Erva Doce Amarga

O cheiro amargo da erva doce


Dez anos se passaram, desde a morte de Debie.

Tony estava diante do espelho, com sua respiração descompassada, e seu coração batendo forte. A pessoa que havia visto há uma hora trás quando saia do supermercado o deixou perturbado. Uma mulher jovem, muito elegante entrava na farmácia, e ela se virou, quando seus olhares se cruzaram.

_ É ela, tenho certeza! É Emily!

Raquel o despertou.

_ Tony, não vai me ajudar a colocar as barracas no carro? A feira já deve ter começado.

_ Claro.

Era sábado, e eles foram para a feira.

Todos os finais de semana, Tony e Raquel levavam seus produtos para vender nas feiras mais movimentadas da cidade. Eram produtos naturais, de beleza e para o lar, receitas patenteadas por Antony e que Tony herdou.

Os produtos também levavam o nome “Tomy”, marca registrada que pertencia a família Colins. Para ganhar na justiça o direito de usá-lo, Tony lutou contra José por quase oito anos, mas finalmente podiam colocar os novos rótulos e vende-los sem a intromissão da fiscalização.

Então naquele dia os produtos foram reconhecidos por vários clientes, e eles receberam muitos pedidos, além de fazer sua maior venda desde que começaram há cinco anos.

Já em casa no fim da tarde, Raquel estava muito contente depois de contar seu lucro.

_ Eu sabia que nós conseguiríamos! Valeu a pena esperar e brigar com José. - ela olhou para Tony que parecia desligado – O que houve Tony?

_ Eu vi a filha de Vinni hoje.

_ Ora, Tony! Outra vez? Meu bem, você devia ir àquele doutor que minha amiga recomendou. Precisa de orientação. Eu posso ir com você se quiser.

Tony reforçou que aquela vez era mesmo Emily. E Raquel acabou por concordar com ele para que ficassem bem.

Desde a perda de Debie e de sua empresa, Tony entrou em profunda depressão, e quase perdeu também a razão. Raquel, apesar de não amá-lo como antes, nunca saiu do seu lado. Naqueles dias difíceis o apoiou, e o ajudou a se reerguer aos poucos, mas ele jamais voltou a ser o mesmo, e era obcecado pela imagem de Emily, não podia mais conviver socialmente, e sua maior atividade era somente as vendas na barraca.

Aceitando a sugestão de Raquel, Tony foi com ela a um psiquiatra. Seu nome era Simon.

Depois de saber basicamente por quais motivos Tony teve depressão, Simon teve com ele sua primeira sessão que duraria mais do que o normal.

_ Então, Tony quer falar sobre sua filha, das lembranças que tem dela?

_ Não.

_ Muito bem, e por quê?

_ Ela morreu doutor! Minha mulher não lhe falou?

_ Sim, ela falou. Ok, então sobre o que deseja falar?

_ Não sei. Eu nem mesmo sei o que estou fazendo aqui!

_ Você está aqui por que sua mulher está preocupada com você, Tony. Você tem sempre visto a amiga de Debie em todos os lugares aonde vai. E no sábado...

_ No sábado eu a vi, Doutor! – disse com insistência – Ela estava entrando na farmácia do supermercado, e passou por mim.

_ Ela estava sozinha? Você conseguiu notar?

_ Acho que estava sozinha. Eu me virei para ver aonde ela ia, mas ela desapareceu na multidão.

_ E o que você sentiu ao ver... Como é mesmo o nome dela?

_ Emily Golvea, filha de Vinni Golvea.

_ Emily, certo. O que sentiu quando viu Emily em sua frente?

_ Ela... Eu não sei. Ela me dá medo.

_ E qual o motivo desse medo?

_ Há dez anos eu tive uma empresa...

_ Sim, eu soube.

_ Eu demiti o pai dela, e ela me rogou uma praga.

_ Isso é bem forte. O que foi que ela disse a você?

_ Que a vida me cobraria caro pelo que fiz, e prometeu estar lá sempre que eu caísse. E... Dias depois eu perdi Debie!

_ Estou percebendo que você sente um pavor ao dizer isso, Tony. Mas é por que você acha que o que houve foi por Emily ter lhe rogado a praga? Não acha que foi uma fatalidade, já que ela também perdeu o pai dela?

_ Não, eu não acho! Eu nunca quis que ela perdesse seu pai. Isso também foi culpa minha.

_ Não vejo de que forma isso pode ter sido culpa sua, Tony.

Tony tinha um segredo e não podia contar. Era o motivo de seu tormento mental e constante. Aos olhos dos outros ele teria surtado pela morte de Debie, mas havia muito mais culpa envolvida em sua consciência.

_ Era a mim que eles deviam matar.

_ Mas eles entraram lá para assaltar o banco, não se importavam em quem atirariam.

Ele apenas balançava a cabeça, negando.

Mas Simon era bom no que fazia. Percebeu logo que Tony tinha muito que contar.

Por outro lado, Tony não queria que soubessem o que realmente aconteceu no banco, e por que a frase dita por Emily mexeu tanto com ele.

Tony contou a ele que depois que saiu da empresa que seu próprio pai construiu, ele lutou muito para que a marca dos produtos não fossem usadas por José. Disse que naquela época Emily aparecia com Debie em sua sala no meio da noite, e ele podia ouvi-las conversando.

_ Eu chamava por Debie, mas Emily não deixava sair. E eu não suportava aquilo!

_ Você consegue distinguir essa visão, Tony? Sabe me dizer se era mesmo uma visão ou um sonho?

_ Não era sonho, doutor, era real! Elas estavam na sala, eu podia sentir o cheiro delas.

_ Como era esse cheiro?

_ Erva doce, cheirava perfume de erva doce.

_ E o que houve! Elas não aparecem mais em sua sala?

_ A casa não é mais a mesma. Nós mudamos para outra. Mas ela está sempre por perto, em meus sonhos... E aonde eu vou. Sempre sinto o perfume, e lá está ela!

_ Emily ou Debie?

_ Emily, doutor! – ele dizia aquilo com muita convicção – Eu a vejo nas ruas e... Uma vez ela ligou e perguntou sobre Debie.

_ Você falou com ela?

_ Eu disse que Debie não estava e ela disse que a levou para longe.

Tony se levantou rapidamente e disse que não queria mais falar naquilo.

_ Tudo bem, então. Sente-se e me conte a que pés andam sua luta na justiça pela empresa.

_ Eu não tenho mais nada pelo que lutar. A empresa é dele, mas as outras propriedades são minhas. Eu não consigo a reintegração de posse por que estão embargadas, até que saia o veredito. E isso tem rolado ha dez anos. – ele sentou-se novamente e disse com um riso triste – E o motivo... Ela não vai sair daqui enquanto não vir toda minha desgraça!

_ Tony, você acaba de ganhar uma causa. Você sabe também que se suas propriedades não estavam em nome da empresa, você as ganhará. O sistema realmente é lento, mas funciona.

_ Não para mim.

_ Acha que é menos merecedor que outras pessoas só por que demitiu o pai de Emily.

Tony começou a tremer e ficou muito agitado. Simon chamou por sua recepcionista que o ajudou a deitá-lo no sofá.

_ Tony, eu vou chamar por sua esposa. Ela o levará para casa, esta bem?

Ele ainda tremia, não chorava nem dizia nada, só olhava para o nada.

Raquel chegou, e antes que ela o levasse, Simon explicou o que avaliou do estado dele.

_ Ele esta perturbado com a imagem de Emily por causa do que ela falou há dez anos, e pelos acontecimentos. Isso não é novidade para você. Mas o que eu pude notar é que ele guarda um imenso segredo que o está consumindo, e fazendo com que ele sinta muita culpa e medo.

_ E o que devo fazer doutor? Ele sempre me diz que ela está em algum lugar, e às vezes chega ao extremo de dizer que Debie pode estar viva, e cativa de Emily. Essa menina é uma obsessão na vida dele. Eu sempre converso com ele, ele se conforma por uns dias, mas é só alguma coisa, qualquer coisa dar errado e ele culpa Emily.

_ Tony alguma vez falou de Emily com um tom de ódio, ou chegou a maldizer essas aparições?

Ela pensou um pouco.

_ Não! Agora que você esta me dizendo, eu não me recordo de nenhuma vez em que ele demonstrou raiva. Ele sempre demonstra medo. Como se ela pudesse mesmo fazer algum mal ou se fosse a causa de qualquer fracasso seu.

_ Essa garota... Emily. Quais são as chances de você contatá-la?

_ Nenhuma. Eu tentei, mas soube que ela foi embora daqui quando o pai dela morreu, mas não sei para onde. Tony não acredita nisso, mas a informação veio de uma fonte confiável, a mãe dela. Logo ela também foi embora.

_ É uma pena. Eu contava com isso.

_ O que você tinha em mente?

_ Na verdade eu estava pensando em fazer um tipo de psicologia inversa. Se Tony realmente a visse e pudesse tocar nela, e ainda ouvisse dela mesma que o perdoa, então talvez ele não se torture mais. Pois o problema foi esse trauma que ele teve bem em meio a uma turbulência financeira, e coincidentemente uma praga inocente de uma criança tentando defender seu pai.

_ E quanto a esse segredo guardado? Acha que poderia vir à tona se ele a visse, como se confessasse ou algo assim?

_ Talvez. Mas deixe que ele descanse, nunca converse com ele sobre isso exceto se ele quiser, e continue incentivando-o a vir às sessões. Vou tentar localizar Emily, então vou precisar do máximo de informações que você puder me passar. Faça isso por e-mail, ok?

_ Está bem, Simon, muito obrigada.