P.O.V CALLYDORA

Mal vi quando o sol surgiu no horizonte, mas o relógio na parede fez questão de me lembrar que as horas estavam se passando. Como vampira, não posso dormir. Nunca dormi na minha vida inteira, se é que posso dizer isso.

Não preciso comer comida, nem tomar água, nem me mexer e nem respirar. Posso só ficar imóvel pelo tempo que a eternidade levar. Mas isso é chato, então eu escolho fazer quase tudo.

Só não posso comer. Meu corpo não foi feito para processar comida humana ou qualquer outra coisa que não seja sangue.

É como ter dor de barriga, só que amplificada em mil vezes.

Minha mãe costumava me dizer para pelo menos comer um pouco quando fosse inevitável, assim não haveria tanta desconfiança. Mas na maior parte das vezes eu só dizia que era alérgica e todo mundo parava de encher o saco. A eminência da morte faz com que os seres humanos fiquem menos insistentes.

Não me preocupei muito em arrumar um carro ou coisa assim para ir para a escola, tenho duas pernas e ocasionalmente posso cortar caminho pela floresta se estiver muito atrasada.

Em pouco tempo estou na escola.

Aquela placa dos espartanos me saúda. Reviro os olhos, pronta para vomitar de tédio.

O time é ruim, infelizmente, mas são esforçados.

Acabo me distraindo com meus pensamentos quando esbarro em um garoto. Nós dois caímos e estou prestes a rosnar para ele.

— Sinto muito — ele se desculpa. O rosto é angelical e os olhos de um dourado tão, mas tão rico que eu sei o que ele é, antes mesmo de pensar direito.

— Ah, nossa — eu rio, ao me levantar e recolher as coisas dele. — É tão bom encontrar alguém que entende como é ser esquisito. Uau.

Sinto que falo mais do que devia, porque os olhos dele se arregalam e ele parece confuso ao mesmo tempo em que parece completamente apavorado.

— O que você é? — Pergunta ao mesmo tempo que segura meu braço com força e me puxa para longe das pessoas.

Estou irritada e quero me soltar, mas o aperto dele é forte e treinado. Não consigo me desvencilhar.

— Pode me soltar? Eu nem conheço você, cara.

— Estou tentando proteger o meu segredo — ele rosna baixinho.

— Seu? — bufo. — Que piada!

— Você sabe exatamente o que está fazendo e isso deixa tudo mais irritante — ele parece estar prestes a ter um ataque de pelancas.

Começo a achar tudo muito engraçado e só então reparo no rosto dele com clareza.

Os cabelos são escuros, arrepiados e os olhos tão dourados que parecem piscinas de ouro liquido. Nunca vi um vampiro com os olhos tão claros. Os meus ficam do vermelho, para o marrom e então para o preto. Nunca dourados. Nunca tão claros.

Ele pisca como se estivesse esperando uma resposta, mas estou tão distraída com as linhas firmes de seu rosto que não faço ideia do que ele falou.

— Hm?

— Você só pode estar brincando comigo, não é possível.

Respiro fundo, tomando coragem de dar um passo em direção a uma atitude da qual eu vou me arrepender.

— Por favor — peço com minha melhor feição meiga —, será que podemos recomeçar? É meu primeiro dia, não quero estragar tudo.

As feições dele vão de incrédulo, a desacreditado e em seguida a completamente alucinado. Mas é tão rápido e some tão depressa que fico me questionando se eu realmente vi o que vi.

— Tudo bem? — começo. — Me chamo Callydora, mas meus amigos me chamam de Cally. Mas eu não tenho amigos, então só eu me chamo assim às vezes. Acabei de chegar na cidade e - como você pode ver - eu sou claramente uma vampira.

Aponto com os dedos os meus olhos, sei que estão plenamente vermelhos, pois não faz tanto tempo desde que me alimentei.

Por alguns segundos posso jurar que o garoto vai cair duro para trás, mas ele me encara, franze a testa e massageando a própria têmpora me responde: — Eu sou o Viktor, prazer.

Abro um sorriso.

— Oi Viktor.

— Certo, não faça isso — ele aponta para as minhas presas que são propositalmente mais finas que o normal. — Toma.

Ele me entrega um óculos escuro. Quero revirar os olhos, mas meio que consigo entender o que aconteceu. Meus olhos, é claro. Como pude me esquecer dessa característica tão peculiar da minha raça?

Falta de prática, como eu disse.

— Foi mal — repondo sem graça. — Não estou acostumada com tantas pessoas por perto... minha última companhia eram três lobos albinos das montanhas.

Sei que soou estranho porque ele me encara de uma maneira estranha.

— E cadê seus pais?

Uma pergunta válida.

— Mortos — eu respondo.

E a culpa toma os olhos dourados de Viktor.

— Não se preocupe, não dói tanto.

— Mesmo assim — ele começa a caminhar de volta para onde os alunos estão. — Foi indelicado.

— Tudo bem, não se preocupe — eu o acompanho.

Estou com seus óculos de sol, mesmo que esteja nublado. Pelo menos não brilhamos no sol, o que me faz pensar que ele é um vampiro nascido, não criado. Ele parece chegar a mesma conclusão que eu.

Sem se despedir, ele vai embora e eu tento me realocar no universo por alguns instantes. encaro novamente a placa dos espartanos e respiro fundo uma última vez antes de entrar.

É pior do que eu imaginava.

O cheiro é completamente alucinantes, mesmo estando de barriga cheia.

É difícil existir em um ambiente assim e não me lembro de uma época em que controlar a sede foi tão difícil. Estou convencendo cada músculo dentro de mim que não posso simplesmente atacar meus colegas de escola. Mas parece tão fácil. As possibilidades invadem minha mente e são ampliadas.

Estou enlouquecendo, só pode.

Sinto meus músculos se moverem naquela velocidade estanha que faz tudo ficar em câmera lenta. Mas antes que eu faça qualquer movimento, uma mão firme e pálida agarra minha mochila e sou forçada a parar o meu movimento.

— Por favor, fique parada.

Engulo em seco, reconhecendo a aura passivo-agressiva e obrigo meu corpo a cair de volta no banco do refeitório.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.