Foram recebidos como estranhos quando entraram em Nargabad. Eles não tinham noção de quanto tempo passara dentro da dungeon e se isso de alguma forma influenciou sobre as suas autoridades em Nargabad.

Porém, eles sabiam que a situação em que estavam não era muito boa. Sujos, malcheirosos, com roupas esfarrapadas e machucados; não pareciam os príncipes de outrora.

Tamujin desmontou de seu cavalo e passou as rédeas para um guarda.

— Onde está o senhor Chatai? — perguntou.

— A essa hora ainda deve estar dormindo, sua alteza.

— Vossa alteza, — chamou um guarda. — Acreditávamos que tinham voltado para a capital.

Muna e Tamujin estavam rodeados; todos curiosos com a chegada repentina dos príncipes reais.

— E desistido de tudo? — Muna perguntou, arqueando as sobrancelhas e desmontou de seu castrado. — Apenas tínhamos coisas pra fazer fora daqui. Agora levem esses sacos para o nosso quarto. — Dito isso, Muna marchou para dentro da propriedade.

Ainda era cedo, aos poucos Nargabad ia ganhando vida e a notícia da volta dos príncipes ia se alastrado pelas minas. Em parte, Muna estava feliz por estar de volta.

Em seu quarto retirou a túnica que agora tinha um cheiro estranho e ainda tinha a mancha de sangue. Aquilo precisava ser queimado. Tomou um longo banho que merecia, lavou os cabelos e tratou das feridas.

Ao terminar, vestiu uma túnica azul com pelos na gola e nas barras da vestimenta. Colocou uma calça de algodão e calçou as botas de couro. Fez uma trança no cabelo, prendeu no alto na cabeça e a escondeu com o gorro.

Seus soldados a esperavam do lado de fora do quarto, e ao sair foi reverenciada.

— É bom vê-los de novo. — Sorriu.

— Vossa alteza, o senhor seu irmão lhe esperar no escritório do administrador. — Informou-lhe o soldado.

Ela aquiesceu e foi acompanhada por eles até o outro prédio. Ao entrar na sala, Chatai se pôs em pé a reverenciou com a mão no peito. Muna sorriu. Ele aparentava estar bem, com boa saúde.

Puxou a cadeira em frente à mesa e sentou-se ao lado do irmão.

— Sinceramente, achei que estaria morto, senhor Chatai.

— E você não foi a única, princesa — disse ele. — Eu mesmo acreditei que morreria de febre ou seria morto. — Ele se sentou na cadeira atrás de sua mesa. —Bom, nada aconteceu e vocês estão de volta.

Tamujin pegou uma das papeladas sobre a mesa e as folheou.

— Houve alguma mudança em nossa ausência?

— Apenas mais uma boca pra alimentar — respondeu. — Um pouco depois que vocês partiram chegou um médico novo vindo da capital, depois que o outro desistiu. Se não fosse por ele eu não estaria aqui, e metade dos homens feridos no último conflito teriam perecido sem ele.

— Isso ótimo! — disse Tamujin, aliviado. — Por acaso ele pensa em desistir do trabalho também?

— Não. Creio eu que ele esteja gostando da experiência. — respondeu Chatai.

— E onde ele está? — Indagou Muna.

Chatai mandou que um guarda parado próximo a porta chamasse o médico, e não demorou para que voltassem com ele.

O médico era um homem franzino, de ombros baixos e longos cabelos negros amarrados numa tira de couro. Ao ver o príncipe e a princesa na sala ficou surpreso e fez uma desastrosa reverência.

— Pode se levantar, Munkbat — disse Chatai. — Nosso príncipe e princesa estavam interessados em conhecê-lo. Apresente-se.

Ele pigarreou e empertigou as costas.

— É um imensurável prazer servi-los, meus senhores. — Fez uma reverencia. — Não vou decepcioná-los.

— Você ainda é novo — observou Muna, surpresa.

Tamujin segurou uma risada e empurrou de leve a irmã. A garota revirou os olhos.

— Só na aparência, minha princesa. Carrego 29 anos nas costas.

— Mais velho que nos dois juntos — observou Tamujin e brincou: — Ele é muito velho pra você, Muna.

— Idiota — resmungou e deu um soco no ombro do irmão. Pôs-se de pé. — Ignore meu irmão, senhor Munkbat. Eu lhe agradeço por trabalhar conosco e por ter cuidado do senhor Chatai em nossa ausência. Seu esforço será recompensado.

Ele fez uma breve mesura.

— Já me sinto recompensado por servi-los, vossa alteza.

Muna sorriu e voltou a se sentar em seu lugar.

— Junte-se a nós, Munkbat. — Chatai convidou. – Temos muito o que conversar.

Começaram uma reunião e ficou decidido que grande parte dos tesouros adquiridos na dungeon seriam investidos em Nargabad, assim quitando de vez as dívidas e trazendo alguma melhoria que o local tanto necessitava.

A aldeia não ficara de fora. Tamujin havia prometido isso àqueles aldeões, e precisava cumprir.

Meses se passaram e o príncipe a e princesa trabalhavam sem cessar. Os presos agora trabalhavam de forma decente, e aqueles que eram oriundos da aldeia e trabalhavam nas minas recebiam seus devidos pagamentos.

Criaram leis e esperavam que fossem aprovadas pelo rei, e uma delas era que injuriadores não fossem condenados a Nargabad. Afinal, o local era justamente para aqueles que cometeram crimes graves.

Com os pés descalços, Muna observava a vista montanhosa de sua janela. Já era o entardecer, e o último resquício de sol era engolido pela chegada da noite. O ar estava abafado e o som dos homens se reunindo para jantar era agradável.

Tudo estava calmo até Tamujin bater à porta.

—Muna, — chamou ele ao entrar no quarto. — Agora a pouco chegou um enviado da capital e trouxe isto.

Era uma carta e tinha o selo real rompido. Pelo jeito, o príncipe já lera antes e só agora compartilhava a informação com a irmã. Muna leu em silêncio e ao terminar levantou o olhar para o irmão, boquiaberta

— O rei nos quer de volta… — sussurrou surpresa.

— Já era hora! — Exclamou o príncipe animado. — Estamos aqui há quase um ano.

Muna voltou a atenção para a carta. Onze meses passara rápido demais e, embora Nargabad estivesse a tudo vapor, sentia que tinha mais, muito mais a fazer ali. Não queria deixar tudo para trás como se tudo que fizera não valasse nada.

— Temos de arrumar nossas coisas em uma semana. — Tamujin informou. — Vamos partir antes do alvorecer.

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Nargabad parecia estranhamente silenciosa naquela madrugada. Alguns mineradores ainda dormiam nos alojamentos, mas outros estavam de pé para ver os príncipes partirem. Os castrados que haviam trazidos estavam prontos e os soldados os esperavam.

— Lembrem-se sempre de Nargabad, meus príncipes — disse Chatai e os reverenciou. — Ela será sempre fiel a vocês.

Muna montou em seu cavalo.

— Não nos esqueceremos, senhor Chatai. Jamais.

Tamujin o agradeceu e montou em seu cavalo.

— Bem... — disse ele. —, até à próxima.

Chatai e tanto outros que os assistiam partir os reverenciaram. Muna olhou para trás mais uma vez, sentindo um aperto no peito por ter que deixar Nargabad.