a boca.

— Tem mais de um mecanismo funcionando em seu corpo, trabalhei como relojoeiro depois de voltar do Exile e entendo o som das engrenagens muito bem — Indago.

Os presentes na sala no momento - Herobrine, Jeff e Jane The Killer, Detetive James, Aerth, Purple, Red e o soldado de granito – já imaginaram o que era toda aquela complicação, uma passagem secreta e, pelo óbvio, o quadro estava guardado em seu interior.

— Como abriremos? Precisamos entender o mecanismo! — Grita eufórico o anjo.

Oh, pelo amor de Deus! — Fritz, o homem púrpura, anda até uma das paredes incendiadas visando uma pequena caixa de ferro vermelha e de lá puxa um grande machado afiadíssimo. Após, corre até o relógio antigo aproveitando o impulso e acerta a arma bem em sua lateral o rachando por culpa da madeira vítima de anos de colônias de cupins. Outra machadada e os estilhaços da madeira despencavam no chão revelando um espaçamento íngreme na parede que era perfeitamente encoberta pelo maquinário largo.

Pouco a pouco, o relógio antigo e belíssimo fora deixado apenas aos restos e o buraco na parede escuro e apertado revelava-se um grande desafio.

— Parece que você sabe como usar uma machado, meu caro — James diz perplexo com a cena.

Eu tive uma circunstância em que me obrigou a aprender usar — Fritz responde e na hora minha mente abrilhantou e eu consegui lembrar-me do que ele disse.

— Eu entendi a referência! — Exclamo.

A passagem estava aberta, tudo estava pronto e precisávamos apenas seguir com coragem para o futuro incerto que nos aguardava.

Vamos, amigos, devemos enfrentar aquela coisa...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.