Estúdio De Bonecas

Capítulo 4 - Gentileza de Yumi


A frustração da noite passada impregnou minha cabeça durante toda manhã. Estava sentada na velha carteira da sala 303 ouvindo o professor Kubodera comentar algo não muito interessante sobre ecologia. Seus óculos quadrados cobriam quase metade de rosto triangular e, enquanto falava, caiam irritantemente para a ponta de seu nariz. Isso já estava me dando nos nervos.

Olho em volta da sala, a maioria dos alunos parecia bem cansada, em parte pela noite agitada e em parte pela voz tediosa do nosso novo professor. Até aquele momento, não havia reparado na ausência de Sakakibara. Uma morte e o aluno novo já teria desistido? Quanta coragem.

Diferentemente dos outros alunos, eu não estava assustada com o ocorrido. O que realmente me intrigava era aquele lenço cheio de sangue, realmente foi Akasawa? Ela, com certeza, era muito séria e brigona mas, matar o novo professor? Isso parece um pouco inusitado.

– Acho uma ideia começarmos o ano letivo com um trabalho individual. - disse Kubodera, frisando a palavra "individual" - Quero que construam um ciclo ecológico até semana que vem.

O sinal do intervalo soou alto após dois longos períodos. Os alunos se apressaram, vários deles se levantaram para sair, outros arrumavam rapidamente as mochilas.

– Lembrem-se de que o trabalho valerá um terço da nota semestral de vocês. Dispensados. - falou alto o professor magricelo.

Desci as escadas correndo enquanto mentalizava uma lista de possíveis suspeitos do assassinato. Não tinha passado pela minha cabeça que eu tinha encontrado Sakakibara e Teshigawara na porta da biblioteca, antes do anúncio da diretora Reiko. Apesar da minha dúvida da capacidade de Naoya Teshigawara para matar alguém, eu o pus na minha lista. Assim como Akasawa e Sakakibara.

Estava absorta em meus próprios devaneios quando avistei Misuki indo em direção ao pátio acompanhada de um garoto de cabelos castanhos. O que significava aquilo? Eles já se conheciam?

Apertei meus passos e corri o máximo que pude para alcançá-los. Infelizmente, minhas pernas curtas e má preparação física me impediram. Os dois tinham atravessado o refeitório. Resolvi gritar.

– Yumiko!

A garota de cabelos longos que o acompanhava virou-se para olhar, assustada. Misuki, apesar de ser minha prima, não era nem um pouco parecida comigo. Tinha olhos castanhos escuros, quase negros, que exalavam um ar de inocência e pele não tão clara quanto a minha.

Yumi sorriu timidamente ao me ver e puxou Sakakibara pelo braço até meu encontro.

– Akemi, esse é Kouichi Sakakibara. - Yumiko disse empolgada.

– Já conheci. - olhei com desgosto para o menino á minha frente.

Sakakibara pareceu não notar meu desprezo e sorriu para mim. Tinha dentes muito brancos e um sorriso estranhamente bonito.

– Sua prima estava me mostrando o lugar. Ela é muito gentil.

Bufei. O que ele sabe sobre a gentileza de Yumi? Mal a conhece!

– Tenho certeza que sim. - virei minha atenção para Yumiko - E você deveria pensar antes de sair por aí andando com qualquer um. Principalmente, os novatos.

Ela sabia do que eu estava falando. As mortes poderiam estar sendo causadas por qualquer um e não havia policial ou detetive que se encorajasse a pegar o caso. A única coisa que nós podíamos fazer era esperar pela sorte de não sermos mortos.

Yumi não passou pelos mesmos problemas que eu mas, me entendia de uma forma que ninguém podia explicar. Acho que era isso que me fazia suportá-la durante todos esses anos. Sim, suportar. Não posso me dar ao luxo de gostar ou amar alguém, esses sentimentos destroem todos nós.

Os pais de Yumi se mudaram para Califórnia depois que os meus pais morreram. A verdade é que eu nunca soube o porquê dessa mudança repentina mas, imaginei que fosse pelos ataques frequentes. Eles insistiram bravamente para levar Yumiko para a Califórnia, para uma nova vida. Minha prima se negou a ir, dissera que não queria abandonar suas raízes e seus amigos. Algo muito besta a se fazer quando seus vizinhos estão sendo assassinados sem nenhuma razão aparente.

Então, seus pais optaram por colocá-la em um internato, onde seria mais "seguro". Mas, é claro que eles não iriam deixar a própria filha sozinha e todos os anos visitam a menina.

Após a entrada de Yumi na Yomi Norte, nós ficamos mais próximas e passamos a tomar conta uma da outra até que essas mortes parassem. Tivemos alguns anos de descanso em todo o caso e, para nossa infelicidade, a tortura estava recomeçando.

– Acho que Sakakibara não tem nenhuma relação com isto, Akemi.

Desconfiada, tornei a olhá-lo de cima a baixo. Tinha estatura mediana e olhos da cor de seus cabelos. Seu rosto demostrava curiosidade e nada além disso.

– Pode ser. - fuzilei Sakakibara com os olhos. - Te vejo depois, Yumi.