Se havia uma coisa inquestionável a respeito de Pepper Potts era sua competência profissional. Formada aos vinte e um anos em Administração de empresas pela Empire State University, possuía um currículo de dar inveja. Além de ter sido uma importante executiva no setor de finanças em uma renomada empresa de pesquisas biotecnológicas, se destacava como uma funcionária efetiva das indústrias Stark há mais de dez anos. E diferentemente do que as pessoas achavam, Pepper não se limitava a ser uma simples secretária de Tony Stark – desde o início mostrou-se capaz de opinar nos assuntos administrativos da empresa e, com o passar dos anos, a contribuir ativamente nos negócios.

Especialmente no momento delicado no qual as Indústrias Stark se encontravam, sua diligência em liderar a execução dos novos projetos estava sendo testada e aprovada por todos os colaboradores e acionistas, embora não fosse suficiente para silenciar aqueles que criticavam o novo modo de atuação da empresa que se desprendeu totalmente do objetivo de fornecer alta tecnologia em armas e inteligência militar.

Apenas um dia após o anúncio da Expo Stark 2010 e o clima nos corredores já estava bastante agitado. Nos departamentos, um rebuliço de telefonemas, documentos e reuniões tomava conta do tempo antes dedicado ao cumprimento dos prazos estabelecidos pelo Departamento de defesa e das exigências dos aliados.

Na sala do executivo-chefe que, em outras palavras, era o próprio Tony Stark, o fluxo de entrada e saída experimentava um aumento exponencial: o pessoal do jurídico exigindo assinaturas nos mais diversos formulários, os técnicos administrativos entregando seus relatórios minuciosos e repetitivos e a assessoria de comunicação pedindo exaustivamente respostas às perguntas sensacionalistas da mídia, que ansiava pela próxima novidade envolvendo o nome da companhia. Potts havia perdido a conta de quantas coisas precisou ver e rever no decorrer do expediente. Tanto que até em seu horário de almoço continuou a redigir e também a responder aos emails que invadiam sua caixa de entrada.

Apesar do estresse e do cansaço que pairavam sobre si, ela persistia em adiantar qualquer tarefa que surgisse, sob o pretexto de que o dia seguinte exigiria mais e mais e que, portanto, seria melhor matar dois coelhos com uma só pancada. Um claro exemplo disso era a maneira como ao mesmo tempo lidava com a pauta empresarial e os compromissos do chefe, que decidira por ficar em casa fazendo seu trabalho, enquanto as primeiras providências para a feira estavam sendo tomadas sem sua presença – um fato extremamente irônico, já que a cadeira de presidente lhe pertencia.

A fim de diminuir o peso do trabalho que forçava seus ombros, Pepper decidiu designar uma equipe de apoio formada por um funcionário de cada setor, que lhe reportavam acerca do andamento das tarefas e qualquer problema que viesse a ocorrer. Em especial, escolheu alguém que lhe acompanhasse de perto no escritório principal. Tracy Montgomery, que anteriormente trabalhara ao lado de Obadiah Stane, foi a melhor opção, visto que a mesma possuía experiência de sobra para compartilhar. Se tratava de uma mulher na meia idade, com vestimenta digna de uma profissional exemplar: cabelos sempre bem escovados, maquiagem recatada e trajes alinhados com rigor. Apesar da feição séria, era gentil e prestativa. Pepper sempre a teve como um espelho para sua carreira pessoal e agora teria a chance de aprender de perto com aquela mulher que de uma hora para a outra havia perdido seu superior, porém continuava firme em sua posição.

—“Sra. Montgomery!”, cumprimentou ela, dando-lhe um caloroso aperto de mão, “Fico feliz por ter aceitado trabalhar comigo.”

—“Eu também estou satisfeita com esta proposta. E curiosa pra saber como está se virando nesse escritório sem a presença do sr. Stark.”, respondeu Tracy.

—“Bem, o Tony está em casa, resolvendo outras coisas. Quando é necessário eu simplesmente telefono pra ele e rezo para que dê certo.”, replicou Pepper, sorrindo entre dentes, um pouco constrangida.

—“Entendo. Conheço este rapaz há muito tempo. E posso afirmar que ele nunca foi o presidente mais correto da história, mas tem algo muito valioso.”

—“E o que seria?”, perguntou Pepper, que escutava atentamente.

—“Um bom coração.”, respondeu ela.

—“Isso eu sempre soube. Mesmo que todos sempre esperem o pior da parte dele.”

—“Pepper, você sabe que comecei a trabalhar aqui muito antes de Howard e Maria terem partido.”, explicou Tracy, demonstrando um certo saudosismo em suas palavras. “Conheci Anthony quando ainda era um garoto. Era até engraçado vê-lo interagindo com Howard. Duas pessoas com personalidades idênticas tendem a conflitar. E assim como pai, Tony sofre em silêncio por causa do rumo que seu trabalho tomou. A diferença entre eles é que Tony ainda é jovem e por pior que tenha sido, tomou consciência do que tinha que mudar.”

—“Tem razão...”, concordou Pepper. “Ele está mesmo determinado a fazer isso.”

—“Howard não teve a mesma chance. Mas deixou a melhor prova que era um bom homem.”

—“Tony...”, disse Pepper, com um sorriso suave surgindo em sua face.

Era óbvio que aos olhos de Tracy que Pepper tinha um sentimento especial por Tony. E sabendo disso, não hesitou em dar-lhe um valioso conselho.

—“Virgínia”, disse ela, segurando ternamente umas das mãos de Pepper, “Se tem alguém que pode guiar Anthony para um caminho melhor, é você. Não como a funcionária do mês e sim como mulher. Seu profissionalismo já passou por provas de fogo. Mas e seu amor?”

Pepper sentiu seu rosto ser invadido por um tom de vermelho peculiar – ela não sabia como reagir àquilo.

—“Não estou entendendo... Amor? Não sou do tipo de pessoa que mistura trabalho com relacionamentos pessoais. Além de que, ele é meu chefe e...”

Tracy sorriu com a tentativa falha de Pepper em desviar-se do assunto.

—“Você não deve satisfação a ninguém, srta. Potts. Prove seus sentimentos primeiramente a si mesma. O resto você já sabe.”, disse ela, sorrindo gentilmente.

—“Agradeço pelos seus conselhos, sra. Montgomery. Mas agora precisamos entrar em contato com os reitores das universidades que serão convidadas para a feira. Enviei alguns nomes para o seu email. Poderia fazer as honras?”, disse Pepper, cortando de vez a conversa sobre Tony. Seria inútil fingir que não sentia nada, então foi melhor apelar para a demanda diária.

—“Claro, será um prazer. Vou fazer isso na minha sala, caso não se importe.”, respondeu Tracy.

—“Fique à vontade. Se precisar de qualquer coisa, basta ligar para o meu ramal.”

Consentindo com isso, Tracy voltou ao antigo escritório de Stane, que ficava um andar abaixo dali.

Após várias ligações, Pepper só desejava voltar para seu apartamento a fim de usufruir de sua cama. Isso não aconteceria tão cedo, pois se lembrou de que participaria de um jantar de negócios naquele mesmo dia. Tal jantar foi uma iniciativa dos membros do Departamento de defesa, que ainda insistiam em incluir as Indústrias Stark nos seus planos de artilharia. Rhodes estaria presente, bem como Justin Hammer, que acabara de assinar um contrato milionário para fornecer armas ao governo. Por julgar que Tony não estava num bom momento para comparecer num debate desse tipo, ela fez questão de representá-lo. Talvez assim diminuíssem as chances da noite terminar de um modo nada confortável.

—“Happy, onde você está?”, perguntou ela, ligando para o celular do amigo.

—“Oi Pepper!”, respondeu ele. “Estou na mansão. Tony precisou de mim, então estou aqui.”

—“Já acabou?”

—“Creio que sim. Também precisa dos meus serviços?”

—“Bom... Tenho um jantar de negócios daqui a umas horas e preciso que você me leve até o restaurante.”

—“Claro. Vai se arrumar aí na empresa ou vai passar em casa?”

—“Preciso de um banho e de roupas limpas. Pra encarar o leão de hoje.”, disse Pepper, suspirando.

—“O que houve? Algum problema?”, perguntou Happy.

—“Não conte pro Tony... Mas esse jantar é com o pessoal do DOD. Estão nos pressionando para retomar os contratos... Apesar da minha insistência em dizer não.”

—“Relaxa, vou ficar de bico fechado.”

—“Bom saber. Vou terminar aqui em quinze minutos.”

—“Okay. Vou chegar rapidinho. Tenho que desligar agora. O chefe tá chamando. Até logo!”

—“Até mais, Happy!”

*****

Em Santa Monica, bairro famoso onde se localizava seu apartamento, Pepper rapidamente se preparou para a noite de trabalho que teria. Escolheu um vestido preto, na altura dos joelhos, que vestia seu corpo esguio com elegância. Prendeu seus cabelos num coque e selecionou joias prateadas para contrastar com a cor da roupa. Cobriu os lábios com um tom vermelho escuro e calçou um sapato simples de tiras e salto médio. Checando seu visual pela última vez, partiu em direção ao estacionamento, onde Happy a esperava no carro, pronto para levá-la até o local do encontro.

Durante todo o trajeto, Pepper pensava nas respostas às possíveis perguntas que surgiriam no jantar. Suas mãos suavam e tremiam por conta do nervosismo. Não era a primeira vez que ela se via numa situação desse tipo, mas agora era diferente. Tinha sobre si a responsabilidade de defender os interesses das Indústrias Stark sem ferir a nova proposta de atuação e sem acabar com o apoio do governo para os projetos que se consolidavam visando o bem estar das pessoas.

Ao descer do carro, Pepper cumprimentou Rhodes, que a aguardava na recepção. Ele sabia que a transição dos contratos não era um processo simples e que o DOD faria de tudo para manter a tecnologia Stark no seu lado. Por precaução, fez questão de participar da reunião e de algum modo ajudá-la.

—“Pepper!”, disse ele, dando-lhe um beijo no rosto. “Como está?”

—“Oi, Rhodes! Estou bem. E preocupada também.”, respondeu ela.

—“Escuta, eu vim pra te ajudar a equilibrar as coisas. Vamos achar um modo de satisfazer os dois lados, okay?”

—“Obrigada. Eu fiz o que você me pediu. Não disse ao Tony que haveria esse jantar.”

—“Por ora, é melhor deixá-lo afastado dessa discussão. Mas o que ele anda fazendo, hein?”

—“Bom, foi anunciado o lançamento da Expo Stark 2010. Todos estão trabalhando nisso lá na empresa e ele nem saiu de casa hoje, dizendo que faria sua parte lá mesmo.”

—“Expo Stark?”, perguntou Rhodes, descrente.

—“Pois é. Confesso que mentalmente estou um tanto confusa sobre como isso vai impulsionar a companhia. Mas uma parte de mim entende onde o Tony quer chegar com isso...”

Enquanto Pepper ainda falava, Justin Hammer adentrou a recepção, chamando a atenção de todos com seu jeito exagerado de ser. Ele apertou a mão de cada pessoa que via na sua frente, se assemelhando a um candidato político tentando conquistar eleitores. Ao avistá-la, se aproximou e pôs-se a falar.

—“Ora, ora, ora! Pepper Potts, não é?”, perguntou ele. “O Anthony te faz trabalhar até essa hora? Onde ele está? Acho que vou ter que lhe mostrar como se trata uma dama.”

Pepper se conteve em revirar os olhos. Apenas esboçou um falso sorriso.

—“Boa noite, sr. Hammer.”, cumprimentou ela, estendendo-lhe a mão. “Estou representando o sr. Stark esta noite.”

—“O senhor está no céu, srta. Potts. Me chame apenas de Justin.”, retrucou ele, beijando sua mão, o que quase fez com que a paciência de Pepper se esvaísse de uma só vez. “Tenente Coronel James Rhodes! É uma honra que tenha vindo jantar conosco esta noite. Aqui servem os melhores pratos da cidade.”

—“Olá, Hammer! Obrigada por ter vindo também.”, respondeu Rhodes. “Acho que já podemos nos sentar.”

—“É uma ótima ideia! Os outros estão nos esperando na mesa, não é Rhodes?”, disse Pepper.

—“Claro que estão!”, interrompeu Hammer, tão rápido que Rhodes mal teve tempo de confirmar o que Pepper havia dito. “Tomara que não tenham bebido todo o vinho que reservei para nós.”

Rhodes ergueu uma mão para a frente, dando espaço para que Pepper passasse, e cochichou:

—“Esse cara é maluco.”

Rindo discretamente, ela balançou a cabeça e seguiu em direção à mesa reservada.

—“Bem, agradeço pelo convite.”, introduziu ela. “Embora seja para discutir novamente a respeito de uma questão na qual o próprio presidente da companhia já se manifestou.”

—“Desculpe, mas você realmente acredita nesse golpe publicitário do Stark?”, perguntou George Meade, general da força aérea que respondia ao departamento de defesa quando se tratava de tecnologia bélica.

—“Golpe publicitário? Com todo o respeito, mas o que o senhor está insinuando com isso?, instigou ela, controlando seu tom de voz que por pouco não se alterou.

—“Obviamente, nem sempre entendemos o que Anthony Stark pensa. E nem tudo pode ser levado a sério também.”, respondeu ele.

—“Srta. Potts…”, disse Hammer. “ Vai dizer que acredita nesse papo furado do seu chefe?”

Pepper e Rhodes se entreolharam.

—“Sei que é informação demais.”, prosseguiu Pepper, cautelosamente procurando as palavras certas. “Mas Tony não tem nenhum objetivo mesquinho com sua mudança de atuação. Todos podem concluir isso ao lembrar que mais de 50% das ações da empresa sofreram queda após o fechamento da Stark Internacional e o rompimento dos contratos. Se a questão fosse mesmo o dinheiro, seria estupidez da parte dele tomar essa decisão.”

—“Além do mais, como amigo íntimo do Tony, posso afirmar que ele não só deixou de lado a produção de armas, mas está trabalhando em áreas de grande relevancia.”, defendeu Rhodes.

—“Não vejo como se exibir com aquele traje dourado seja relevante.”, alfinetou Hammer, bebericando de sua taça.

—“Falando no traje, qual foi o objetivo do Stark ao revelá-lo ao mundo?”, questionou Meade.

—“Senhor, a tecnologia do traje é particular e nem mesmo os cientistas da empresa tem acesso a ele. Mas posso garantir que Tony nunca o usaria em conflito com os interesses da nação.”, explicou Pepper.

—“Também pode garantir que será usado para o nosso bem?”

—“Os acontecimentos na via expressa e a intervenção em Gulmira provaram isso.”

—“A questão é: se dentro do espaço soberano dos Estados Unidos se encontra o maior avanço tecnológico em armamento, por que rebaixá-lo a uma simples ‘propriedade particular’? Ou você acha mesmo que o Congresso não tem nenhum interesse nisso?”, disse o general, que pressionava cada vez mais com suas suposições constantes.

—“O que estamos querendo propor aqui, srta. Potts, é que a tecnologia do Homem de ferro seja compartilhada com o DOD. Não viemos só para tratar de transição contratual.”, antecipou Hammer.

A discussão estava se tornando mais tensa a cada passo, mas Rhodes se mantinha calado e escutava atentamente o que diziam. Como dissera a Pepper, ele estaria ali para manter um equilíbrio.

—“É claro que todos nós queremos o melhor para o país.”, disse ele. “O DOD precisa se manter abastecido e atualizado, é verdade. Mas não podemos simplesmente passar por cima dos direitos de propriedade para isso acontecer. A tecnologia da armadura pertence à companhia. E vale lembrar: não foi construída sob nenhum contrato governamental e muito menos utilizando recursos militares. Tudo saiu do bolso do Tony; é inteiramente particular.”

—“E eu volto a dizer: não temos mais nenhum interesse em prover armas ao DOD. Esta é a nossa posição definitiva.”, encerrou Pepper, cuja determinação se tornou evidente no modo com se expressou.

—“Neste caso, lamentamos. A antiga via de mão dupla se desfaz aqui.”, disse o general.

—“Ou apenas muda de cara. As indústrias Hammer finalmente terão sua oportunidade de mostrar ao mundo o que somos capazes.”, comemorou Hammer.

—“E é por isso que vou lhe entregar toda a papelada agora, Justin.”, respondeu Pepper, retirando um grande envelope de sua bolsa e entregando-lhe.

—“Alguma coisa útil teria de acontecer esta noite, não é?”

O jantar, é claro, foi degustado em meio ao clima tenso da mesa. Hammer não conseguia resistir ao impulso de soltar piadinhas inconvenientes após outra. Rhodes e Pepper só torciam para que aquilo acabasse logo. Assim, talvez pudessem trocar umas palavras sobre o assunto sem se preocupar com a presença de seus ‘convidados’.

—“Que noite, hein? Mas você se saiu muito bem, Pepper.”, elogiou ele, enquanto esperavam Happy na frente do restaurante.

—“Eu queria jogar qualquer coisa que estava em cima da mesa na cabeça do Hammer. Como alguém consegue ser tão chato?”

Ambos sorriram.

—“Falando sério, ainda bem que Tony não veio. Imagina o que poderia ter acontecido?”, disse ela.

—“Melhor nem pensar. Mas Pepper, você sabe que isso não vai acabar aqui. Enquanto não tiverem o Homem de ferro dentro dos seus portões, eles não vão desistir.”, reiterou Rhodes.

—“É, eu sei. E algo me diz que a briga vai ser feia. Até lá, vamos ajudar o Tony a ter juízo e não se meter em nenhuma furada. Precisamos muito dele na empresa, mas do jeito que as coisas estão, acho que tê-lo em casa é a melhor opção.”

—“É verdade. Volto para a base daqui a três dias. Quem sabe dou um pulo lá na mansão... A gente pode jantar de novo...”

—“Pode ser... Bem, Happy chegou. Obrigada pela ajuda, Rhodey. Se cuida.”, disse ela, apertando com firmeza a mão do tenente.

—“Boa noite. Me mantenha informado.”

Entrando no carro, Pepper sinalizou para Hogan que a levasse de volta para seu apartamento. Sua cabeça estava a mil por hora; certamente estava sendo desafiador lidar com tantas coisas ao mesmo tempo. A feira, a pressão do DOD... Tudo parecia tão aterrador. Mas dando um passo de cada vez – como ela pensava desde sempre – conseguiria fazer dar certo. O fim do dia lhe reservava algum descanso, sem preocupações com a rotina e nem com o maior motivo de seu empenho. Para sua sorte, Pepper nem imaginava o que Tony estaria fazendo naquele momento. Se soubesse, estaria dando adeus a sua tranquilidade.