Essence of Time

The voice in my head is my savior!


Capítulo 8

Annabeth se via no topo de uma colina. Ela não podia se mover, apenas sentir a grama alta através do jeans, o vento bagunçando seus cabelos louros, e ver sua sombra sob a luz da lua. Parecia uma visão de paz, e Annabeth realmente acreditou que teria uma noite tranquila depois dos tantos pesadelos que tivera.

Mas tudo acabou em questão de segundos. Uma neblina espessa começou a embaçar sua visão da colina, o céu ficou cheio de nuvens. Estreitando os olhos, Annabeth conseguiu ver silhuetas na neblina, uma bem pequena como uma criança, e outras enormes e deformadas. Eles se moviam muito rapidamente, quase demais para os olhos de Annabeth acompanharem, mas ela conseguiu ver quando a silhueta pequena foi perfurada por uma lança afiada. A criança, o que Annabeth presumia que fosse, foi jogada para longe, batendo com força no chão.

Annabeth ouviu gritos. Gritos desesperados, berros gritando um nome: Percy. Talvez fosse o nome da pequena silhueta?

Annabeth sentiu que podia se mover agora. Ela deu um passo para frente, determinada a chegar à criança, Percy. Rezando para que ele estivesse bem, como se o conhecesse e se importasse...

– Annabeth!

Annabeth se sobressaltou no banco, olhando em volta em pânico. Então percebeu que só estava no banco do passageiro do carro do pai, relaxou, e virou o corpo para olhar para Grover, sentado a seu lado, dirigindo.

– Sim? – Perguntou.

– Estamos quase chegando. – Disse ele, seriamente. – Esteja pronta.

Annabeth pensou em dizer que não é como se eles iriam ser atacados, mas era exatamente isso. Lentamente, os acontecimentos do dia voltaram para ela.

Depois do incidente com a Fúria, Grover imediatamente a levou até o Sr. Brunner, cujo nome era falso, e na verdade era Quíron. Sim, o Quíron, o lendário treinador de heróis. Depois de ver no que a Sra. Dodds se transformou, Annabeth não duvidava que fosse verdade.

Aparentemente, Annabeth era uma semideusa. Seu pai era mortal, sendo assim sua mãe era uma deusa. Julgando o olhar de Quíron, ele parecia ter uma ideia de quem era a mãe de Annabeth, mas não compartilhou nada. Annabeth tinha ficado no mínimo satisfeita ao saber que seu TDAH e sua dislexia tinham alguma explicação para existirem.

Depois dessa grande revelação, Quíron a encaminhou para o apartamento do pai de Annabeth, e todos tiveram de ver a bizarrice que era Frederick Chase fazendo biscoitos vestido com um avental florido (¬_¬).

Seu pai aparentemente sabia de toda essa loucura desde o início, e disse a Annabeth que, ao afastá-la, estava tentando protegê-la. Ela não entendeu muito essa parte. Mas tudo bem. Frederick emprestou seu carro. Quíron disse que iria encontrá-los no tal Acampamento Meio-Sangue, “um lugar onde os semideuses aprendem a sobreviver”. Belo slogan. Ele achou que seria mais seguro se o pai de Annabeth ficasse em casa, então Grover estava, surpreendentemente, dirigindo.

Annabeth suspirou e, afundando no assento, pensou em seu sonho. Aquele menino... Percy. Quem era ele? Por que aquilo havia acontecido com ele? Ele era tão pequeno... Um garotinho. Um garotinho que não merecia aquela morte horrível. Sim, morte. Annabeth não era uma expert, mas sabia, de alguma forma, que ninguém sobreviveria a um ferimento como aquele.

Muito menos uma criança.

Annabeth foi repentinamente arrancada de seus pensamentos pelo com de um rugido. Automaticamente, sua mente começou a buscar explicações.

Poderia ser um leão, mas não havia leões em Long Island. Um boi seria o mais provável, mas nenhum boi ou vaca poderia mugir tão alto, e Annabeth duvidava que algum fazendeiro seria burro o suficiente para criar um touro descontrolado.

Annabeth olhou para trás e tentou não vomitar de horror pelo que viu através do vidro traseiro do carro.

Tinha, facilmente, mais de dois metros de altura, e os braços e pernas pareciam algo saído da capa da revista Músculos, estufados como bolas de beisebol embaixo de uma pele cheia de veias. Ele não usava roupas, a não ser cuecas branquíssimas da marca Fruit of the Loom, o que teria sido engraçado se não fosse o fato de a parte superior de seu corpo ser tão simplesmente horrorosa. Pelos marrons e grossos começavam na altura do umbigo e iam ficando mais espessos à media que chegavam aos ombros. Seu pescoço era uma massa de músculos e pelos que levavam à enorme cabeça, que tinha um focinho tão comprido quanto meu braço, narinas ranhentas com um reluzente anel de bronze, olhos negros cruéis, e chifres preto e branco com pontas que você não conseguiria fazer nem num apontador elétrico.

Annabeth soube imediatamente o que era aquilo.

O Minotauro.

Grover arfou do banco do motorista, vendo a criatura pelo espelho retrovisor. Annabeth quase deu de cara no vidro a sua frente quando o sátiro pisou com tudo no acelerador, o pino de velocidade no painel ao máximo. Voltando o olhar novamente para a traseira do carro, Annabeth viu que o Minotauro corria atrás deles, os cascos deixando marcas no asfalto.

– É o filho de Pasifae! – Gritou Grover. – Nós estamos completa e definitivamente ferra...

Ele nem teve tempo de completar sua longa frase.

Annabeth gritou quando sentiu que o carro estava sendo levantado, e viu, com horror, quando o chão de repente parecia muito distante. Só teve tempo de pensar que o monstro os havia pegado e que estavam mortos, antes de o carro ser jogado centenas de metros para frente.

Annabeth se sentiu sem peso, como se estivesse sendo esmagada, frita e lavada com uma mangueira, tudo ao mesmo tempo. E então aterrissaram com tudo, e Annabeth foi cercada pelo som de vidro quebrando, metal amassando, e todas essas coisas que você ouve quando um carro bate nos filmes.

Annabeth tentou sair de seu torpor, e olhou em volta tanto quanto podia. O teto havia se aberto como uma casca de ovo e chuva derramava para dentro. Eles tinham voado pelos ares, para fora da estrada, e ido parar numa vala. Ao lado de Annabeth, no assento do motorista, havia uma grande massa informe e imóvel.

– Grover! – Ela o sacudiu pela cintura, mas ele não reagiu. – Ah, não, cara, não desmaie agora. Você tem de me dizer para onde ir!

– Hum. – Grover murmurou, se mexendo um pouco no assento. – Comida.

– Não, comida não, Grover! Sem comida!

– Nenhuma comida?

– Sim, nenhuma comida. Acampamento Meio-Sangue.

– Acampamento. Pinheiro... Entrada... Percy.

Annabeth se sobressaltou um pouco ao ouvir o nome de seus sonhos ser balbuciado por Grover, mas ela não tinha tempo para pensar nisso. Pinheiro, entrada. Então ela tinha de achar um pinheiro, que por alguma razão tinha algo a ver com o garoto, Percy. Um pinheiro que provavelmente era diferente dos outros, e era a entrada para o Acampamento Meio-Sangue.

Mas primeiro eles tinham que sair do carro.

Annabeth se jogou contra sua porta. Estava emperrada na lama. Tentou do motorista. Emperrada também. Desesperadamente, ela ergueu os olhos para o buraco no teto. Poderia ser uma saída, mas as bordas eram afiadas como navalhas, esperando para estarem sujas de sangue...

Saia pela porta traseira!, disse uma voz desconhecida em sua mente, uma voz de garoto. Annabeth, sem pensar na possibilidade de estar enlouquecendo, agarrou o braço de Grover e o puxou com ela para o banco traseiro, chutando a porta com tudo que tinha, e ela se abriu. Não havia tempo para cuidadosamente abrir portas. O carro estava destruído mesmo.

Annabeth tinha se esquecido totalmente sobre o Minotauro, até ouvir o rugido novamente, e dessa vez muito perto. Ela arregalou os olhos, apoiando o braço de Grover sobre os ombros e tentando correr, mas ela sabia que não iria dar tempo. Dez passos seus eram um passo daquele monstro.

– Grover! – Ela tentou, esperançosa. – Faca! Onde está?

– Faca? – Ela balbuciou de volta.

– Sim, seu idiota! Onde está?

– Chapéu.

O TDAH de Annabeth fez duas perguntas totalmente inúteis, mas que chegam a ser válidas: Quem coloca uma faca no chapéu? e Como diabos esse chapéu ainda está na cabeça dele? Só pode ser um desejo de morte!

No entanto, Grover não era tão suicida assim. Usando a mão que não estava ocupada apoiando Grover, Annabeth tirou o grande chapéu de Grover e viu a faca lá entre os cachos espessos do menino, embainhada. Annabeth a pegou, desembainhado-a com uma mão só com a ajuda do polegar, e sentiu aquela sensação de poder correr dentro dela novamente, como se aquela faca fosse feita para ela.

Erguendo os olhos para a figura rapidamente se aproximando do Minotauro, Annabeth apertou os dedos ao redor do punho da faca e endireitou-se numa posição de ataque. Ela não tinha nenhuma ideia do como ou do por que, mas, em ambas as vezes em que segurou aquela faca, ela sentiu como se pudesse lutar mil batalhas. Porém não era só isso. Desde que segurara aquela lâmina pela primeira vez, Annabeth havia sentido uma presença com ela, uma presença que, de certa forma, a ensinou a lutar.

A presença a preparou para enfrentar o Minotauro.

Annabeth desviou os olhos do touro para procurar o tal pinheiro, e não foi difícil achá-lo. Ele era enorme e de certa forma bonito, no topo da colina com o brilho de relâmpagos atrás dele. Annabeth começou a subir. O pinheiro estava a apenas mais alguns metros, mas a colina era cada vez mais íngreme e escorregadia, e Grover ficava mais pesado.

O Minotauro se aproximava. Não demoraria muito para que estivesse em cima de Annabeth e Grover. Mesmo àquela distância, Annabeth podia sentir o cheiro de carne podre e os olhos negros do touro brilhando de ódio, como os de um tubarão. A criatura avançou em sua direção, inclinou a cabeça e atacou, seus chifres afiados como navalhas apontados diretamente para o peito de Annabeth.

A única coisa que Annabeth conseguiu fazer antes de o medo se instalar sobre ela foi jogar Grover o mais longe que podia enquanto ela murmurava “enchiladas”. Depois disso, ela moveu o corpo para correr, mas a voz desconhecida em sua mente sussurrou: Não. Fique parada. Você não pode correr mais que ele. Annabeth sabia que a voz estava certa, e, cautelosamente, deixou que a presença em sua cabeça a ajudasse.

Annabeth engoliu em seco quando viu que o Minotauro estava prestes a matá-la. No último segundo, quando os chifres estavam prestes a perfurarem seu estômago, a voz exclamou: Pule!, e Annabeth pulou para o lado.

A criatura passou por Annabeth a toda como um trem de carga, depois bramiu de frustração e se virou, mas dessa vez não contra ela, e sim contra a forma inconsciente de Grover a alguns metros de distância, aproximando-se do sátiro e fungando. De repente, a possibilidade de que o Minotauro pudesse machucar seu melhor amigo fez o sangue de Annabeth ferver, e a raiva substituiu o medo. Ela apertou ainda mais a mão em volta da faca, e uma nova força ardeu nos membros da garota, a mesma onda de energia que a veio quando a Sra. Dodds mostrou as garras.

Tire a capa de chuva, disse a voz, e Annabeth obedeceu.

Ei, estúpido! – Ambas a voz e Annabeth gritaram, a garota balançando a capa de chuva vermelha. - Monte de carne moída!

Annabeth não sabia de onde isso saiu, mas irritou o monstro. Ele rugiu e virou-se para ela sacudindo os punhos carnudos. Annabeth encostou as costas no grande pinheiro, pensando em pular fora do caminho no último momento, se perguntando se a presença em sua mente aprovava, mas a voz não falou nada.

O plano de Annabeth não foi como planejado. O monstro atacou depressa demais, os braços estendidos para agarrá-la qualquer que fosse o lado para onde ela tentasse se esquivar.

Houve um flash dourado, e o tempo ficou mais lento.

Você não pode pular para o lado, a voz voltou a falar. Então pule para cima. Foi o que Annabeth fez. Usando a cabeça da criatura como trampolim, ela girou o corpo no ar e caiu sobre o pescoço do Minotauro.

Annabeth não teve tempo para agradecer a voz pela ajuda. Um milissegundo depois a cabeça do monstro chocou-se contra a árvore e o impacto quase fez os dentes da garota saltarem da boca.

Annabeth levou um susto quando a voz em sua cabeça urrou no mesmo instante, como se estivesse passando por uma dor horrível, antes de ficar em silêncio. Ela sentiu uma estranha vontade de confortá-la, como se já tivesse construído um vínculo com a presença em sua mente, e não duvidava que tivesse.

Não havia tempo para pensar sobre isso.

O homem-touro cambaleou de um lado para outro tentando se livrar de Annabeth. Ela segurou com força um de seus chifres para não ser arremessado, usando a outra mão para erguer a faca. Os trovões e os relâmpagos ficavam mais fortes. A chuva caía nos olhos de Annabeth. O cheiro de carne podre queimava seu nariz.

E então o braço de Annabeth desceu, e a faca cravou-se no crânio do Minotauro. Ele soltou um rugido de agonia, antes de desabar. Annabeth se jogou no chão para não ter suas pernas esmagadas sob o peso do Minotauro. Mas ela nem precisava ter se preocupado com isso. O Minotauro já havia se desintegrado antes mesmo de chegar ao chão.

O monstro se fora.

A chuva tinha parado. A tempestade ainda rugia, mas somente a distância. Annabeth cheirava a gado e seus joelhos tremiam, só então percebendo a onda de cansaço que se abateu sobre ela. Sua cabeça parecia que ia se partir ao meio. Ela estava fraca e assustada, agora que a adrenalina havia ido embora.

Eles tinham chegado ao topo da colina. Embaixo, do outro lado, Annabeth podia ver um vale, e as luzes de uma casa de fazenda tremeluzindo amarelas através da chuva. Ela queria se deitar e dormir para sempre, mas havia Grover, precisando de sua ajuda, portanto ela conseguiu reerguê-lo e descer cambaleando para o vale, em direção às luzes da casa.

Annabeth caiu de joelhos no piso de madeira da varanda, largando Grover enquanto ofegava, lutando pelo ar. Estava tão cansada. Se só pudesse dormir um pouco, só alguns minutos...

– Você ouviu isso? – Ela ouviu a voz de uma garota dentro da casa.

– Foi lá fora. – Respondeu a de um garoto.

– Ah, não me diga, Sr. Óbvio. – Respondeu a garota, cheia de sarcasmo. – Vamos, abra logo a porta, Castellan!

Um triângulo de luz amarela iluminou Annabeth, que ergueu a cabeça para encarar dois pares de olhos azuis surpresos, antes de tudo ficar negro quando ela perdeu a consciência.