Esmeraldas

Casa das Felicidades


- Uaaau! – ela fez tentando me acalmar enquanto levantava as mãos – Menos! Calma aí, rapaz!
- Todos na minha família – eu disse furioso apontando na direção de seu nariz – trabalharam feitos escravos para conseguir alguma coisa nesse país, mas nunca, nunca houve nenhum vaquero.

- Ei! – ela disse enquanto pegava meu dedo e me puxava para perto dela – Pare com o espelho agorinha. E tira este dedo do meu nariz. Se fizer de novo, será um dedo quebrado.

Como ela fez aquilo? Eu não sei. Eu só sei que... Bom, que ela bem quente. Ou sou eu que sou gelado demais?
Ela olhou para o espelho com satisfação. Eu olhei o meu dedo. Ela era tão quente que o meu dedo parecia pegar fogo. Eu juro que por um momento achei que eu estava realmente com o dedo pegando fogo. Eu não acreditei no que estava acontecendo. Ela além de me ver, pode me escutar e relar em mim. O sangue fugiu do meu rosto. Eu me sentia pálido, a única coisa que falta de verdade é o sangue. Eu pensava em tudo que me vinha na cabeça. Realmente em tudo. De tudo o que eu pensei o mais idiota e irresponsável foi pensar que agora eu podia acariciar aquelas bochechas que ficavam vermelhinhas quando ela estava com raiva.

- Agora ouça bem, Jesse. Este quarto é meu, entendido? Você não pode ficar aqui. Ou você me deixa ajudá-lo a ir para onde deve estar ou vai ter de achar outra casa para as­sombrar. Sinto muito, mas é assim.

Eu olhei para ela com uma cara de quem não acredita. Sabe, agora eu acho “só ver para crer” muito idiota. O melhor seria “acredite se quiser”. E nesse momento eu estava tentando fazer isso.

- Mas quem é você? - perguntei, suavemente. - Que tipo de... garota é você?
Nunca duvidei que ela era uma garota. Só para mim naquele momento eu realmente achava que ela não era humana. Estava errado lógico.

- Pois vou dizer-lhe que tipo de garota eu não sou – ela falou brava - O que eu não sou é o tipo de garota disposta a compartilhar o quarto com um membro do sexo oposto. Deu para entender? De modo que ou você se arranca ou eu vou botá-lo daqui para fora. Você decide. Vou lhe dar algum tempo para pensar. Mas quando voltar aqui, Jesse, não quero vê-lo mais.

Virou de costas para mim e saiu.
Eu estava sozinho no quarto novamente. Eu acho que denominá-lo como meu não é mais certo. Fui até a varanda tentando absorver tudo aquilo. Olhei a praia. Era para lá que eu ia, pelo menos até ela esfriar a cabeça. Mas eu não ia dar o meu quarto para ela com tanta facilidade. Não mesmo. Fui me desmaterializando aos poucos. Sempre que eu faço isso é como alguém me desse choque –pequenininhos e até bons de se sentir- nas mãos e na cabeça. Eu sabia que logo eu estaria em outro lugar, que não era o quarto, nem a praia. Eu estaria num lugar que ninguém - além de quem já é fantasma – já fora. Um lugar perfeito para se estar, um lugar quieto e aconchegante. O plano espiritual. Se bem que eu não o chamo assim, eu o chamo de casa das alegrias simplesmente por que não tem como ficar triste lá. Vou explicar. No inicio é só um campo de céu estrelado, mas conforme você vai imaginando o lugar se transforma e fica como você quer. A minha casa das alegrias é o meu quarto. Quero dizer, o meu quarto antes deu morrer. Andei lentamente e me deitei na minha cama. Fechei os olhos e imaginei uma ilha, as ondas batendo nas pedras, as gaivotas, os golfinhos longe, o sol escaldante e por fim eu. Quando abri os olhos eu já estava lá. Olhei o mar que estava refletindo o brilho do sol. Olhei para trás tudo o que tinha era areia. Fechei os olhos novamente e imaginei uma floresta que cobria metade da ilha, imaginei esquilos e pássaros de diversos tipos, imaginei que mais dentro da floresta tinha uma clareira coberta de flores de diversas cores. Imaginei um lago nessa clareira e montanhas mais ao norte. Abri os olhos e vi que eu tinha criado mais do que uma ilha. Eu tinha criado um país. Um país em que eu poderia viver feliz. Pelo menos por enquanto...