A escuridão da noite não fora um empecilho para a fuga de Brandt – em poucos minutos, ele chegara a um antigo hangar particular, pertencente a um famoso traficante de drogas de Bogotá para o qual havia prestado serviços ilegais outrora. Por sorte, o próximo monomotor partiria ao amanhecer com destino à El Paso, nos Estados Unidos. Era sua única opção para sair daquela cidade; se houvesse outro modo, não teria se atrevido a ir até o território do inimigo.

Usando o pretexto de que ajudaria seu antigo contratante na distribuição dos entorpecentes, juntara-se aos demais capangas na hora do embarque. Em cinco horas, atravessaram a fronteira sorrateiramente, embora no ar, e se estabeleceram no esconderijo localizado numa seção subterrânea de um edifício de fachada.

—“Uma loja de tacos?”, perguntou Tony, ao notar que o local indicado pelo rastreamento era um prédio em cujo térreo havia uma simples loja de comida mexicana. “É sério isso?”

—“Segundo a busca, esta é a localização.”, afirmou Rhodey. “Vamos descer agora?”

—“Já quer descer, cara? Não gostou do test drive?”

—“Eu adorei essa coisa, Tony!”, disse ele, animadamente. “A melhor geringonça que essa sua cabeça oca já inventou!”

—“Obrigada por elogiar minha genialidade com tanto carinho, Rhodey.”, retrucou Tony. “Vamos pousar na outra rua para não chamar atenção indevida.”

—“Claro. Até porque seu traje bicolor e o meu tão bem polido são incapazes de chamar atenção.”

—“Engraçado você, hein!”

Dando a volta na quadra, os dois se aproximaram do lugar através dos fundos. Alguns latões de lixo aqui, caixas de madeira acolá... Nada diferente de um beco qualquer. Haviam duas portas ali: claramente, a primeira era uma saída do restaurante. A segunda estava fechada por dentro; o que os levou a usar a força bruta para arrombá-la. Direcionando uma pequena porcentagem da energia do reator para os braços da Mark IV, Tony a empurrou sem muito esforço até ouvir o estalar da fechadura indicando o livre acesso a um amplo corredor. Teias de aranha por todos os lados, muita poeira e pouca luz deixavam o local esquisito e meio fantasmagórico.

—“Primeiro as damas.”, sussurrou Rhodes.

—“Tem medo do escuro?”, provocou Tony, indo a frente. “Fique ligado. De repente o Gasparzinho tá dando sopa por aqui...”

Na extensão do corredor podiam ver duas entradas. Tony seguiu por uma pequena sala repleta de jogos de mesa e garrafas velhas. Rhodes avançou em direção a outra porta que se encontrava parcialmente fechada. Sem hesitar, entrou de uma só vez no cômodo, mas se deparou com um lugar vazio.

—“Achou alguma coisa aí, Tony?”

—“Um boteco desativado.”, disse ele. “Tem até um fliperama aqui! E você?”

—“Nada. Tudo vazio... Espera!”

—“O que foi?”

—“Acho que tem um alçapão aqui. Vou verificar.”

Mesmo pisando com cuidado, Rhodes ouviu um som agudo e um estalo. Em milésimos de segundos, o chão abaixo dele se rompeu rapidamente e sem dar tempo de sequer pensar no que havia ocorrido.

—“Rhodes?”, perguntou Tony, ao ouvir o barulho por meio da comunicação entre as armaduras. “Responde! Tá tudo bem, amigo?”

—“O tenente coronel sofreu uma queda de quatro metros, mas está bem.”, disse Jarvis.

Tony correu para ajudar o amigo, o encontrando dentro da cratera que havia se formado no chão.

—“Rhodey? Pode me ouvir?”, Tony chamou.

—“É melhor vir aqui em baixo, cara.”, respondeu Rhodes.

Usando seus propulsores a jato com perícia, Tony desceu ao encontro dele. Uma densa nuvem de poeira pairava sobre o recinto e os destroços do que anteriormente fora parte de um piso se amontoavam ao redor de ambos.

—“Senhor, pude detectar o micro rastreador que procuramos cerca de oito metros de sua posição atual, mas nenhuma atividade humana.”

—“Obrigado por dizer, Jarvis.”

—“Ele fugiu?”, perguntou Rhodes.

—“Vamos descobrir agora.”

A passos calculados, Tony atirou contra a parede a sua frente, que na realidade não passava de gesso e madeira, o que fez com que a mesma se estatelasse e se reduzisse a mais destroços. Apesar da escuridão do local, eles puderam ver que pessoas estavam vivendo ali, visto que haviam roupas, camas improvisadas, uma pequena cozinha e algo que deveria ser um banheiro. Para um olhar leigo, nada suspeito. Todavia, para eles alguma coisa ruim acontecia ali – ninguém se esconderia num buraco daquele por nada.

—“Acha mesmo que ele está morando aqui?”, questionou Rhodes.

—“Sim. Brandt não tem cara de quem exigiria um hotel cinco estrelas como esconderijo.”

—“Mas aqui está vazio. O micro rastreador deve estar no meio dessa montanha de roupa suja.”

—“Provavelmente.”, ressaltou Tony, ao mesmo tempo em que caçava alguma informação sobre Brandt nas coisas espalhadas pelo cômodo. “É incomum que o aparelho se fixe na roupa. Deve ter acontecido na hora da confusão em Bogotá.”

—“Claro... Ei, olha isso aqui!”, exclamou Rhodey, mostrando-lhe uma folha de papel amarelada e gasta nas bordas, contendo uma sequência de endereços. No rodapé estava escrito ‘Departamento de expedição de produtos, Indústrias Stark’.

—“Pode ser a chave para encontrar suas armas, Tony.”

—“Tem umas dez cidades nessa lista, parceiro.”, retrucou Tony. “A brincadeira está mais séria do que pensei.”

—“O que pretende fazer? Pegar o cara e dar um fim nisso? Parece muito trabalho pra um homem só.”, indagou ele.

—“Vou escanear essa lista e pedir pro Jarvis fazer o serviço completo. Ou parte dele. Vou deixar a polícia cuidar do Brandt e torcer que consigam acabar com essa vida de ‘aventuras’ que ele vem levando.”, respondeu Tony, resoluto.

—“Vai abrir mão da missão, então?”

—“A empresa precisa de mim, Rhodey. Sou o presidente, lembra?”

Rhodes gargalhou alto, enquanto Tony o encarava sem entender esta reação.

—“Que é?”, perguntou ele, desconfiado.

—“Nada. De repente você virou um homem tão ‘responsável’.”

—“Vai ficar me zoando? Pepper tá se virando sozinha e eu sei que não é fácil pra ela.”, disse Tony, tentando se explicar. “Ela é minha assistente pessoal e não uma executiva. Se bem que é o seu ofício original...”

Rindo novamente, Rhodes provocou:

—“Ah, entendi. Tem a ver com a Virgínia... Cê não acha que tá passando da hora de vocês assumirem esse affair?”

—“Affair? Tá achando que Pepper é mulher desse tipo de coisa, garoto?”, respondeu, sentindo um certo incômodo com este comentário.

—“E você não é mais disso. O que tá faltando, cara?”

—“Ela ainda trabalha pra mim.”

—“A demita e marque o casamento, se esse é o problema.”

—“Não, obrigada. Em nenhum lugar do mundo encontrarei alguém como ela. Profissionalmente falando.”

A insistência de Tony em negar seus sentimentos pela assistente era notável; eram muitos os seus pretextos para esconder isso. E também, não era um bom momento para tocar nesse assunto e muito menos o lugar ideal: no porão de um prédio de quinta categoria cuja localização ele nem lembrava mais o nome.

—“Hora de partir, Catatau!”, disse Tony, preparando-se para o retorno à Los Angeles.

—“Tem certeza?”, disse Rhodes. “Podemos encontrar outros itens importantes para a investigação, Zé Colmeia.”

—“Não sou detetive pra ficar coletando provas.”, respondeu, dando de ombros. “Vambora!”

—“Você é quem manda!”

*****

Muitos quilômetros longe dali, Pepper iniciou mais um dia de expediente mergulhada numa quantidade infindável de papéis e respondendo e-mails. Felizmente, todos os contatos com as universidades convidadas para a Expo Stark 2010 foram bem sucedidos, o que implicava em dar os próximos passos para efetivar as parcerias com a empresa. Ao lado da sra. Montgomery, ela começou a agendar as visitas aos campus onde Tony pessoalmente incentivaria que os estudantes dessem tudo de si e participassem do evento. Os próximos dois meses seriam intensos.

—“Pepper!”, chamou Tracy, tirando-a de seus pensamentos que momentaneamente lhe roubaram a concentração.

—“Ah, me desculpe.”, respondeu ela. “Em que posso ajudá-la?”

—“Posso perguntar algo? Não é bem referente ao trabalho, mas...”

—“Fique a vontade.”, incentivou.

—“É que... Tudo está correndo tão bem. Acha que Tony vai dar conta de tantos compromissos?”

Pepper sorriu de canto, demonstrando que havia entendido a preocupação da colega.

—“Obrigada pelo interesse sincero, sra. Montgomery.”, agradeceu ela. “Sei que soa esquisito Tony não estar aqui durante essa fase tão intensa das Indústrias... E que parece que ele jogou toda a responsabilidade pra mim. Mas acredite: ele tem plena ciência do que deve ser feito. Ontem mesmo conversamos sobre isso.”

—“Ele te ouviu?”

—“Sim, e foi bastante compreensivo. Disse que vai cuidar das coisas da maneira correta.”

—“E você confia nele? Não estou querendo sugerir nada, é só uma preocupação da minha mente.”

—“Se confio? Claro que sim. Apesar de tudo, ele nunca me deu motivos para o inverso. Fique tranquila, Tracy. Logo, Tony vai voltar a ativa.”

Por que Tracy não se sentiria tranquilizada depois de ouvir da própria Pepper Potts uma declaração tão convicta? Se existia alguém na face da terra capaz de julgar a índole de Tony Stark com tamanha realidade, esse alguém era a dedicada assistente a sua frente.

Horas depois, Pepper decidiu ligar para o chefe.

—“Pepper? Que surpresa!”, disse ele.

—“Olá, Tony!”, cumprimentou ela, amistosa. “Como está depois de ontem?”

—“O que houve ontem?”, perguntou ele, fingindo não lembrar da reunião que assistira na manhã do dia anterior.

—“Tá de brincadeira, né?”

—“Claro que sim.”, ele se apressou em dizer. “Reunião medíocre com os chatonistas.”

Pepper revirou os olhos como se ele estivesse ali para vê-la fazendo isso.

—“Enfim... Precisamos conversar...”

—“Não fui eu!”, disse ele, interrompendo-a.

—“O quê? Dá pra parar com as piadinhas por um segundo? Isso é muito sério!”, reclamou ela.

—“Desculpe. Por favor, continue.”

—“Você vem na empresa hoje?”

—“Não pretendo. Estou fazendo uns trabalhinhos aqui. Por quê?”

—“Lembra das palestras universitárias? Tá chegando a hora de fazer as malas.”, explicou.

—“Okay... Tô precisando mesmo dar um rolé por esse mundo velho sem porteira... Quando partimos?”

—“Quando você vai partir. Não acho uma boa ideia que eu vá junto. Há muito para ser resolvido aqui em Los Angeles.”

—“Pepper.”, disse ele. “Já disse que você vai voltar ao seu velho cargo de assistente pessoal. Não posso ficar sozinho em lugares que mal conheço.”

—“Engraçado você pensar desse modo. Até sua última viagem, minha presença foi totalmente dispensável. Isso não me admira, considerando sua vida antes tão ‘badalada’.”, ironizou ela.

—“Está com ciúmes?”, provocou Tony.

—“Que ridículo!”, Pepper protestou. “Isso não existe entre nós.”

—“Existe outra coisa, então?”

—“Trabalho. Muito trabalho!”

—“Como pude esquecer desse profissionalismo que nos afoga, né?”

—“Pois é. Mais tarde mandarei o itinerário temporário das suas viagens.”, continuou ela.

—“Nossas viagens!”, corrigiu Tony. “E não me envie nada. Traga pessoalmente. Rhodes vai jantar com a gente está noite.”

—“Tem muito nós nesse seu vocabulário, sr. Stark.”

—“Poderia ter muito nós na nossa cama também, srta Potts.”, retrucou ele, sem nenhuma vergonha.

—“Me poupe e se poupe. Tchau, Tony.”

Sem deixá-lo fazer mais provocações, Pepper desligou o telefone o mais rápido possível. Isso preservaria sua paciência e, também, sua concentração. Falar com ele desse jeito sempre aflorava um nervosismo irritante na sua cabeça.

Por outro lado, Tony se divertia com aquilo e não conseguia parar de pensar nos breves instantes em que ouvia a sua voz irritada e tão mandona, como sempre fora.

Após voltar para a mansão, ele se pôs a traçar um plano de ação com respeito aos locais onde Brandt provavelmente mantinha suas invenções escondidas. Reportou imediatamente as autoridades o paradeiro de Brandt, entregando o fugitivo nas mãos dos homens da lei.

Rhodes o acompanhara na oficina até que fora convocado para uma reunião de última hora no escritório da força aérea na cidade. O assunto? Confidencial.

Então, sem sequer imaginar do que poderia se tratar o chamado, partiu rapidamente rumo ao encontro. Nem lhe passava pela mente que seria o início de uma ávida luta por propriedade. Ou melhor, por poder.