Eternal

Capítulo 9 - Just be true to who you are


Malika segurou a mão de Rajan naquele leito solitário. Envoltas nos nós dos dedos, eis que estavam as sublimes preces à Ganesha. O pai havia tido de passar por um procedimento cirúrgico para a retirada da bala de sua perna esquerda. Graças aos medicamentos que o doparam, ele dormia. A avó estava a caminho, bem como, sua mãe. A garota ainda não havia absorvido toda situação, via na mente a perseguição e os momentos nos quais acreditou que a vida lhe fugiria bem diante dos olhos. Mesmo sendo tão jovem, nunca fora inconsequente, do tipo que pratica cosias ilícitas, o que não explicava em nada o fato daquele atentado. Se caracterizava por ser tão íntegra, porém, aquele episódio a marcaria profundamente dali em diante.

Depositou um terno beijo nas costas da mão esquerda do pai e fechou os olhos por um momento. Era por ela que procuravam, não por ele, e mesmo que não entendesse, se tratava dele. E o pai estava ali, deitado, com chagas na pele por sua causa. Havia colocado um pequeno suporto com incenso ao lado da cama, e a velha estátua pequena do deus ao qual cultuava. Em harmonia estavam as preces e os medos dela. Foi tirada do seu momento só ao escutar a porta abrir:

– Lika, minha filha. O que aconteceu? – Kala entrou desesperada e tentando ao máximo não fazer alarde, o que era praticamente impossível dadas as circunstâncias.

– Eles começaram a atirar, mamãe. Eu e o papai estávamos caminhando às margens do rio. Foi como num filme, tinham armas pesadas – A menina se pegou com a mãe e soluçou – E nós entramos nos becos e passamos a correr, e eles nos perseguiam, e diziam coisas sem sentido. Eles queriam a mim, mas acertaram o pai.

– Está tudo bem agora, minha flor. – Kala deu um beijo na cabeça da filha e a tranquilizou.

– Eles iam me matar, mamãe, mas aquele menino asiático, ele apareceu do nada e me ajudou. Não havia mais ninguém na viela. E ele me tirou de lá, ele era rápido. Foi a pior coisa que eu já passei. Eu não fiz nada de errado, mamãe. – Lika chorava contra o peito da mãe.

– Eu sie que você não faria nada de errado, Lika. Eu confio em você. E isto não é uma surpresa, porque eu tenho quase certeza de que sei o que aconteceu. – A voz preocupada e assombrada de Kala aprofundou-se no coração da filha.

Kala sabia quem havia perseguido sua filha, e tinha absoluta certeza de que aquela organização havia mandado alguém atrás de sua Malika, como haviam mandado atrás do filho de Lito Rodriguez. Acariciou os cabelos da sua garota e dizia baixinho palavras que a acalmassem. Londres lhe era de tão estranhamento, nunca havia estado lá, configurava-se como tão diferente de sua terra natal, além do fato de no recorte histórico apresentar e representar um lado ruim no qual a Índia era apenas uma colônia, uma fonte de lucro, logo a ser jogado fora. Tinha suas diferenças com o ocidente, porém, se tratava dos eu bem mais precioso, a menina que viu crescer e se tornar seu orgulho, aquela bela moça.

– Kala, Malika. – A avó adentrou pela porta. A mãe de Rajan tinha um lenço em mãos e os olhos estavam marcados pelas lágrimas, que provavelmente derramou durante a viagem.

– Vovó. – Lika soltou-se um pouco de Kala e abraçou a senhora.

– Você está bem, minha flor? – Perguntou a senhora.

– Agora estou, mas meu pai... – A expressão de Malika se tornou um rio de profundas tristezas que se guiavam para um lugar desconhecido.

Kala também deu um breve abraço em sua ex – sogra e as três passaram a observar o homem desacordado.

– Eu preciso conversar um pouco com meu Lótus, pode ficar com ele um instante? – A mãe disse para a outra mãe.

– Claro, Kala. Eu não pretendo deixar meu Rajan aqui até que ele acorde. – A mãe do pai de Malika concordou.

Kala passou os braços ao redor dos ombros da filha e a tirou do quarto. A menina estava tão assustada que ainda tremia. Tendo vagado pelas áreas do hospital, acharam um corredor mais vazio e reservado. Kala fez a menina sentar num banco e ao seu lado fez o mesmo. Tocou a mão da filha tão suave quanto um dos melhores tecidos existentes. Ao respirar fundo, disse:

– Precisamos conversar sobre algo, sobre você, eu.

– Como assim?

– Eu entendo o atentado, Lika. Você não foi a primeira, eu fui.

Manteve a mão na da filha e começou a contar a antiga história sobre oito pessoas numa única vida.

(...)

Viu a grande construção, o banco, bem à sua frente e desejava não ter de estar naquele lugar, não quando ele lembrava-o do quanto a vida estava um inferno pela sua não – aptidão para comandar as ações. Depois de deixar Kim em sua casa e passar algum tempo com ela, resolveu encarar logo a conversa que a mãe o havia requisitado. Enfiou as mãos nos bolsos e direcionou- para aquela magnânima construção. Ao adentrar o espaço, todo o luxo da filial bancária parecia ficar maior com o passar do tempo. Os aspectos apenas evoluíam para um estado completo de sofisticação.

Lee cumprimentou rapidamente a Srtª Kido, a atendente da recepção do banco e logo pegou o elevador para o andar mais alto do banco. Enquanto o elevador subia, olhou-se no espelho da grande caixa metálica. Durante seus momentos de observação, teve a leve impressão de ver um vulto loiro diante de si, um reflexo que não lhe pertencia. Com aqueles olhos claros e o sorriso celestial, personificava-se como uma obra bonita. A imagem demorou até que se fixasse. Era uma garota.

– Quem é você? – Perguntou Lee.

– Eu estou me fazendo a mesma pergunta. Isso é o meu quarto, não sei o que está fazendo aqui. – Viola resmungou com cara de poucos amigos.

– Não, isto é a sede do banco da minha família.

Os jovens pararam por um instante e passaram a avaliar o lugar, ou melhor, os lugares. Lee se viu no quarto cheio de cosias de valor alto, e uma decoração aparentemente feminina. Algumas bonecas estavam numa prateleira acima da cama encostada na parede, próxima da janela. Aquele não mais era o banco, era o quarto da menina. Lee estava bem próximo da janela e ao olhar para fora, visualizou o grande jardim da mansão.

– Isto está acontecendo novamente. – Comentou o asiático.

Viola, por sua vez, viu-se dentro do grande; elevador e sentia o solo afastar-se de seus pés. Sentiu frio pela corrente do ar condicionado e acaricio os braços, afagando e esquentando-os. O vestido laranja e de estampas triangulares em verde era um tanto curto, e as pernas também sentia o efeito da corrente:

– Tenho a impressão de que também não é a primeira vez para mim. Quer lugar é este? – Perguntou a loira ávida de curiosidade.

– Seul, na Coréia – Respondeu Lee observando ainda o quarto dela – E aqui?

– Berlim, Alemanha. – Disse Viola.

– Nossa! Isso é semelhante à um dos meus jogos. Isso é sonho?

– Creio que não, ou então, eu estaria dormindo, e já não o faço há mais de três noites. Meu pai está vindo. – Lee viu o homem loiro e robusto adentrar pela porta.

– Precisamos conversar, Vi. – Não via o menino ali parado, nem mesmo poderia, pois Lee encontrou-se novamente em seu elevador.

O bip e aviso que havia chegado ao seu andar desejado logo soou, as portas se abriram. O menino cruzou o acesso e encontrou a secretária da mãe em sua mesa:

– Aino, pode avisa à minha mãe que estou aqui, por favor?

– Lee, claro, avisarei agora – A moça pegou o telefone na mesa – Srª Bak, seu filho está aqui. Ok, direi. Ela disse que você pode entrar.

– Obrigado, Aino. – Lee dirigiu um sorriso amigável para a secretária e foi na direção da sala de sua mãe.

Ela estava sentada em sua mesa e rabiscava alguns documentos quando o menino entrou. Lee sentou-se na cadeira de frente para Sun:

– Oi, mãe.

– Olá, Lee. Espero que esteja tendo um bom dia. – Apesar da maneira educada e preocupada, ela ainda mantinha os traços inexpressivos e profundamente sério.

– Em partes, estou.

– Eu havia feito uma proposta e ela precisa ser respondida imediatamente, além do fato de eu ter um assunto que precisamos tratar. – Sun parou de fazer a atividade anterior.

O menino não acreditou ao ouvir aquilo, ela o havia trazido até ali para colocá-lo contra a parede daquele jeito? Com toda a situação ruim, Lee Bak sempre tentou entender as razões da mãe, até mesmo quando ela não sabia expressar-se e acabava o machucando com seu total controle exacerbado.

– Mãe, eu não... – Ela nem ao menos pode terminar.

– Lee, me responda uma coisa, até quando vai achar que vive na Disney e cogitar trocar um futuro promissor por algo ilusório numa terra do nunca?

– Mas mãe, não é ilusório. Meu projeto foi aprovar pela universidade de Tokyo. É para ser estritamente orientado por um dos maiores professores da área. – O menino argumentou.

– Lee, sabe o quanto este banco gera? Tem noção do quanto vai subir na vida seguindo o ramo da família? – Ela lutava para manter a calam com a qual falava com o filho.

– Não precisa-se de muito para ter noção de que a Coréia em peso investe nas ações daqui, mamãe. Mas o problema é que nunca me imaginei aqui. Eu gosto de criar projeções, jogos. – Havia paixão quando Lee se expressava sobre aquilo que queria.

– A vida é feita de concretizações, não imaginações. – A mãe respondeu breve.

– Eu apenas quero ter a chance de dizer que pude fazer aquilo que mais queria, mãe. Eu quero tanto isso. Eu gostaria que pudesse me entender. – Abaixou a cabeça e colocou as mãos na mesa de vidro.

– Suas necessidades vêm antes dos quereres, e não pode se dominar por apenas sonhos, Lee. – Sun colocou as mãos juntas em cima da mesa.

– A senhora sempre falou que este banco nasceu do grande sonho do vovô em décadas. O vovô sonhou, mãe. Ele viu o sonho dele se tornar realidade e bem sucedido. Por que eu não? – Era quase uma súplica que se exteriorizava. Lee olhou nos olhos sérios de Sun.

Seu avô tinha pulso e era decidido, ele não queria um mundo imaginário e joysticks, meu filho. Eu não sei o que há em sua cabeça, mas isso não pode continuar. E se quiser continuar com esta ideia obsoleta, sinto em lhe informar que terá de fazer por si só, eu não serei conivente. – E ela o jogou na face o que não conseguiu mais guardar.

O rosto de Lee mudou de tristeza para descrença diante daquelas palavras da mãe. O seu interior respondeu com pontadas na barriga:

– Está dizendo que se eu quiser estudar administração eu terei tudo do melhor, mas se eu quiser estudar minha área, me deixará sozinho? Vai me abandonar, mãe?

– Não, mas não me orgulharei de ver meu filho querendo ser mais uma pessoa que acha que pode mudar o mundo ao invés de elevar concretamente o seu nome. E devo dizer algo, estaremos embarcando para Londres em alguns dias, esteja pronto. – Bak retornou aos seus documentos como se Lee não estivesse ali.

– Mas mãe, e a Kim? Ela tem o concurso de dança em dois dias e eu preciso acompanha-la.

– Eu disse para estar pronto, a dança da sua namorada não vai lhe salvar a vida. Precisa parar de agir como herói, a menina indiana está bem se quer saber. No entanto, se continuar assim, será o próximo baleado, e vamos parar isso.

Como ela sabia da menina e do pai perseguidos nos becos? Ele não contara para Sun, porém, ela parecia saber.

– Mãe, o que sabe sobre isso? Tem de me contar. – Lee disse com tamanha preocupação.

– Tudo. E já que quer saber, usarei o fator de precisar contar também. Ela não foi a única, e você seria um dos próximos.

(...)

– Foi como quando eu destruí o carro do Hans, foi exatamente assim. Era como se alguém tomasse e fosse uma força. – Viola, confusa, tinha o pai a analisando de frente.

Aquela conversa a deixava a beirar a loucura, uma vez que, não seria o tipo de cosia que a menina acreditaria. Pessoas conectadas como se fossem personagens de uma ficção fílmica. A vida de viola costumava ser a mais prua realidade, não foi o tipo de garota que acreditava em princesas, nem em todos aqueles desenhos, porque pensava deliberadamente que a falta que a mãe fazia foi o primeiro sinal de que todos os finais felizes não passavam de um aspecto que a sociedade utilizava para conseguir dinheiro dos outros. Porém, se tratando da forma preocupada com a qual os olhos do pai a diziam aquelas coisas, a loira aquiesceu, sobretudo por fazer um sentido absurdo.

Wolfgang era superprotetor com ela, mas não era o pai que lhe contava história para dormir durante a noite, embora por um tempo ela quisesse que ele fosse. Na maior parte da conversa ele não olhou nos olhos dele, do contrário, olhava para o chão. Às vezes a voz tornava-se um eco incomodado, e este se libertava quando Londres era o assunto. Iriam para Londres, pelo que ele disse estava decidido. Viola não possuía noção do que poderia fazer na Inglaterra, nem mesmo se ajudaria em algo. Eles haviam decidido ir, no entanto, a reluta de Wolfie era visível. Ele gostaria de ajuda-la, mas havia algo no seu tom, na sua maneira de expressar o lugar, que a filha percebeu que havia algo dentro da sua alma ligado à uma maior causa, ou melhor, à um acontecimento, e iria mais longe, alguém.

– Foi exatamente isto, Viola. É muito para crer dessa maneira súbita, mas é a verdade. Eu não deixaria ninguém machucar você, nunca duvide disso. – Ele disse.

– Eu sei, papai. Mas se Londres é a minha melhor maneira de viver, por que está tão receoso?

– Eu não queria apenas ter de sair daqui, aqui é o nosso lugar. – O argumento falho logo seria quebrado pela menina.

– Não, pai. Tem de ter algo, porque eu não te vejo como alguém desestabilizado, e visivelmente o senhor está. Alguém, ou algo, faz com que o senhor não deseje estar naquela cidade. Eu sei disso.

– Deixa de bobagem, Vio. Eu não temo ninguém. – Wolfgang levantou da cama.

– Teme a si mesmo, porque não há nada pior do que temer o mais profundo interior da alma, e a sua está fazendo isso com o senhor.

O pai encarou a filha e engoliu seco, pois diferente de todas as situações nas quais passara na vida e nos crimes que um dia cometera, nenhuma arma o desarmou como aquelas palavras de Viola. Os anos que se seguiram em seu crescimento foram o teste mais difícil da vida do homem, pois como criaria uma criança vivendo como vivia, sendo quem era? Ainda mais pelo fato dela não ter uma mãe. Ele bem sabia que o tabu sobre a mulher era real naquela casa, bem como, que a curiosidade de Viola existia, ainda que, sua filha não o questionasse por isso. Seria medo, receio, ou qualquer motivo que ela achasse que fosse o irritar. A única vida que Viola Bogdanow conhecia era de um pai e nada mais do que isso.

– Apenas faz suas malas, Viola, vamos a este maldito lugar. – Ele deixou o quarto com ressentimento no tom da sua voz.

Viola encostou-se no canto de sua cama e apertou a almofada contra o peito. Poderia até parecer algum tipo de bobagem de sua parte, mas era como se a coisa que mais afetava o pai estivesse perto, a mãe. A mãe que ela não conhecia, ou melhor, que ela nem sabia se existia ainda. Na escola costumava ver os beijos carinhos que as mães davam em suas filhas, desejando ser a vez dela um dia, e simplesmente com o passar do tempo ela entendeu que algumas coisas na vida não são para ser.

– Eu vou matar este garoto desgraçado. – O vulto de Wolgang surgiu em sua porta de novo. Trazia consigo um papel em mãos.

– Que garoto, pai? Do que está falando?

– Hans, aquele cretino. Isto é uma intimação para comparecer a polícia, ele denunciou você pelo carro.

Os olhos de Viola se arregalaram em pânico. Media ali as consequências do seu ato, pois estava perdida.

– Ele vai levar uma surra. Ah, vai. – Wolfie jogou o papel no chão e saiu em fúria.

– Pai, não faz isso. Paiii! – Viola saiu correndo atrás do homem, sabia do que a raiva podia fazer do seu pai.

– Sai, Viola. Esse fedelho vai aprender como se age com homem.

– Não pode fazer isso, vai piorar tudo. E a viagem? Podemos embarcar ainda hoje, nunca ouviu sobre carteiras falsas? Eles não conseguiriam nos impedir de viajar. E depois apenas voltamos e esclarecemos.

O olhar assombrado do homem recaiu na filha. A imaginação fértil e criminosa de Viola o fez ficar abismado.

– Quando voltarmos, pode guardar, eu vou tirar os dentes dele. – Jurou o pai.

– Quando voltarmos, eu vou matar Hans. – A menina prometeu de imediato.