Era da Opressão

11; Assumindo as Rédeas


Rosa e Garofano. 19/02/0165

O que antes era um parque com árvores por todos os lados, com clima fresco no verão e úmido nos invernos, era agora uma praça concretada pouco convidativa. O antigo Parco Savorgnan que servia de jardins ao palácio de mesmo nome no século XVII, agora era uma área aberta, com as casas e o próprio Palácio Savorgnan tendo sido completamente demolidos para dar espaço ao Portão Cerchio, com vista para a Fondamenta Venier.

O portão Cerchio era uma estranha escultura da nova era, um arco de quinze metros de altura, como uma rosquinha de mármore e granito fixada ao chão com colunas internas, o círculo parecia prestes a “rodar” via abaixo. Feito com concreto, aço, e acabamento externo em granito e lascas de mármore, o Cerchio era obra de um arquiteto de pouco renome, erguido com fundos acumulados por sete anos pelo próprio homem, que de bom grado criou aquela escultura, para que Rosa e Garofano tivesse algo de que se orgulhar. No meio do arco, no chão, se via uma placa de bronze aonde dizia “Bonet Varys; Arquiteto responsável pelo primeiro marco de Rosa e Garofano” O arco datava de 89, e era o primeiro exemplo da arquitetura da nova era, desenhada projetada e executada por um plebeu. A primeira e diziam que também a última, ninguém via motivos para investir ali, achavam Bonet um tolo na sua época, e ainda assim o consideravam. O povo de Rosa e Garofano sequer tinha tempo para apreciar o Cerchio, e nas ocasiões em que isso era possível, em que tempo surgia, o espetáculo nunca era bonito de se ver.

A praça estava ocupado com os novos homens do Strike7. Um grupo antigo, mas renovado. Agora composto por vinte e cinco guardas e um capitão, eles estava ali para coordenar uma missão tática, mas Stan Puddlyn, o novo capitão, não estava no comando.

— Há alguns dias patrulhas destruíram o lado leste do distrito em uma quase guerra, mas guerras exigem que o inimigo revide. O povo está arrasado, amedrontado e possivelmente vão querer retaliar. O objetivo é no meio daquela sujeira encontrar algo que se relacione aos rebeldes. — Stan disse o que haviam ensaiado na reunião mais cedo, mas acrescentou algumas palavras.

Ao seu lado Homero tinha um olhar incisivo, não pareceu se incomodar com a sensibilização de Stan no discurso, o que importava era a mensagem ser dada. Homero usava um colete igual ao da guarda, mas preto com uma insígnia prata. Depois dos eventos que levaram ao maior fracasso do Strike7, resultando na invasão do estado, e na fuga ainda misteriosa do líder da guarda e agora cumplice rebelde, Tanoos, a guarda passou por uma reforma.

Homero era o novo supervisor da Strike7, apontado pela própria Dama Diamante para tentar reestabelecer a reputação daquele prestigioso grupo. De alguma forma as aparências deviam ser mantidas, ou recuperadas. Stan, por outro lado, sentia-se despido de suas responsabilidades, tendo se tornado um boneco ventriloquíssimo. Toda e cada palavra sua tinha que ser aprovada por Homero, era como estar amarrado em um show de marionetes, mas desta vez ele via as cordas.

— O controle deste distrito esta sensibilizado, os lugares afetados foram residências em sua maioria, o que causou baixas consideráveis, a linha de produção sentirá essa falta na mão de obra, então vamos evitar mais baixas. — Homero acrescentou.

Se mais e mais pessoas morressem, menos e menos trabalhadores haveriam. E a demanda sobrepujaria a oferta, criando inflação descontrolada. As coisas já estavam ruins como estavam, não precisavam de uma crise econômica junto da de segurança, mas ambas pareciam andar de mãos dadas.

— Atenção homens. — Stan disse tentando desviar-se do discurso ensaiado. Estavam na praça, e um ou outro habitante parava para ver o que faziam. Se queremos recuperar a reputação, precisamos do apoio de quem importa, do povo. — Esse povo já sofreu demais ontem. São quarenta e duas mortes confirmadas, a maioria civil. — Homero olhou para Stan como se ordenasse que ele parasse, mas Stan sequer titubeou em sua fala. Nem mesmo desviou o olhar para mostrar que viu a preocupação de Homero, o ignorou por completo. — O povo pode ser controlado, mas vocês não entendem o que aconteceu. Viemos e matamos e queimamos suas casas. Eles tem medo, mas mais que medo; raiva. Somos menos que trinta homens aqui. Não os desprezem, não os maltratem. Estamos aqui em um trabalho pacifico para o bem de todos, do Stato Cinque como um todo. Vocês tem um mapa, sabem quem é o alvo. Temos um trabalho e apenas um trabalho a fazer. Façam. Vão!

Stan ficou ali vendo os seus homens deixarem a praça concretada indo para todos os lados, em grupos de três ou quatro. Até ficarem apenas ele, Homero e Clark.

— O que está pensando me contrariando assim?

— Minha equipe, eles precisam de mais que ordens…

— Recebi minhas ordens diretamente dos Cinque. A missão de capturar esses rebeldes é minha. Vocês estão aqui trabalhando para mim por um motivo, devo lembrar. Você não é exceção à regra, é hierarquicamente inferior, e não é pouco. Deve respeito e obediência. Entre um Capitão e um General existem Guias, Soldados e Comandantes. Você precisa subir muito para poder discutir comigo, e subir mais ainda para contestar minhas ordens.

— Entendido senhor. — Stan disse para Homero sabendo o risco de seu discurso, mas não se arrependia de tê-lo feito. — Permissão para falar livremente…

— Negado Capitão. — Homero rebateu e se virou. — Guarda Clark.

— Senhor. — Clark Mill aprumou-se olhando para Homero.

— Eu entendo que cada grupo de guarda possua seu estilo de comando e vocês não costumam obedecer ordens diretas pois Tanoos tinha uma conduta liberal quanto a planos de ação aonde todos opinavam e uma decisão era tomada em grupo. Mas agora vocês estão sob meu comando, e eu trabalho da forma que qualquer soldado trabalha, com respeito a cadeia de comando, aos que sabem melhor. Espero poder contar com vocês assim como os Cinque contam comigo.

— Sim senhor, positivo senhor. — Clark respondeu imediatamente.

— Bom. Encontre esses rebeldes. Dispensado. — Homero encerrou. Clark maneou a cabeça e girou 90° nos calcanhares, saindo dali bem depressa.

Stan foi logo atrás.

— Não dispensei você Puddlyn. — Homero ergueu a voz. E Stan parou. Clark olhou para Stan e viu o amigo respirar fundo, mas continuou andando.

Stan deslizou a língua pelos lábios abrindo um sorriso de sarcasmo puro, então neutralizando sua expressão se virou para Homero.

— Senhor.

— Eu sei. — Homero disse se aproximando de Stan. A expressão do general era de uma superioridade além da hierárquica naquele instante. Homero olhava para Stan como se tivesse um trunfo na manga em uma mesa de jogo de cartas.

— O quê?

— Dama Diamante ouviu você e Henlook no hospital. Que não iria persegui-lo, mesmo assim por ordem dela uma equipe montou guarda, e quando ele saiu do hospital e fugiu, esse grupo do Strike7 seguiu. Três mortos, um paralisado, parece que as ordens de Henlook, ao menos para os guardas do Stirke7 valem menos que as ordens da Líder desse Estado. Armas levadas, o guarda disse que Tanoos não falou uma palavra, o que é estranho levando em consideração sua promessa e a amizade entre vocês, ainda mais visto a clara divergência de lealdade. Eu sei e afirmo que foi você quem o deixou fugir fingindo estar caçando seu amigo.

— Eu não estava lá. Não fui eu quem o perseguiu…

— Se fosse o teria prendido?

— Não trabalho em cima de hipóteses, senhor. Posso falar, e ser julgado, pelo que fiz, não pelo que faria em situações que não ocorreram.

— Sabe quem estamos caçando aqui, não sabe?

— Vou fazer o meu trabalho senhor, é para isso que sou pago. A despeito dos outros comentários, não pode provar isso porque não ocorreu, se pudesse provar eu já estaria preso, e com todo o devido respeito a sua posição hierárquica, um homem como o senhor não deveria levantar teorias baseadas em tão fértil imaginação, pode ser visto da maneira errada!

— Já que é um fã da honestidade vou deixar claro uma única coisa, Puddlyn. — Homero parecia um cão raivoso agora. Olhava para Stan com a fúria de todos os demônios. — É o meu nome que está em jogo aqui. Não me importo se quiser correr atrás de seu namoradinho, não me importa o quanto você erra em seus julgamentos, mas eu sou encarregado de manter o Strike7 nos eixos, e enquanto esse for meu cargo eu não vou tolerar seus erros. Terei sua cabeça por eles se preciso for. Quando eu sair daqui, estiver em outra função, então faça o que quiser, corra para os rebeldes se quiser. Mas se comprometer minha imagem, perderá a vida!

Homero encerrou e teve apenas silêncio de Stan, finalmente conseguira fazer o capitão se calar.

— Dispensado Capitão. Faça seu trabalho, e apenas o seu trabalho.

Stan deixou Homero no portão Cerchio, e foi para sua patrulha atrás das ameaças rebeldes.

Homero sacou o celular de seu bolso e digitou a mensagem depressa. Leu o texto antes de enviar; “Procurando os rebeldes. Ameaça confirmada. Iniciando parte dois” Enviou para Ortoclásio. Guardou o celular no bolso e olhou para o Cerchio. Sentia-se prestes a fazer história, sabia que aquele dia não produziria nada, mas rebeldes deveriam ser pegos, mas não pelo Strike7. Não agora.