Even Distantly

Capítulo Único


No começo, ele era ele. Todo cheio de regalias reais, perfumes caros, massagens de manhã, chá da tarde, boemia e mulheres à torto e à direito. Saía tarde da noite, voltava de manhã, ouvia as reclamações dos pais, cumpria suas obrigações reais (ou quase), e fazia tudo de novo no outro dia. Qual é, era uma vida extraordinariamente boa. Todas aquelas comidas, todas aquelas baladas, todas aquelas gandaias e todas aquelas mulheres. Deus, ele se sentia um rei... Príncipe, quero dizer.

Lawrence o importunava e o seguia por todos os cantos, enchendo-o a paciência com conselhos caretas iguais aos de seu pai. "Deixem-me viver!", queria gritar exasperado, mas apenas o despistava pelas vielas de sua cidade. "Para quê, cargas d'água, viver uma vida se você nem se divertiu nela?", era sua filosofia de vida confirmada. Diversão, não importando as consequências. Ele amava tudo o que o dinheiro poderia oferecer, apreciava a forma como as moças caíam e suspiravam com seus sorrisos, queria e gostava de ser livre, mas, aparentemente, o rei não. Seu pai, então, cortou sua gorda mesada, deixando-o sem um tostão sequer no bolso e com isso, obrigou-o a procurar outra alternativa para que a decadência não o atingisse.

Tudo aquilo era uma grande merda! Trabalhar estava totalmente fora de questão, então... Que tal se casar? A ideia era de dar calafrios, porém... Se a moça fosse rica, ele poderia se reerguer monetariamente, seus pais ficariam felizes por ele estar "se ajeitando", e, além do mais, ele poderia muito bem dar umas escapadinhas por ai, não poderia?

Portanto, viajou para New Orleans, uma cidadezinha nos Estados Unidos, com Lawrence à sua cola (ordens de seu pai), para que pudesse arranjar uma noiva a altura. Infelizmente, tudo deu errado. Ele fora pego por algum tipo estranho de "mago das sombras" e transformado num sapo. Sim, um verde e atrapalhado sapo. Muito clichê, não? De príncipe à sapo! Entretanto, ele tinha que admitir, até como sapo conseguia abalar corações. As borboletas coloridas e bonitinhas do pântano que o digam.

Confuso e sem saber o que fazer para que pudesse voltar a sua forma humana e magnificamente linda, viu-se andando (ou pulando) em direção a casa dos La Bouff, onde deveria ter ido (quando humano) em alguma festa a fantasia, ou algo assim. Não havia prestado muita atenção quando Lawrence o advertiu sobre sua demora.

Foi lá na sacada de uma mansão bonita, com a luz das estrelas brilhando incessantemente junto a lua, que ele a viu... e instantaneamente sentiu que seu mundo iria mudar.

Ela não era linda. Na verdade, era bem comum. Normal demais com aqueles olhos amendoados e a pele negra brilhante pela luz noturna, que depois virara a verde e encrustada de muco que ela adorava chamar de gosma. Ela não tinha nada de especial, nada que poderia chamar sua atenção... Mas, por algum motivo, chamou. Talvez fosse o jeito com que ela o repreendia, ou tacava bichos de pelúcia e o chamava de inútil. Ele nunca havia sido repreendido por alguém além de seus pais, nunca havia sido alvo de pelúcias pesadas, nem ninguém havia sequer ousado xingá-lo de qualquer coisa. Afinal, ele ainda era o príncipe Naveen da Maldônia, oras, e todos deveriam adorá-lo, não esmurrá-lo por metê-los em encrencas.

Quem era ela, afinal? Uma garçonetezinha de bar de esquina, sem um centavo no bolso e uma língua afiada demais para que qualquer pessoa pudesse aguentar. Ela não era nada, era uma plebeia qualquer... Porém, suas palavras se enfiavam fundo em seu coração. Suas repreensões eram fortes e faziam mais efeito que as de seu pai, o que era muito estranho. Ele não era feito de timidez e envergonhamento, mas ela o fazia abaixar a cabeça e se achar o ser mais estupido do planeta. Não que ele fosse dizer isso a ela em algum momento de toda aquela loucura. Ela fazia-o questionar seus princípios de vida, suas filosofias, suas ações, seu todo.

Ela era toda durona e sem senso de humor. Não gostava de gracinhas (principalmente em relação aos dois), não gostava de vida social (ele quase perdera o olho quando perguntou o porquê), não gostava de jazz (quem em sã consciência não gosta de jazz?), e não gostava de preguiça (céus, quem não gosta de não fazer nada?). Ela era toda maluca e com os instintos invertidos.

Ela gostava de comer comida e fazer comida, e era uma chefe incrível. Tinha um sonho puro de abrir um restaurante, lutava pelo que queria, brigava com quer que fosse, obrigava-o a cortar cogumelos idiotas, e a risada dela... Deus, ele se viu louco de vontade de ouvir aquele som todo o segundo de todo santo dia.

Talvez ela não fosse tão fresca e sem graça como ele pensara. Talvez a vida não fosse feita apenas de diversões sem fundamentos. Talvez ele devesse ter tido um pouco mais de responsabilidade para com seu povo. Talvez ela fosse mais, muito mais, que uma garçonetezinha de esquina. Talvez ele estivesse passando muito tempo com Ray e suas ideias doidas e românticas.

Então, eles acharam a tal Mama Odie, a velha feiticeira do pântano. Ele tinha que aceitar, aquela velha era meio amalucada, mas ainda era sábia. Tão sábia que o fez enxergar o que estava bem na cara. Por quê, afinal, não tinha entendido antes? Ele realmente estaria feliz com toda a sua fortuna, rodeado de mulheres dos diferentes tipos, com a pinta de galã de sempre, sem a Tiana irritante e mandona que sempre enchia o saco? Ele realmente se sentiria bem sem as ordens e repreensões da garçonete? Ele conseguiria seguir com a vida sem que a risada estrondosa e exagerada dela estivesse ao seu redor? A resposta era tão simples que o assustou. Não. Ele não estaria, não se sentiria bem, não conseguiria seguir. Ela havia se tornado seu rumo de uma forma tão fácil que o desabilitava um pouco.

Ele viu-se fazendo planos e planos sobre como conquistá-la, como falar com ela, sonhando, surpreendentemente, em um provável casamento sem que fins monetário estivessem envolvidos, um envolvimento puro e sincero e sem escapadas desonestas. Oh, com toda certeza, seus pais gostariam dela, a amariam, para ser mais claro, e ela seria uma princesa incrível. Tudo ficaria bem, tudo se ajeitaria. Ele seria verdadeiramente feliz com ela ao seu lado.

Todavia, pela primeira vez em toda a sua vida, ele decidiu não se colocar em primeiro lugar. O sonho se desfez quase ao mesmo tempo que o sentimento bom da descoberta doce o deixou. Por mais que doesse, por mais que ele se revoltasse, por mais que ele não fosse feliz e a tristeza se instalasse em seu coração como morada permanente, deveria deixá-la ir. Deveria deixá-la seguir seu caminho sem que todas as falhas dele a corrompessem ou atrapalhassem. Deveria se casar com a tal Charlotte e fazer o sonho dela se realizar. Porque, céus, ela era a sua Evangeline e ele a veria brilhar, mesmo que de longe.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.