Escuridão

A mais perfeita noite de todos os tempos


Para a minha felicidade, juntamente com a chegada da noite, veio uma tempestade. A chuva caía violentamente, seguida por constantes relâmpagos e trovões que rasgavam o céu e rugiam em demasiada fúria, provocando barulhos intensos. E, para completar esse incrível cenário, estava eu em meu quarto sossegado, sentada em uma poltrona e mexendo em meu computador que se equilibrava em meu colo quando, de repente, a luz resolveu apagar.

- Pronto, minha noite está perfeita agora! – pensei – Tem como ela ficar ainda mais?

Mal tinha eu acabado de pensar nisso, quando um grito se fez ouvir em meio à escuridão. Parecia ser minha mãe. Decidi lidar com isso de forma madura, sem entrar em pânico:

- AAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Meu grito foi apenas uma resposta ao ambiente hostil em que estava, mas o medo nem passava pela minha cabeça!

Depois de um tempo, pensativa, desejei ir ao quarto de mamãe (o grito parecia ter vindo de lá) para ver se ela estava bem (com um grito daqueles, ela só podia estar gostando do escuro). Estando eu em meu quarto, território conhecido, não foi nada difícil andar em meio a escuridão até a saída deste.

- Ai! Quem botou esse armário aqui?? E essa cama??? Ui! Cadê a droga da saída?!

Finalmente encontrei. A porta já estava aberta, facilitando a minha vida (isso é novidade). Porém, antes de sair, estiquei meu pescoço para fora do quarto. O breu era absoluto. Juntei coragem e saí de meu porto seguro. Encontrava-me agora no corredor. Procurei andar lentamente neste. Ergui uma de minhas mãos e toquei a parede para me guiar até o final do corredor, onde era o quarto de minha mãe. O corredor era enorme então, chegar até lá no escuro se mostrava muito agradável. Que maravilha!

Enquanto eu me empenhava em minha missão, ouvia a tempestade lá fora, que havia se intensificado mais. Os trovões faziam barulhos enlouquecedores. A Mãe-Natureza não parecia muito feliz. Também, com o ser humano cuidando tão bem do planeta, o resultado não poderia ser outro!

Uma porta rangeu. Fiquei paralisada. Surgiram passos de alguém que vinha em minha direção. Esse alguém intensificava os passos, vindo mais rápido, quase correndo. Subitamente o barulho de passos cessou. Virei o rosto para trás, na esperança de não ver ninguém, mas fui surpreendida por uma face monstruosa iluminada. Sem nenhuma cerimônia, gritei:

- AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH! MONSTRO! SOCORRO!

- Há, há, há! Sou eu, sua besta! Sua irmã mais velha, a Patricia! Você caiu direitinho! Há, há, há!

Patricia tirou sua máscara com uma mão e ergueu a lanterna com a outra a fim de mostrar seus instrumentos utilizados para me assustar. Ela ainda riu de mim com gosto. Eu tinha uma irmã adorável! Eu até lhe dei um belo soco no estômago a fim de demonstrar minha gratidão pela brincadeirinha que ela fizera para me descontrair.

A minha irmã lançou um olhar de ódio para mim. Como resposta, ofereci o meu olhar debochado. A gente se amava tanto!

Ficamos nos encarando por um período de tempo, até que me lembrei do que estava fazendo antes de minha irmã amorosamente interromper-me. Esta notou a minha súbita mudança de expressão e perguntou o que eu estava fazendo no meio do corredor naquela escuridão.

- Bom, ouvi o grito de nossa mãe e pensei em ir até lá averiguar se tudo está em seus conformes. – Respondi.

- Eu também ouvi. Mas não liguei muito pra isso. Aliás, eu ainda não ligo.

- Então, por que você está aqui?

-...

Patricia não gostava de admitir nada, por isso desconversei.

- Seu amor por nossa mãe é evidente, Patricia! – disse eu.

- Pois é. – Isso é o que eu chamo de resposta decente.

Percebi a lanterna na mão dela. Como ela não era nada egoísta, perguntei:

- Já que não quer ir até lá, empresta-me a lanterna?

- Eu não! Eu não quero ficar no escuro! Pegue sua própria lanterna!

Vendo que esse objeto luminoso era-me muito familiar, disse triunfante:

- Que própria lanterna? Eu não tenho mais desde o ano passado, quando você a pegou e não me devolveu mais! Aliás, essa que você está segurando é idêntica a minha!

- Era sua, mas não é mais! Você a perdeu outrora e eu a achei! Achado não é roubado! Há, há!

Peguei então uma extremidade da lanterna com uma de minhas mãos, enquanto minha irmã intensificou o seu aperto na outra e a puxou para si, exatamente como eu fazia. Ficamos assim, brincando de cabo de guerra no breu do corredor. Isso era tão encantador!

- Chega! – Disse eu por fim – Vamos parar com criancice. A gente faz assim: vamos até lá juntas, para saber o porquê do grito. Depois, você pode voltar para o seu quarto e ficar com a lanterna. Façamos esse trato! Por favor, só peço que você me leve até lá! Vai me dizer que você não está nem um pouquinho curiosa?

Não sei se ela ou foi movida por meus sentimentos ou foi movida pela curiosidade que no fundo sentia ( tenho sérias dúvidas quanto a crer que ela se comoveu com minhas súplicas), mas ela acabou assentindo.

- Tudo bem. Vamos.

Patricia, com a posse da lanterna, ia à frente iluminando o caminho. Logo estávamos em frente à porta do quarto de nossa mãe. Hesitamos por alguns segundos mas, dominada pela curiosidade (preocupação nem se fala), tomei a frente, girei a maçaneta e empurrei a porta. Ela se abriu.

Patricia, ao dar mostras de sua coragem, empurrou-me para frente para eu ir primeiro (como resposta, tomei a lanterna da mão dela, pois eu agora estava na liderança).

Adentrei no quarto e minha irmã também (ela não estava disposta a ficar longe da única luz disponível). O quarto parecia vazio. Entretanto, vimos que a porta do banheiro, que se encontrava no canto mais escuro do quarto, estava fechada. Nossos corações aceleraram.

Olhamo-nos e concordamos uma com a outra: ela estava lá dentro.

Fomos a passos lentos e silenciosos. Paramos quando nos vimos em frente a porta do banheiro. Iria esticar a mão livre (estava com a outra ocupada, segurando a lanterna) para pegar a maçaneta, quando esta girou sozinha. Demos um salto para trás e nos abraçamos, sem nada dizer. Por fim, a porta se abriu. Ficamos ao vermos sair de lá uma mulher muito furiosa e irritada de toalha. Sem sombra de dúvida era mamãe.

- Que droga! Porcaria de luz! Tinha que dar um apagão exatamente quando estava no chuveiro! Que raiva!

Assim que parou de resmungar para si mesma, ela olhou para frente e deu de cara com a gente. Quase gritou novamente, pois seu susto foi tamanho! Mas sua expressão logo foi substituída pela sua natural: uma raivosa, a que sempre fazia especialmente para fitar nós duas.

-O QUE ESTÃO FAZENDO AQUI EM MEU QUARTO? NÃO TEM MAIS O QUE FAZER NÃO?!

- Mãe, estávamos preocupadas com a senhora! A gente ouviu o seu berro e resolvemos vir aqui para saber do ocorrido... Quer dizer, se você se encontrava bem! – Eu disse.

- “A Gente” não! Quer dizer, claro que estava preocupada com você, mãe! Mas eu não quis vir aqui com receio de atrapalhá-la, eu juro! –E então, Patricia virou-se para mim - Eu somente vim até aqui para te acompanhar, maninha, já que você estava morrendo de medo!

- EU?! Quem é que ficou com medinho e me empurrou para frente? A medrosa aqui só pode ser você!

- Não sou não!

- É sim!

Mamãe sempre foi muito paciente quando eu e Patricia brigávamos:

- Ei, parem com isso agora, antes que eu resolva dar uma surra em vocês!

Ao dizer isso, mamãe foi em direção ao armário e tirou de lá um CINTO. Depois, ao se sentar confortavelmente em um sofá, ordenou que nos sentássemos também. Claro que obedecemos prontamente ao seu pedido afetuoso e carinhoso, ainda mais quando a vimos mexendo ameaçadoramente naquele cinto GROSSO e DE COURO.

- Bom, aconteceu o seguinte: eu estava um pouquinho estressada (bem pouquinho, nem dava pra reparar!) por conta do trabalho. Para relaxar resolvi tomar um banho. Entrei gostosamente debaixo do chuveiro, com a água quentinha... QUANDO A PORCARIA DA LUZ ACABOU E A ÁGUA FICOU GELADA!!!

– Ela percebeu nosso olhar assustado e se recompôs do surto – Aquilo me fez ficar com raiva e acabei gritando, mas não foi tão alto assim (nem um pouco!) ! Tive de terminar o banho rápido e, ao sair, dei de cara com as duas olhando com uma expressão de “cu” para mim. Isso sim foi assustador!

Não façam isso nunca mais, ouviram? – Ela apontou o cinto para nós – Vocês podem matar alguém com esse comportamento ( e você pode nos matar com esse cinto)!

- Sim, senhora! – respondemos eu e Patricia em coro.

- Espera um pouco, foi somente isso mesmo? – Perguntei eu.

- Você está duvidando de sua própria mãe??? E Quem ficaria com medo de um apagão e uma tempestadezinha?– Perguntou minha mãe

Patricia e eu nos olhamos e começamos a rir.

- Estão rindo de mim???

- Não, claro que não, mãe! Jamais faríamos isso! – Disse Patricia.

- É, nunca mesmo, mãe! – Afirmamos prontamente. Ela ainda segurava o cinto!

Depois de tudo Patricia e eu nos destinamos a nossos respectivos quartos (meio decepcionadas, pois não havia acontecido nada. NADA). Estávamos já na metade do corredor, com a Patricia iluminando o caminho com a lanterna (trato é trato, eu tive de dar a ela essa lanterna como prometido), QUANDO um barulho de alguma coisa batendo invadiu o ambiente repentinamente. Este se repetiu mais duas vezes e depois cessou. Olhamo-nos. Estava claro o que iríamos fazer logo em seguida:

- AAAAAAAHHHHHHHHH!!!!!!

Voltamos correndo para o quarto de mamãe. Tentamos abrir a porta, mais foi inútil, estava trancada. Berramos para ela implorando para que deixasse a gente entrar. As mães sempre querem proteger seus filhos, e com nossa não foi nada diferente!

- AH, NÃO! Não quero vocês duas aqui no meu quarto! Vocês bagunçam muito e tiram minha paz! Podem sair da minha porta!

O amor que nossa mãe tinha por nós era comovente.

Éramos então Patricia e eu novamente. Iria começar tudo de novo... UÉ, CADÊ A LUZ??? CADÊ PATRICIA???

Esta já tinha corrido apavorada, provavelmente para o seu quarto. Tentei ir o mais rápida que pude para lá, com o escuro ajudando bastante! Encontrei a porta trancada. Bati e pedi que minha irmã a abrisse para ficar junto dela. Ela, porém, simplesmente respondeu:

- To nem aí! Cada um por si!

A nossa família era muito unida, dava até inveja!

Tudo o que pude fazer foi ir voando até o meu quarto (bati e tropecei uma ou duas vezes no vácuo, só isso! Nem doeu!). Assim que me enfiei neste. Fechei a porta e passei o trinco! Eu é que não iria ficar no meio do corredor ou ir até o barulho sozinha! Já chega! Eu sou muito corajosa para isso, como acabei de comprovar com minha atitude mais recente!

Que noite perfeita, não é mesmo?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.