Era Uma Vez... Uma Ilusão

32. Somos um pequeno inconveniente dentro da vasta Baviera.


09|01|1806 Westminster, Londres

O grande carro funerário de Lord Nelson, cuja frente e traseira representam a proa e a popa do HMS Victory, faz sua passagem pelo Temple Bar, entrando agora na Cidade de Londres, e a cúpula da Catedral de St. Paul agora é claramente vista.

São imensas, quase intermináveis, as multidões que assistem a procissão. Porém nenhuma inquietação é vista, apenas uma quietude solene domina entre os espectadores. Na verdade, o único som audível desde Charing Cross é o das carruagens atrás do carro funerário, bem como as gaitas dos Highlanders, liderando a procissão.

As multidões apenas tiram seus chapéus e abaixam as cabeças, embora alguns também chorem pelo herói caído. A nação britânica está de luto por essa perda, mas alegre pela vitória que trouxe. O reinado da Britannia nos mares é incontestável. Porém, numa das mais de 180 carruagens da procissão...

— Estou preocupado com a situação de Niedersieg. — A conversa de Richard com Robert está muito longe do funeral, a quase mil quilômetros, na verdade.

— Mas que surpreendente! — retruca Robert, profundamente irônico, negando logo em seguida. — E quando você não está preocupado com Niedersieg?

De fato, profundamente irônico; Richard franze o cenho e nega para o irmão. A única pessoa aqui com o direito de negar ou se irritar é ele, parece até que Robert não entende como a situação é ruim. O mundo não gira em torno da Inglaterra!

E o pior é que Richard não tem apoio nenhum; o olhar dele instantaneamente volta-se para Cathrine, vestida com o profundo luto Tudor-Habsburg e olhando estoica pela janela. Certamente que os britânicos ficarão satisfeitos, afinal é tudo que eles desejam.

— Falo sério, Robert. — Mas o marquês volta a olhar para o caçula, agora mais sério que antes. — Você sabe que essa situação é diferente. Nunca antes eles me enviaram um deles.

— Está com medo do seu próprio povo, irmãozinho? — zomba Robert, embora em nada afetando Richard.

— Tenho medo do que ele traz consigo, isso sim. — A Paz de Pressburg... É o bastante para matar o sorriso de Robert. Suspirando, Richard ainda acrescenta: — E, para variar, o governo faz-se de surdo quando exijo as notícias políticas do Santo Império.

O que torna tudo ainda pior; significa que os termos da paz foram desastrosos, ou o governo não faria tanto esforço assim para escondê-los. Essa crítica, porém, não agrada em nada Robert, que franze o cenho e retruca:

— O foco agora é Lord Nelson, Richard, não o continente! — Mas ele sequer queria participar do funeral; Richard cruza os braços, o que irrita é Robert. — Esqueça por um momento a Alemanha e lembre-se que nosso dever é participar do luto nacional!

Mas também é dever de Richard cuidar dos niedersiegers, sendo esse o dever maior dele, por sinal. Além do mais, a presença dele no funeral foi imposta pelo rei! Como ele pode esquecer Niedersieg...!?

— ... Você está certo... em parte — Richard, porém, admite num cansado suspiro. — Não vou conseguir nada assim, talvez apenas uma doença, como Pitt.

— É esse o espírito! — O sorriso de Robert é amplo e satisfeito, tanto que ela volta-se à cunhada. — Não é mesmo, Cathrine?

Nem o trabalho de olhar para Robert ela se dá, e tão pouco o responde. Esse foi, com certeza, o pior Natal e Ano-novo que eles tiveram juntos. Mas Richard só consegue sentir pena, ele sabe como é perder os pais. Os irmãos se entreolham, e calam-se.

A procissão continua seu longo percurso pela Cidade de Londres. O carro funerário chega na Catedral de St. Paul por volta das 14h, quando então para e os ilustres enlutados começam a descer de suas carruagens. Logo, porém, também chega a vez deles.

Assim que deixa a carruagem, logo após a saída de Robert, Richard estende a mão e ajuda Cathrine a descer. Depois disso a marquesa simplesmente cobre a cabeça com um escuro véu azul e sai rumo à catedral.

— Não é apenas Niedersieg que me preocupa — comenta Richard, chamando a atenção de Robert —, mas ela também.

— O luto nunca é fácil, principalmente na situação dela que é tão diferente da nossa. — Os pais deles foram assassinados, já Cathrine sequer sabia que o pai estava doente. Robert então fala: — Caberá apenas ao tempo curá-la, disso eu sei.

— Mas Cathrine não é você — responde Richard, ganhando do irmão apenas um assentimento. — Eu queria poder ajudá-la.

A questão é: como? Os dois também seguem o caminho para a catedral. Eles, ao contrário do duque de Clarence que até mesmo conversa com os marinhos do Victory, nunca param no caminho, até que entram e ocupam seus lugares.

É só por volta das 15h que o caixão de Lord Nelson é trazido para dentro, sendo levado para seu esquife ao som do coro cantando a primeira Sentença Funerária... O que fazer...? Richard arregala os olhos e volta-se ao irmão.

— Quais os seus planos para Oldenburg House? — Robert franze o cenho com essa pergunta, principalmente nesse momento.

Mas o funeral continua como o planejado e a ideia de Richard também, afinal... quem iria notá-los conversando no meio da multidão que ocupa a catedral?

*****

Schloss Leonberg, Leonberg

Anne não sabe exatamente o que fazer, nem mesmo para quem olhar; ela divide-se entre o jovem francês em pé na frente dela e a caixa que ele traz consigo, caixa essa com um par de brincos e um colar... de diamantes.

— O que exatamente significa isso? — O olhar dela foca no jovem, cujo sorriso é arrogante.

— É um presente de Sua Majestade Imperial. — E não apenas o sorriso, mas o tom também. Recostando-se na cadeira, Anne assente. — Ele mesmo escolheu os diamantes e deseja que a princesa use-os na visita que se aproxima.

A visita... Não será nada igual a última, dessa vez ele avisou que viria, e também traria Josephine. Essas diferenças, porém, são insignificantes, a principal é que Bonaparte não encontrará o eleitor do Eleitorado de Württemberg... mas sim o rei do Reino de Württemberg.

Respirando fundo, Anne levanta da cadeira e pega do francês a caixa com as joias. Com um rápido olhar, ela constata que os diamantes são maiores até que os dela. Anne mostra as joias para as damas de companhia, ainda sentadas.

— São muito belos, minha senhora — a condessa Verweyen responde, sorrindo em seguida para o francês. — Suas Majestades têm um gosto muito bom.

O francês sorri em concordância... Suas Majestades... Certamente que Josephine de Beauharnais ajudou o usurpador. Voltando a analisar as joias, Anne inclina a cabeça e sorri maldosamente.

— Diga-me, monsieur, qual a origem desses diamantes? — O francês franze o cenho em confusão, aumentando o sorriso de Anne: — Sou a princesa herdeira de uma das mais antigas casas europeias, não posso usar joias roubadas.

— Posso afirmar com toda a certeza que essas joias foram legalmente compradas! — exclama o monsieur, profundamente ofendido. — O imperador jamais...!

— E quanto aos tesouros no Louvre? Ou as obras de arte nos aposentos imperiais nas Tuileries e Malmaison? — recorda Anne, usando da mais cínica ironia. O francês nada responde, fazendo-a rir. — Vamos, monsieur, responda! Diga que foram roubadas!

— O imperador salvou a arte da tirania monárquica! — E o Império da França seria o quê? Novamente ela ri, para a raiva dele. — Somos os vencedores, madame, é nosso direito de conquista.

Direito de conquista? Parando de rir, ela encara fixamente o monsieur, cuja expressão suaviza e... é substituída por uma pensativa. Mas Anne dá as costas e começa a andar pela sala, embora constantemente olhando para a lareira.

— Seu imperador, sua França, acredita então que a arte e os tesouros do passado não passam de simples objetos de pilhagem? — O francês arregala os olhos, porém o faz mais ainda quando Anne joga as joias nas chamas da lareira. — Está dispensado, monsieur.

Apesar de profundamente espantado, o francês faz uma mesura e deixa a sala de visitas, com Anton Belgärd entrando em seguida. O silêncio domina a sala, principalmente da parte das perplexas damas de companhia. Mas logo Anne sinaliza para Anton tirar as joias do fogo.

— Percebeu o sotaque daquele jovem, Luise? É de Mömpelgard — Anton comenta ao tirar as joias com o atiçador e colocá-las na caixa. — O que minha princesa fará com isso?

— Uma linda tiara com parte dos diamantes. — Pegando dele o atiçador, Anne estende um dos brincos. Nem se quisesse ela poderia usá-lo, é grande demais. — As viúvas ficarão muito felizes com o presente do usurpador.

O tom dela é incrivelmente doce e agradável, quase como um anjo cantando. Pura ironia, claro, Anne sorri e joga o brinco na caixa. Anton observa tudo com diversão, porém o mesmo não pode ser dito de Luise, tanto que...

— Não quero nem saber como você agirá no dia 18 — ela retruca numa negativa quase repressiva —, afinal todos os seus "desafetos" estarão lá.

— Quanto a isso, os Bonaparte ficarão livres do meu desprezo. — Anne não é tola para desafiá-los abertamente na corte, tudo deve ser sutil. — O mesmo, porém, não pode ser dito de Fritz.

A condessa nega, ganhando de Anne apenas um revirar de olhos. Quem, porém, fica interessado é Anton, que pergunta:

— Qual o seu plano?

O sorriso dela aumenta amplamente. Esse é o tempo dos planos e estratégias, e ela tem um perfeito. Anne sinaliza para as outras damas deixarem a sala e logo sobra apenas Anton e Luise

— Preciso de alguns oficiais bonitos, Anton, mas nada de franceses ou suíços — Poderia ser príncipes, mas ela ficaria tentada. Anton assente, embora Luise negue. — Fritz e eu estamos numa guerra, e minha maior arma é retribuir a traição dele.

Os dois irmãos franzem o cenho com essa frase, mas Anne apenas sorri. Adultério?... Anne não se humilharia tanto... Será pior.

*****

Palácio de Hampton Court, Londres

— Foi de uma tristeza e solenidade da qual não lembro igual — comenta Lady Carlisle, misturando o açúcar no chá e suspirando tristemente. — Talvez mais até que o funeral do duque de Marlborough.

As outras damas apenas assentem e bebem do chá. Não passou muito tempo desde o fim da ceia, mas o assunto continua no funeral. Mas Cathrine mantém-se distante das damas e tenta focar apenas no piano.

O assunto delas é a última coisa que Cathrine deseja escutar agora; causa nela pensamentos... perturbadores. Mas é difícil manter-se alheia, embora também não seja fácil aprender o 3⁰ Concerto para Piano desse tal Beethoven!

— E Lady Nelson? Todos sabem como a pobrezinha amava ele, mesmo Nelson não merecendo. — A atenção das damas volta-se a Lady Paston, que acrescenta: — Por favor, Nelson ser um herói não apaga seus pecados!

— Você fala de Lady Hamilton, não é? — sugere Lady Newport, ganhando um assentimento. A camareira-mor suspira. — O que será dela a partir de agora, hein?

— Sei apenas que não preciso mais recebê-la em casa. — O tom de Lady Chartents é irritado... As outras concordam. — Era odiavel toda aquela bigamia descarada!

— Pergunto-me o que faz um homem, e uma mulher também, se submeter a tamanha humilhação?

As reflexivas palavras de Lady Cavenbush são dadas como certas pelas outras, que novamente assentem. Há, porém, alguém que ainda não comentou... A atenção delas volta-se a Lady Spencer, que nega lentamente.

— Nelson não era a pessoa mais virtuosa, e nem a mais humilde. — Ela tem propriedade para falar, Lord Spencer foi superior de Nelson. — Ele nasceu um ninguém, mas reclamou quando George sugeriu ao rei fazê-lo um "simples" barão.

Horatio Nelson, tão amado e tão criticado... Mas Cathrine só consegue desprezá-lo! Ela acaba errando uma nota, porém não o suficiente para desistir de tocar... e nem de odiar Nelson. Partiu dele a ordem de atacar Copenhagen em 1801; é dele a culpa...!

Os pensamentos dela são subitamente findados com a entrada de Richard na sala; ele sorri na direção do piano e senta ao lado dela. Mas o silêncio permanece e Cathrine continua tocando.

— Fiquei muito orgulhoso da sua compostura hoje — comenta Richard num sussurro... não a afetando em nada —, em momento algum você foi tímida.

— É difícil sentir timidez quando o seu coração está tomado pela tristeza. — Cathrine sequer olha para Richard, que pega a mão dela.

— Eu sinto muito...

— Não sinta — ela responde, repelindo o toque e voltando a tocar — nenhum de nós é culpado pela morte dele. Mas... eu queria estar lá quando aconteceu.

Essa última parte não passa de um triste sussurro. Richard abaixa tristemente a cabeça, em silêncio. Mas é justamente isso que Cathrine sente: tristeza; ela sequer pôde comparecer ao funeral do pai. Enquanto, ironicamente, esteve na primeira fila do funeral de Nelson.

— Richard — chama Cathrine, tomada por pensamentos sombrios; ele volta-se a ela —, qual o destino dos que assassinaram seus pais?

É uma pergunta estranha, tanto que Richard franze o cenho. Mas Cathrine olha na direção dele, exigindo uma resposta.

— Eles foram enforcados e... decapitados por traição. — Quanta hesitação, a aversão dele a execuções é realmente grande.

— Você ficou satisfeito ao vê-los morrer? — Richard arregala os olhos com a pergunta de Cathrine, que ainda sussurra: — Porque eu fiquei hoje.

Cathrine não sentiu tristeza alguma com a morte de Lord Nelson, parte disso tudo é culpa dele! Porém o foco dela permanece no piano. O olhar de Richard é horrorizado, profundamente perplexo... Mas, em total silêncio, ele abraça Cathrine pelos ombros e a observa tocar.

Esse silêncio da parte deles continua por um bom tempo. Até que Cathrine sente a respiração de Richard no ouvido dela.

— Tenho um presente para você. — É o suficiente para trazer a atenção de Cathrine. — Dentro de uma semana vamos receber o coronel Karinberg...

— Não me lembre disso, por favor! — ela realmente, fazendo uma desgostosa careta. — Seria muito mais fácil recebê-los informalmente.

— Mas não impressionante, e nosso objetivo é impressionar. — Quem Cathrine vai impressionar de luto? Ela nega, mas Richard continua: — Sendo assim, vamos recebê-los na melhor de nossas propriedades.

— Goldenhall?

Richard nega, fazendo Cathrine encará-lo com profunda confusão. Claro que não é Goldenhall, sequer está pronto; mas em qual residência será então?

— Oldenburg House — responde Richard, exibindo um grande sorriso. — Durante a estadia dos Karinberg, a senhora de Oldenburg House será você.

Os olhos de Cathrine arregalam, quase brilham com uma leve animação. Senhora de Oldenburg House?... A animação dela é imensa, bem como súbita, tanto que Cathrine abraça Richard. Será esplêndido!

*****

16|01|1806 Oldenburg House, Londres

— Sir Walter Denbaste e Lady Denbaste! — anuncia o honorável Edward Pembroke, permitindo a entrada dos não tão jovens, e nem ricos, Denbaste.

Toda a distinta "corte Tudor-Habsburg", reunida no salão de bailes da Oldenburg House, observa com atenção o casal caminhando até os soberanos de Niedersieg e fazendo uma mesura. Não são os primeiros, e nem serão os últimos, e talvez justamente por isso a corte já mostre sinais de cansaço.

Após beijarem a mão dos soberanos, os Denbaste deixam a sala e o próximo casal é anunciado. Nada muito impressionante ou novo, apenas recém-casados, herdeiros que sucederam ao pariato, pessoas recentemente enobrecidas e...

— Sir John Douglas e Lady Douglas! — Os que nunca foram oficialmente apresentados à corte Tudor-Habsburg.

Esses últimos, porém, chamam alguma curiosidade entre os cortesãos. Principalmente com a presença do príncipe de Gales logo atrás dos soberanos. Mas nada é dito, nenhum sentimento de aversão é mostrado pelo príncipe, os Douglas simplesmente fazem o que devem e deixam o salão.

É o suficiente para gerar alguns sussurros e comentários sobre os Gales, o que acaba chamando a atenção dos Kendal, ao lado do herdeiro britânico. Porém logo a atenção de todos retorna a Pembroke, que finalmente anuncia:

— O coronel Karinberg e a Sra. Karinberg!

A corte, bem como a realeza, olha com expectativa... Que logo morre. Os Karinberg não causam admiração alguma nos britânicos, que veem apenas um alemão, longe de jovem ou bonito, com um uniforme de hussardo e segurando a mão de uma alemã igualmente simples... Alemães.

Mas o casal não percebe isso, tanto que caminham com orgulho em direção a realeza, completamente alheios ao desdém britânico. Não tarda para os Karinberg chegarem nas cadeiras dos soberanos, onde fazem uma longa mesura.

— É uma alegria finalmente conhecer um niedersieger que não é diplomata — o príncipe fala, dando a Karinberg permissão para levantar a cabeça. — Estávamos ansiosos para conhecê-lo, coronel.

— Espero não ter decepcionado suas expectativas, Sua Alteza Sereníssima.

O duque de Kendal não consegue aguentar e ri, embora discretamente e ganhando um olhar duro da princesa Sophia. O coronel percebe, tanto que franze o cenho em confusão. Mas o príncipe é mais rápido que qualquer ofensa:

— O importante é aproveitarmos esse intercâmbio que teremos. — Karinberg assente para o príncipe, que sorri para a dama. — É um prazer, Sra. Karinberg.

— Não tenho nem palavras para expressar o mesmo, Sua Alteza Sereníssima! — responde animadamente a dama, sorrindo em seguida para a princesa.

Porém nada é dito pela consorte, cujo olhar na Sra. Karinberg é impassível... Até que ela trocar um rápido olhar com o príncipe e, respirando fundo, fala sorrindo:

— Bem-vindos. — Um sorriso mínimo.

É um choque essa "frieza" da princesa, mas os Karinberg assentem e, beijando a mão dos soberanos, deixam o salão. Acabou... As apresentações no caso. O príncipe e a princesa se entreolham e depois voltam-se para frente, onde Edward Pembroke anuncia o retorno...

*****

Uma recepção sempre é necessária após uma apresentação à corte, e hoje não seria diferente. Todos os casais apresentados ao príncipe e a princesa foram chamados de volta ao salão, que não tardou muito para ficar cheio de vozes e criados com as bebidas.

— ... Não é sempre que vemos nossa realeza. — A sorridente Sra. Karinberg não se afasta da marquesa e damas de companhia sequer um minuto. — Quase não dormi ontem!

— Eu posso providenciar outros aposentos, se desejar — sugere educadamente a princesa, deixando a dama levemente confusa. Ela suspira. — A senhora disse que...

— Por conta da ansiedade — a Sra. Karinberg rapidamente explica. Assentindo, a princesa abre o leque e retorna a "frieza". — Confesso que Londres é bem diferente do que imaginei. É bem fria, e não falo apenas do clima.

— Você se acostuma... Não há outra alternativa — a princesa responde num suspiro.

O sorriso da Sra. Karinberg definitivamente morre, sendo substituído por um franzir de cenho. Não está sendo nada igual a como ela imaginou. A mãe é neta de reis, claro, mas...

— Sinto que estão ofendendo o meu povo. — Sophia aproxima-se delas com um risonho sorriso, fazendo Cathrine suspirar, aliviada. — Sempre fui muito curiosa em relação à Alemanha, como é lá?

É o bastante para a Sra. Karinberg sorrir novamente, permitindo assim que a marquesa se afaste delas... talvez de todos. Porém, não muito distante delas, uma conversa nada interessante aconteceu entre o coronel Karinberg e os homens da realeza.

— Fui ajudante de campo do imperador Joseph II durante a Guerra Austro-Otomana. — Ou seja, mais de 30 anos Karinberg tem. O coronel suspira e encara o príncipe de Gales. — Um grande homem, embora excêntrico. Eram primos, não?

— Primos!? — o príncipe de Gales repete, encarando Richard e Robert. — Desde quando os Habsburg...?

— Descendemos duplamente de Elizabeth Stuart e Friedrich V do Palatino — explica Richard, para a diversão do príncipe de Gales.

— Mas que irônico! — Os Habsburg descendem dos "Reis do Inverno". Rindo, o herdeiro nega e encara Karinberg. — Fale-nos mais sobre as batalhas que esteve.

Richard e Robert ficam visivelmente incomodados, mas nada podem dizer contra o futuro rei. Karinberg prontamente começa a falar da Primeira Coalizão e a "Conspiração de Turenne". Mas o príncipe de Gales não fica para ouvir tudo, há pessoas com quem ele deseja falar.

— Surpreende-me vê-los aqui, Caroline não está sendo lucrativa o suficiente? — Sendo esses Sir John e Lady Douglas.

—Não éramos amigos da princesa por interesse, ela vive só do que Sua Alteza Real e o rei dão — Sir John prontamente se defende, fazendo o príncipe sorrir, cético. — Fomos convidados pela própria marquesa.

— Curioso, Sir John, você disse "éramos", no passado. — O cavaleiro nada responde ao príncipe, cujo sorriso aumenta. — O que mudou? Perceberam o quão insuportável Caroline é?

O povo a ama porque não a conhece bem o suficiente para odiar. Esse assunto é até... desagradável. O príncipe pega de um criado uma taça de champagne e encara os Douglas.

— Minha consciência proíbe-me desse tipo de amizade, Sua Alteza Real — responde Lady Douglas, negando veemente. — A princesa... perdeu o completo senso de decência.

— Ela nunca teve, Caroline é tão vulgar quanto um porco. — O desdém nessas palavras é imenso. George, porém, franze o cenho em seguida. — Mas a milady chamou minha atenção. A princesa de Gales, por acaso...?

— George, poderia...? — Deixando a Sra. Karinberg, Sophia aproxima-se do irmão... franzindo o cenho com os Douglas. — Sir John, Lady Douglas, como vão?

O casal apenas sorri e, fazendo uma mesura, afasta-se deles. O olhar franzido de Sophia volta-se ao príncipe de Gales, que apenas dá os ombros. Porém... Caroline perdeu a decência? Muito interessante...

*****

18|01|1806 Palácio de Hampton Court, Londres

Mesmo com o inverno em pleno andamento e os jardins mais tristes que impressionantes, o Jardim Privado encontra-se alegremente ocupado para o chá da marquesa. Talvez seja o chá, ou o ambiente mais "íntimo", mas todos parecem estar aproveitando, desde os duques reais até as damas de companhia.

— Você realmente se acha um palhaço. — Sophia zomba de Robert, que tenta fazer malabarismo com tangerinas — Deveríamos mandá-lo para o circo, não!?

As princesas Mary e Amélia riem com o comentário da irmã. Mas Robert continua com o malabarismo, tanto que o príncipe William começa a "competir" com ele. Claramente uma forma de chamar atenção, mas os pequenos FitzClarence — convidados excepcionalmente hoje — preferem brincar com Adam.

— São crianças tão lindas! — comenta a Sra. Karinberg, também olhando para Juliane num fáeton. — Faz-me sentir até saudades dos meus; e o príncipe hereditário...

A atenção de Cathrine também está nas crianças, mas ela claramente não escuta a Sra. Karinberg. Se antes era timidez, agora com certeza é irritação. Richard observa tudo isso e, comendo um biscoito, nega lentamente; pelo menos...

— Poderia me dar um minuto do seu tempo, meu príncipe? — Não há pelo menos. Richard volta-se ao coronel Karinberg, cuja expressão é séria. — Creio que tenhamos assuntos urgentes a tratar.

— Que já deveriam ter sido tratados, por sinal. — Richard comenta e, levantando da cadeira, aponta em direção a alameda. — Vamos? Não desejo perder mais tempo.

E nem paciência. Os dois homens saem numa lenta caminhada em direção a fonte do jardim, tanto que a falta deles sequer é percebida pelos outros. Mas esse é o efeito dos convidados serem quase todos conhecidos. Inicialmente eles ficam em silêncio, porém...

— Como meu príncipe bem sabe, foi assinado em 26 de dezembro... — Karinberg começa a falar, ou melhor, tenta.

— Sei muito bem quando, onde e em quais circunstâncias a Paz de Pressburg foi assinada, coronel. — Richard é bastante enfático, mas ainda lembra: — Meu desejo é saber qual o conteúdo da paz.

— E para isso fui enviado — acrescenta Karinberg, franzindo o cenho em seguida. — Surpreende-me as autoridades britânicas já não terem feito isso.

— Surpreende-me o barão Linzmain não ter feito isso.

Agora isso para o coronel, que franze o cenho quase ofendido. Richard o encara questionador, desejando que Karinberg seja o mais breve possível. Porém, infelizmente, a ação dele é negar.

— O chanceler Neipperhard não enviou-me simplesmente para entregar a paz. — É óbvio que não; Richard quase ri com desdém, porém... — Mas também para alertá-lo, trazê-lo a razão... suplicar por uma ação.

— Não é para isso que serve Linzmain? — retruca Richard, não gostando nenhum pouco do rumo dessa conversa.

— Linzmain não estava em Niedersieg quando chegaram as notícias de que os franceses tomaram Innsbruck! — Mas que rápido; Richard arqueia a sobrancelha. — E nem quando Viena foi ocupada. Ele não sabe o pânico que tudo isso causou.

— Mas imagina... ambos imaginamos. — O coronel fica em silêncio, fazendo ele suspirar e voltar a andar. — Vá logo ao ponto, coronel; qual o conteúdo da paz?

A alma dele necessita dessa informação. O silêncio, tanto do governo britânico quanto de Karinberg, já é um mau presságio. Sem contar nas palavras anteriores do coronel, que já sinalizam... bem, o desastre.

Mas Karinberg fica para trás, parado numa pensativa expressão. Isso até Richard parar novamente e voltar-se para trás, então a coragem toma o coronel e...

— O Tirol foi tirado da Áustria e... — A voz de Karinberg falha, mas não para sempre. — dado a Baviera!

Os olhos de Richard instantaneamente arregalam; todo o ser dele é tomado pelo horror. A única ação de Richard é negar, e negar veemente, mas não há em Karinberg sinal algum de engano.

— O Tirol... Dado a Baviera...? — Richard repete, embora num tom de pergunta. — Mas... Isso significa que...

— Estamos completamente cercados pela Baviera — responde Karinberg, confirmando friamente os pensamentos do príncipe. Richard só consegue fechar os olhos. — Somos um pequeno inconveniente dentro da vasta Baviera.

— Corremos perigo... podemos estar correndo perigo. — Mas Karinberg nega ao príncipe.

— O perigo é certo, meu príncipe, não meramente possível. — É o bastante para Richard franzir o cenho; Karinberg explica, sério: — Bonaparte visa criar uma confederação de estados alemães para rivalizar com o Santo Império, destruí-lo definitivamente.

Uma confederação? Mas como seria essa confederação!? Eles não estariam pensando em... estariam? Richard nega e respira fundo. Seja qual for o objetivo dessa futura aliança, uma coisa é certa:

— Ficaremos isolados, à mercê do inimigo — sussurra Richard, ganhando um assentimento do coronel. Fica claro, porém, qual o objetivo de Neipperhard ao enviar Karinberg. Mas o príncipe nega. — Nós não praticamos a guerra, coronel.

O tom dele é convicto, sem sinal algum de dúvida. Mas agora é Karinberg quem nega. Não se pode esperar muito dele, é um militar, afinal de contas... embora o contrário também seja verdade. Karinberg encara fixamente o príncipe e responde:

— Mas nossos inimigos sim, e eles não terão misericórdia alguma de nós. — Richard engole em secos com essas palavras, mas não falha. O coronel suspira. — Pense bem, meu príncipe, o senhor não deseja perder seu principado... deseja?

O príncipe franze o cenho; é algum tipo de ameaça? Mas Karinberg, fazendo uma mesura, dá as costas e retorna ao chá... Agora o pavor toma conta de Richard, principalmente quando ele encontra os preocupados olhares de Cathrine, Robert e Sophia.

A situação é difícil, parece até um labirinto. E cabe unicamente a ele encontrar uma saída viável... Nem 26 anos ele tem direito!

*****

Palácio de Ludwigsburg, Ludwigsburg

As cabeças e pescoços das damas são enfeitados pelos mais diversos diamantes, enquanto os cavalheiros, impecavelmente vestidos com uniformes, abusam de expressões confiantes. Toda a corte reúne-se na escadaria de mármore da rainha, esperando pelo imperador e a imperatriz dos Franceses... Isso desde às 15h.

— E logo será 17h! — reclama o príncipe Paul, aos pés da escadaria com a família real de Württemberg. — A carruagem do corso quebrou, por acaso, e ele desceu para consertá-la!?

— Guarde sua impaciência apenas para si mesmo, Paul! — repreende a rainha Charlotte... de Württemberg, tentando resguardar o rei da ansiedade. — Eles chegarão a qualquer momento.

Essa frase não ajuda muito. Friedrich continua ofegante e transpirando, mesmo usando o leque da esposa. É difícil não ficar ansioso quando o homem responsável por fazê-lo rei pode chegar a qualquer momento. Quem, porém, está longe de qualquer ansiedade é Fritz, que constantemente olha para trás.

— Onde ela está? — Os outros quatro membros da família real franzem o cenho, fazendo Fritz continuar: — Anne também deveria estar presente.

Mas não está, e nem estará. Nenhuma resposta é dada, Friedrich apenas encara Charlotte, que assente para Katharina. É inevitável, mas não impossível de atrasar.

— Será que Jérôme virá também? — Katharina parece até uma tonta assim, mas o único, além de Fritz, que estranha é Paul. — Não vejo a hora de finalmente...

— Qual a desculpa dela? — Fritz pergunta, ignorando totalmente a irmã e indo para a frente dos pais. — Vamos, eu não vou ficar irritado. Digam...

— O moleque ficou doente, isso que aconteceu! — exclama impacientemente Paul, ganhando um olhar horrorizado de Fritz e vários irritados da família. — Faça-me o favor, ele não vai mo...!

— MANTENHA-SE CALADO, PAUL, OU VOCÊ QUE FICARÁ DOENTE! — Agora é o rei que perde a paciência, deixando violentamente seu lugar na escadaria e fazendo os cortesãos recuarem. — Não veem que a qualquer momento...!

Como num sinal premeditado, canhões e sinos são escutados do lado de fora, sinalizando claramente que Napoleão Bonaparte chegou. É o bastante para o rei voltar à posição inicial, encarando a entrada. Enquanto os cortesãos arrumam suas joias e posturas... Mas não Fritz:

— Talvez minha presença em Leonberg...

— Você ficará aqui, Fritz, como o príncipe herdeiro que é. — Antes de Fritz dar qualquer passo, a rainha intervém num tom firme. — Somos uma família real agora, os tempos de indignidade acabaram. Comportem-se todos como tal.

Como a família real de um novo e médio reino. Mesmo hesitante, Fritz abaixa a cabeça para a ordem da madrasta. Os canhões e sinos continuam, até mesmo a aumentam. E, então... subitamente param...

— O demônio chegou — o rei fala, bem no momento que o arauto anuncia a chegada de Napoleão e Josephine.

*****

19|01|1806 Oldenburg House, Londres

Ao som de uma calma, porém constante, música, os pares de dançarinos dançam o cotilhão. Rodopiam, sorriem uns para os outros e trocam de pares; uma bela graciosidade... apesar de francesa. Mas não apenas o centro do salão encontra-se cheio, as beiradas e a sacada também.

Risos e animadas conversas misturam-se com a música do cotilhão. Tornando o ambiente particularmente alegre; a alta sociedade já é naturalmente alegre ao exibir sua riqueza e status. Porém essa alegria não se estende a Cathrine, observando sozinha o cotilhão, e muito menos a Richard e Robert.

— Mas... tem certeza que é verdade? — questiona Robert ao irmão, que assente.

Os dois conversam numa parte isolada da sacada sobre a conversa do príncipe com Karinberg no dia anterior.

— Não havia sinal algum de mentira — completa Richard, voltando o olhar na direção dos pares dançando. — Falei com Linzmain e ele confirmou a "transferência" do Tirol para a Baviera.

Ou seja, Linzmain já sabia do perigo que ronda Niedersieg, mas nada comentou sobre isso. Os dois irmãos ficam em silêncio, com Robert apoiando as costas na sacada e negando. Esse tratado é uma humilhação, os Habsburg governam a séculos o Tirol e Vorarlberg.

— E o que eles pediram? — O silêncio é quebrado por Robert, que ganha um olhar confuso de Richard. — Refiro-me aos...

— Alemães? — A atenção deles volta-se para o lado, onde Karinberg vem na direção deles... e vestido de hussardo. — Eu desejava falar justamente sobre isso.

Os dois irmãos voltam a se entreolhar e assentem. Quanto mais rápido isso for resolvido, melhor será para eles e os niedersiegers. Logo os três seguem para uma sala adjacente ao salão, onde poderão conversar com mais privacidade.

Mas é o silêncio que domina quando eles entram. Karinberg parece até esperar por uma iniciativa, o que dificilmente virá de Richard. Bufando, Robert joga-se num sofá e começa:

— Imagino que seu chanceler tenha mandado você suplicar por uma ação militar, ou até mesmo exército. — O tom dele é acusatório, embora extremamente irônico. Robert semicerra os olhos. — Vocês realmente acreditam que isso trará segurança?

— Nossos aliados são incapazes de nos salvar — o coronel responde, beirando a convicta superioridade.

— Mas o mesmo vale para nós, coronel — lembra Richard, acrescentando logo em seguida: — Niedersieg sempre precisou de proteção externa para sobreviver.

Karinberg fica em silêncio agora. Inúmeras alianças foram feitas desde o século XVI para a proteção do que hoje é Niedersieg; primeiro os Wittelsbach, depois os saxões ernestinos e, finalmente, os Habsburg… alianças feitas, desfeitas e refeitas. Niedersieg nunca foi completamente autossuficiente.

— Seja sincero, coronel, o que vocês farão caso a Baviera ataque? — pergunta, então, Robert. É o bastante para Karinberg retornar a presunção.

— Meus príncipes sabem o que fizemos quando a Baviera invadiu o então Condado de Königsstadt durante a Guerra dos Trinta Anos? — Richard e Robert se entreolham e franzem o cenho para Karinberg, que fala: — Evacuamos Königsstadt... e a queimamos.

A perplexidade toma conta dos irmãos, que encaram Karinberg com horror. O que esse homem deseja dizer com isso!? Richard nega para o coronel.

— Vocês não seriam...!

— Seríamos sim, meu príncipe — Karinberg responde, tão convicto quanto frio. — Caso os bávaros ataquem, queimaremos Niedersieg!