Entre Ódios e Desejos

Capítulo 8 - Um fim ou um novo começo?


Por um instante fiquei sem ar.

Piper abraçou-me na altura dos ombros, numa urgência desesperada, enquanto beijava somente meus lábios, de um lado para o outro, bastante ofegante. Puxei-a para perto de mim, querendo colar seu corpo no meu mais do que já quisera em qualquer das vezes em que estávamos juntas.

Quente.

Seu corpo, suas mãos, seus lábios tremiam. Eu tinha certeza de que nenhuma de nós estava menos nervosa do que a outra. Nenhum dos nossos movimentos fazia sentido, era musical ou conexo. Meu peito buscava a cada segundo mais um milimetro cúbico de ar que fosse, mas todo o pouco espaço que eu e ela dividíamos parecia pequeno demais, abafado demais para um fôlego buscado. Enquanto eu puxava ela para mais e mais perto de mim, tirávamos o agasalho uma da outra, ignorando o frio. Logo seus dedos já procuravam o fecho do meu sutiã, mas a destreza não fazia parte do momento em particular.

Sua pele tocando a minha deixava meus sentidos cada vez mais embaralhados, minhas pernas mais fracas para aguentar o corpo de pé e minha língua mais urgente em procurar pela sua.

Céus, o quanto eu senti falta daquele beijo…

Piper pousou sua mão direita em minha cintura, abruptamente, e se afastou um pouco de mim, ainda com os olhos fechados. Por um segundo imaginei que ela estava se arrependendo do que fazíamos, mas logo percebi, quando seus olhos se abriram, que ela estava com tanto tesão quanto eu. Ela veio devagar de encontro a mim, olhando-me nos olhos e empurrando meu corpo.

_Eu vou tropeçar, se você continuar me tirando do lugar assim.

Ela nem sequer acompanhou meu sorriso, apenas, com o indicador, juntou meus lábios e beijou-os devagar para que eu continuasse calada. Quando minhas costas pousaram em algo frio e sólido, olhei de relance ao nosso redor e notei que estava presa em seu abraço, recostada na parede lateral do palco da igreja e totalmente vulnerável aos caprichos dela.

_Promete que não vai fazer nada até eu pedir?

Seu rosto a menos de cinco centímetros do meu se manteve firme ao dizer aquelas palavras.

_Prometo.

Piper se aproximou devagar, sem quebrar nosso contato visual e me beijou suavemente, agora, como quem tentava conter os próprios impulsos. Seus braços se enroscaram em meu pescoço e os meus, em sua cintura. Subi um pouco minhas mãos e tirei seu sutiã também, jogando-o no chão ao nosso lado. Piper soltou um espasmo de leve quando nossos seios se tocaram e mordeu meu lábio inferior interrompendo o beijo.

Dizer o quanto aquele toque era prazeroso é impossível. O encaixe dos nossos corpos era tão delicado, tão exato, que eu jamais havia encontrado alguém que se moldasse a mim daquela maneira. Nossa altura era praticamente a mesma, logo eu podia sentir que cada parte de mim correspondia à dela num prazer simultâneo.

Seus lábios logo deixaram minha boca e foram devagar em direção ao meu pescoço. Piper pressionava uma das pernas entre as minhas enquanto alternava o toque de sua língua e de seus dentes em minha pele. Gemi baixo, ainda com receio de que fizesse muito barulho e fôssemos descobertas, e pude ouvir um riso tímido por parte dela. Eu entendia o porquê. Jamais Piper tomava conta de mim daquela forma ou se fazia tão assustadoramente dominadora como o estava fazendo ali. Eu sentia que que a única coisa que me mantinha de pé era a pressão que ela fazia em mim contra a parede, pois cada movimento de vai-e-vem que sua perna fazia de encontro a mim deixava meus dedos ainda mais apertados em sua cintura, numa clara tentativa de aliviar a vontade de resmungar mais alto.

Ela, então, desceu mais ainda seu rosto, deslizando as mãos pela lateral de meu corpo, e começou a mordiscar meu seio direito com os olhos fechados. Virei meu rosto para não observar aquela cena de cima e me descontrolar ainda mais e apenas continuei sentindo seu toque, agora com meus dedos incrustrados em seus cabelos. Indo ainda mais para baixo, Piper foi distribuindo beijos pelo meu colo, minhas barriga e pelas laterais do meu corpo até se ajoelhar e afastar o rosto de mim.

_Você não vai fazer isso comigo aqui, em pé, vai?

Piper olhou para mim sorrindo.

_Vou sim.

Não podendo quebrar a promessa de que eu não faria nada até ela pedir, apenas preguei as costas ainda mais à parede enquanto ela puxava minha calça e minha calcinha e eu ficava completamente nua á sua frente.

_Você também vai me matar de frio, sabe disso?

_Pode deixar, não vou não.

E antes que minha próxima frase se formasse em minha cabeça, ou o próximo fôlego se encorpasse, Piper pousou suas duas mãos em minha cintura, segurando-a de forma possessiva e firme e juntou sua boca em meu sexo. Minha primeira reação foi simplesmente a de ficar boquiaberta e extasiada com o quão rápida ela fora. A segunda: fechar meus olhos e puxar seu rosto mais para mim. A terceira: não aguentar mais ficar de pé e implorar para que ela me levasse para um lugar onde eu pudesse me apoiar.

Piper me arrastou até o confessionário e fechamos a porta logo atrás de nós. Uma lembrança rápida de Nicky e Morello por ali me atordoaram, mas logo eu já não conseguia nem mais organizar meus pensamentos, com ela entre minhas pernas e com um das mãos apertando a minha. Ainda não satisfeita, ela simplesmente parou. Ajoelhada à minha frente, pousou suas duas mãos em minhas coxas, enquanto eu apenas permaneci sentada sobre um banquinho extenso de couro que cobria a lateral do cúbiculo todo.

_Tá tudo bem, Piper? - ela manteve seus olhos baixos enquanto eu tentava puxar seu rosto a me olhar -.

_Você esperou por isso tanto quanto eu?

Seus olhos se voltaram para mim como os de uma criança. A mulher que agora a pouco estava totalmente no controle da situação, agora me olhava de baixo, brincava com o polegar na lateral de minha coxa sem nunca tirar a palma da mão do mesmo lugar, e tinha a voz fraca.

_Eu quis me aproximar de você desde o primeiro dia em que te vi de novo.

Piper pareceu pouco satisfeita com a resposta.

_Eu quis dizer… se você esperou que estivéssemos aqui, agora… fazendo isso?

Sorri com sua incapacidade plausível de colocar nosso ato em palavras.

_Fazendo isso? Fazendo sexo?

Piper assentiu sem emitir nenhum som.

_Vem cá.

Puxei-a para que ela se sentasse em meu colo apoiando-se apenas em uma de minhas pernas e com as costas apoiadas na parede ao lado da minha. Puxei seu moletom delicadamente e tirei o resto de suas roupas de baixo para que ela também ficasse nua junto a mim,

_Você acha que depois de tanto tempo sem sentir suas mãos em meu corpo, sem… - hesitei - sentir sua boca em mim, seu beijo… eu não estaria simplesmente pensando nisso a todo momento?

_Talvez sim. Talvez não, Alex…

_Porque talvez não?

_Não sei… o tempo passsou. Eu não…

Piper abaixou os olhos mais uma vez em meio a sua sentença entrecortada. Levantei seu queixo mais uma vez, beijei-a de leve e envolvi meus braços em torno de sua cintura.

_Eu não…?

_Eu não fiz sexo com nenhuma mulher depois de você.

Suas palavras me chocaram um pouco, apesar de eu saber qua agora ela estava de casamento marcado com Larry, o engomadinho sem graça do Brooklin.

_Eu sei disso - respondi com firmeza -.

Um pouco assustada, Piper franziu o cenho.

_Como assim, você sabe? Eu fiz… fiz… algo errado?

Sorri alto, e me contive fechando a boca em seguida.

_Você não fez nada de errado, meu anjo… Você só é medrosa demais.

Por mais que ela tenha desaprovado minha resposta, Piper entendeu o que eu quis dizer. Até que me conhecesse, quando tinha seus 22 anos, ela nunca havia feito sexo com uma mulher. Em suas palavras, ela era o tipo que só toca os peitos das mulheres. E se meu instinto estava correto, ela somente negara o fato de ser lésbica pelo resto de sua existência até o dia de hoje. Até encontrar a mim mais uma vez.

_Isso não faz diferença nenhuma. É como andar de bicicleta, certo? Se a gente acha que vai esquecer um dia, é só voltar a pedalar e tudo volta ao normal.

Ela sorriu e me beijou.

_É sim. Eu espero que seja.

Ainda com receio, apesar de ter tido toda a inciativa e partido para cima de mim, Piper passou sua perna direita para o outro lado do meu quadril, de forma que ficássemos encaixadas, frente a frente. Segurei-a num abraço e puxei-a para que continuássemos o que começamos. Ela voltou a me beijar suavemente, mas sem deixar de fora a intensidade com que sua língua buscava a minha e se mexia em minha boca. Ficamos por um longo tempo apenas assim, grudadas, perdidas num pedacinho mais uma vez só nosso e logo tudo havia voltado ao normal. Eu estava no controle de novo e fiz questão de dar a ela todo o prazer que eu tinha guardado para dar com uma ânsia desenfreada.

Piper teve de ser calada pelas minhas mãos diversas vezes para não fazer quanto barulho desejava fazer. Eu sorria a cada suspiro que escapava e sentia o mesmo prazer que ela demonstrava ao vê-la daquela maneira. Gastamos quase todo o tempo do mundo dentro daquele confessionário, aproveitando cada pedacinho do corpo uma da outra para matar a saudade.

Logo ouvimos um barulho estranho que se calou, após ter sido emitido, e decidimos parar por ali. Ela me beijava de novo e de novo, como quem não queria que aquele instante se fosse e eu retribuía radiante por sentir sua boca na minha mais vezes. Não era martírio nenhum, aliás.

Saímos do cubículo, já vestidas, eu na frente puxando Piper por uma das mãos. Ela parou, quando nos aproximamos da escada, e fez com que eu me virasse. Veio em minha direção e me abraçou forte, aninhando sua cabeça em meu pescoço sem dizer uma palavra. Permaneci calada também. Uma lágrima escapou de seus olhos e pude senti-la escorregando em minha pele. Afaguei seus cabelos, apenas, sabendo que não havia especificamente algo a dizer. Precisávamos só sentir o ar, o peso de estarmos ali juntas, o fardo da gravidade e de todas as responsabilidades que recaíam sobre nós. Era difícil demais ignorar o passado. Difícil, também, ignorar o presente. Nossas vidas estavam em mãos tão opostas, que cada vez que deixava que ela rompesse um pedaço da grande bolha que eu construíra durante dez anos, eu sentia que invadíamos o território uma da outra, sem senso de direção.

Mas ainda sim, era bom demais para ignorar. Quando senti seu hálito tão próximo, pela primeira vez, hoje, foi como se fossemos, de fato, só nós duas ali de novo. Duas cabeças duras contra o mundo. Eu contra a lei. Ela contra a lógica de sua criação requintada desde o berço. Foi como se estivéssemos buscando um apoio em um campo de nuvens. Eu buscava nela, recuperar aquele sentimento de estar viva, de amar. Ela, talvez, buscasse uma fuga. E mesmo sabendo disso, dentro da prisão maior que era minha mente, eu mantinha a imagem dela como a de a primeira mulher que amei e que sempre amaria. E que mesmo me machucando, mesmo voltando pelos motivos errados e pelos desejos mais torpes, fazia com que eu me sentisse fora do chão. Sem ar. Sem lenços, nem documentos.

Uma lágrima também escapou de meus olhos e desceu tocando o seu rosto. Ela levantou-o, fitou minha expressão contida, mas dolorosa e me beijou mais uma vez. Qualquer que fosse o significado de tudo aquilo, havíamos tido um dos dias mais loucos de nossas vidas, com o melhor sexo que já experimentamos. Voltei a puxá-la pela mão, e descemos a escadas lado a lado. Ela me olhava de relance, às vezes, e sorríamos. Como duas garotinhas do colegial, ajeitamos nossos cabelos para não sermos pegas e alinhamos nossas roupas de maneira que nada estivesse fora do lugar.

Ao atravessarmos a porta, Piper soltou meu aperto de mão e foi para o lado oposto ao meu sem olhar para trás. Fiquei parada por um instante no mesmo lugar, organizando tudo dentro de mim, e a imagem de minha mãe veio a minha cabeça, como constantemente acontecia quando eu pensava em amor.

Filha, você vai ter sorte por amar um dia. Todos nós temos. E tão grande quanto o seu sentimento de completude vai ser o de dor, quando ela chegar. Sua avó vivia aos meus ouvidos dizendo “Quanto mais você sobe, maior a queda, pirralha”. E você conhece a delicadeza da sua vó, não conhece? Ela foi o que mais próximo eu tive de uma experiência de vida. Nunca passou a mão em minha cabeça. Nunca me deu uma colher de sopa a mais do que o necessário para que eu me mantivesse de pé. Nunca me deu a mão para que eu levantasse depois de um tombo, mas sempre esteve lá para fazer meus curativos. E é isso que eu espero que você encontre, que você aprenda. Que haverão pessoas que cuidarão de nós, sempre, que nos farão sentir como se fossemos tão felizes a ponto de explodir. Mas quando essas pessoas nos escaparem, temos que aprender a levantar sozinhas. A gente vem ao mundo sem nada e vai embora do mesmo jeito, não é?

E com aquelas palavras em minha mente, caminhei de volta ao meu lugar de sempre. Onde recostava minha cabeça para cumprir pena pelos meus erros. Onde encontrava olhos amigáveis e outros não. Onde enfrentava a rotina diária de ser uma marginalizada social. E onde encontraria, no dia seguinte, os olhos dela enquanto durassem nossos dias juntas, ou além.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.