Com um grito abafado pela máscara,Magali dera um sobressalto dos braços do seu amigo quando acordou em meio aquele incêndio.Seus olhos arregalados ainda tentavam se localizar em meio às chamas e não se perder dentro da neblina de fumaça que tomava conta de tudo a sua volta.

Assim que percebeu que sua amiga havia despertado, Cebola, fez questão de segurá-la com ainda mais força para que ela não se queimasse no meio do trajeto.Era um forma estranha de dizer que estava feliz de ver que ela não estava em um estado vegetativo.

No entanto,nem todo o esforço do mundo foi capaz de evitar que Cebola perdesse o equilíbrio, caindo de joelhos na rampa que levava até a saída da Ala médica.

Estava muito difícil continuar respirando se o único “ar” disponível eram brasas.

— Cê…-Magali se levantou do chão cambaleante e tentou levantar o amigo,mas este rapidamente a empurrou pra longe, apontando para o final do corredor da ala que levaria para o andar de cima. Ele sabia que não teria forças para continuar,mas também sabia que a garota teria mais chances de sobreviver do que ele se fosse embora naquele exato momento.

Era como reviver aquele pesadelo de novo, ir embora e deixá-lo lá. Não era isso que Magali queria,ela não iria virar as costas para o seu amigo mais uma vez. Senão o sacrifício teria sido em vão.

—Vamos!- A garota se dirigiu, ainda cambaleante até onde Cebola estava, e juntando todas as suas forças, o puxou para cima, colocando um dos seus braços sob seus ombros para que ele tivesse onde se apoiar. Ela sabia que ele estava tentando lutar para permanecer lá, mas não existiam nem mais forças em seus pés,quanto mais no resto do seu corpo para não se deixar ser carregado para longe das chamas.

E mesmo sentindo a dor cortante da ferida se abrindo em seu abdômen, Magali conseguiu chegar perto da saída da ala psiquiátrica com seu amigo sã e salvo,ou pelo menos era isso que ela achou até ver a silhueta de um homem surgindo em meio a neblina. Um homem que ela conhecia muito bem, mas que Cebola não tinha noção de quem era.De quem ele era de verdade.

—Por favor...Nos aju…-O garoto tentou estender a mão para aquela silhueta,achando que fosse algum policial, mas quando Magali o puxou para trás,ele soube naquele momento que aquele homem não estava ali para ajudar ninguém.

Vocês não vão a lugar nenhum.— Aquela máscara de oxigênio não poderia esconder o olhar e nem a voz daquele que Cebola confiou cegamente desde do inicio,aquele que o acompanhou mata a dentro para encontrar o paradeiro de sua amiga, aquele que foi morto na trilha enlameada. Ou não.

— D-doutor?!...-O garoto não conseguiu esconder o espanto ao reconhecê-lo e nem teve tempo de processar todas as perguntas que vinham naquele momento. Era difícil raciocinar com alguém com uma arma apontada para a sua cabeça. Literalmente.

Eu não vou deixar que vocês estraguem o meu experimento.Vocês vem comigo!— O homem engatilhou a arma e puxou os dois para fora da ala psiquiátrica,conduzindo-os pelo penúltimo andar antes da superfície.- SE DEREM UM PASSO PRA TRÁS, EU ARREBENTO A CABEÇA DE VOCÊS DOIS,OUVIRAM?!— O homem rangia como um animal feroz, ele estava totalmente descontrolado. Muito diferente daquele médico “bondoso” que ajudou seus pacientes no hospital.

—Vo-você...estava morto…- Cebola tentava entender o que estava acontecendo,procurando alguma justificativa para tudo aquilo.Não era possível que fosse a mesma pessoa que ele viu morta naquele dia.

— Ele nunca esteve.- Magali respondeu rispidamente,lembrando das inúmeras vezes que ele a dopou e a torturou injetando aquela malditas substâncias em seu corpo.Substâncias essas que a impediram de conseguir falar a verdade para o amigo,já que estava alterada demais para dizer alguma outra frase que não fosse “Eu estou tão feliz em te ver”.

Ainda bem que sua amiga sabe o que diz…—O homem continuou apontando a arma para os dois, andando de costas para não tirar os olhos de suas cobaias.-...Porque alguém desconfiaria de um morto?

—Nós confiamos...em você!-Por mais indignado que estivesse,Cebola não poderia ignorar os fatos.Eles sempre estiveram lá.

Como um médico iria conseguir “descobrir” o IP de um telefone tão rápido?Como saberia a exata localização de um lugar, aparentemente,inóspito?As chances de ele não conhecer aquele caminho eram mínimas.Não tinha como ele não estar envolvido em tudo aquilo,e talvez, por trás de tudo aquilo.

Confiar é uma escolha.— O homem riu ainda sem tirar os olhos dos dois, que permaneceram lhe seguindo até a saída para a superfície do laboratório.Ele estava tão seguro que conseguiria sair com as suas duas cobaias,tão seguro de que conseguiria ser o primeiro cientista a finalizar o experimento alfa com sucesso.Tão seguro e tão cego,que não percebeu que havia uma fila de policiais lhe esperando a poucos metros de distância.

Era tarde demais quando o um policial deu voz de prisão para o doutor e ordenou que soltasse a arma.

Naquele momento em que aquele homem ergueu os braços em rendição,foi ali onde tudo acabava.

Quando o som de um tiro cortou o silêncio da noite.

Todas as sirenes pararam.Todos os agentes que estavam do lado de fora pararam imediatamente o que estavam fazendo.O delegado sentiu suas pernas ficarem bambas naquele instante.

Ninguém sabia o que tinha acontecido e muito menos de quem foi aquele tiro.

O SUSPEITO ATIROU!— O grito de um dos policiais ecoou por toda a floresta onde seus demais colegas aguardavam o sinal para adentrar no local.

O delegado não pestanejou e saiu correndo em direção ao local.Ele estava com sangue nos olhos só de imaginar que alguma coisa poderia ter acontecido aos reféns.

A cena da qual os policiais se depararam logo na entrada do laboratório era aterradora.Como as chamas estavam consumindo toda a estrutura,um tiro para o alto fora o suficiente para derrubar boa parte do teto,que acabou caindo em cima do próprio suspeito.

Cebola estava pálido como um fantasma quando foi retirado pelos agentes que estavam dentro do local quando ocorreu o disparo.Ele tentava lutar para voltar para dentro do laboratório e até aquele momento ninguém estava entendendo o porquê.

Quando o disparo aconteceu, Magali o empurrou abruptamente para o lado onde os policiais estavam.Salvando-o dos escombros que caíram logo em seguida.

O estrago tinha sido grande e também irreversível.Os bombeiros estavam fazendo de tudo para retirar os escombros,mas as chamas e a fumaça atrapalhavam ainda mais o campo de visão.

Enquanto isso,Cebola era arrastado para longe do local enquanto clamava por sua amiga.Ele viu que o Doutor não sobreviveu,já que foi esmagado por duas vigas de cimento, e mal conseguia imaginar o que poderia ter acontecido com Magali que estava a poucos metros de distância dele.

No entanto, o desespero durou pouco quando Cebola,que já estava dentro da ambulância,recebeu o comunicado de que haviam encontrado a mão erguida de Magali em meio aos escombros. Ela estava viva.

Mônica e Cascão também mal conseguiam acreditar quando o delegado ligou os informando que a operação tinha sido um sucesso.Os pais de Magali também comemoraram aos prantos,sem conseguir controlar a emoção depois de tanto tempo buscando pela sua filha. Franja comemorava em silêncio dentro de sua cela, esperando o momento em que teria acesso a sua fórmula.

Grande parte dos funcionários que escaparam do laboratório não conseguiram escapar das autoridades, a atuação fajuta do Dr.Jeremy não foi suficiente para convencer o caminhoneiro,já que ele tinha esquecido de de tirar seu jaleco e seu crachá que o identificava como o comprador da encomenda. O doutor (mesmo morto) também não escapou das investigações e foi apontado como “Chefe” da organização pelos próprios funcionários.

O laboratório por sua vez não se destruiu por completo no incêndio,já que o fogo foi controlado pelos bombeiros poucas horas depois.Com isso, a policia conseguiu resgatar muito arquivos de outros tantos experimentos que já tinham sido realizados lá e provas o suficiente para incriminar a maioria dos participantes da organização,além de conseguirem encontrar a família de Cebola depois de poucos dias de interrogatórios e mais investigações.

Por sorte a família dele ainda não tinha sido submetida a nenhum tipo de experimento,estavam sendo mantidos em cativeiro para chantagear Cebola enquanto ele estivesse dentro da organização. Com mais investigações, também descobriram que Franja realmente não tinha envolvimento algum com aqueles criminosos em questão (Mas ainda iria responder pelo crime de ter praticado um experimento sem qualquer aprovação ou autorização de um órgão competente).

Cebola e Magali estavam livres. Finalmente. Livres.

Meses depois…=============================

As aulas no colégio do Limoeiro não eram mais as mesmas depois de todo o ocorrido,na verdade, ninguém foi mais o mesmo depois daquilo.

Cascão e Mônica já haviam voltado as aulas, ainda um pouco traumatizados com tudo o que passaram com o seu ex-professor. Mas estavam seguindo suas vidas normalmente, na medida do possível.

Ambos haviam tentado entrar em contato com Cebola e Magali, mas tiveram a informação pela própria polícia de que eles demorariam para voltar a frequentar a escola.E realmente demoraram um bocado.

Cebola demorou menos que Magali,mas acabou voltando depois de muitos meses de terapias,depoimentos e remédios pra ansiedade.Ele estava tentando retomar a sua vida aos poucos,mas ainda tinha insônia todas as noites e só conseguia dormir 3 horas por dia, no máximo.De vez em outra tinha ataques de pânico e crises de ansiedade, mas já estava apresentando uma melhora significativa,que o fez voltar a frequentar a escola.

Em respeito ao que aconteceu, os alunos e colegas de classe evitavam tocar no assunto com Cebola ou lhe fazer perguntas desagradáveis, sabiam que ele estava em um processo muito delicado de ressocialização e qualquer palavra poderia ser um gatilho para fazer com que o processo regredisse.

Mônica e Cascão também procuraram ter esse cuidado, mas sabiam que lá no fundo,ele não era mais o mesmo.

Ele parecia mais sério e mais introspectivo.Nas aulas o seu desempenho começou a melhorar significativamente.Ele não era mais o cara que ficava no fundão jogando vídeo game ou ouvindo musica no celular ,na verdade, ele parecia muito interessado nos conteúdos e anotava tudo o que via no quadro.Realmente, parecia ser outra pessoa.

Em mais um dia como esse,depois que o sinal para intervalo tocou, Cebola guardou alguns cadernos em sua mochila e pegou o seu atestado médico para apresentar na enfermaria. Já que precisava tomar alguns medicamentos em horários específicos.

— Ei,Cê...Quer jogar vôlei com a gente lá na quadra?- Mônica se aproximou do amigo cautelosamente.

— Vai ser daora, careca!A gente deixa você ganhar.- Cascão dera uma piscadela para Cebola,tentando tornar aquela conversa mais descontraída.

— Valeu mesmo gente,mas eu acho que eu vou ficar na biblioteca mesmo...Eu tenho que terminar de fazer os resumos pra Maga.

— Quê Resumos?

— Resumos de tudo o que a gente estudou até agora…

— Relaxa, Cê...Até lá os professores vão ter feito alguma coisa pra ela, não se preocupe.

— Eu sei,mas é que eu não quero que ela fique perdida nos conteúdos quando voltar.- Cebola terminou de fechar a sua mochila e se dirigiu até a porta da sala.-...Mas obrigado pelo convite,a gente se vê daqui a pouco.-O garoto acenou sorridente para os dois amigos e andou pelos corredores até encontrar as escadas que o levariam até a enfermaria.

No entanto, antes que pudesse descer aqueles degraus, Cebola olhou para cima, para os degraus que levavam para o último andar da escola e não resistiu em subir até lá.

Ele não sabia o porquê, mas sentia que estava pronto para visitar o laboratório de ciências depois de meses sem querer pisar naquele andar. Saber que foi lá onde tudo começou só lhe trazia más recordações, mas agora a atmosfera daquele lugar parecia menos pesada.

Talvez pelos raios de sol que passavam pelas janelas e iluminavam o corredor,ou talvez porque Magali estivesse do outro lado.

— CÊ!!- A garota abriu um sorriso radiante e correu em sua direção,lhe dando um abraço caloroso.

Cebola não conseguiu se conter e retribuiu o gesto.

— A quanto tempo...Como você tá? Achei que demoraria pra voltar pra escola…- O garoto mal conseguia acreditar que sua amiga estava tão bem depois de tudo o que passou. Ele realmente achou que ela ficaria uns bons meses no hospital para se recuperar.Mas pelos curativos em seus braços era perceptível que ela ainda não estava 100%.

— Eu ainda não voltei, na verdade só vim visitar mesmo...Meus pais vieram aqui pra ver como vão ficar as minhas notas,aquela coisa toda,sabe?

— Sei bem como é isso…

— Mas tirando isso, eu tô bem. Tentando pelo menos, eu não vou negar que ainda tenho pesadelos com tudo o que aconteceu...Mas faz parte.- Magali voltou o seu olhar apar a porta do laboratório de ciências que se encontrava a poucos centímetros dali.- Também veio ver como ficou o nosso trabalho?-Cebola riu com a ironia da amiga. Nem lembrava mais daquele trabalho com as maçãs.

— Eu adoraria, mas tô com medo de terem espirrado alguma coisa ai dentro.

— O Franja não pode fazer nada da cadeia,então não tem com que se preocupar.

— Eu queria não ter com que me preocupar, mas quando eu fui visitar ele esses dias,ele me parecia tão...estranho.

— Estranho como?

— Não sei explicar, ele não parava de falar de uma tal de fórmula...Acho que a cadeia tá mexendo com a cabeça dele.

— Fórmula?-Magali lembrou da fórmula que lutou tanto para salvar no outro mundo em que esteve,mas o outro Cebola não havia especificado naquele bilhete para o que era a fórmula e nem pra quem Magali deveria entregá-la.

— É, mas não faço ideia do que seja…Enfim, deve ser coisa da cabeça dele.

— Pois é…- Magali gostaria de falar ao amigo sobre a história da fórmula, mas temeu de que eles se metessem em outra encrenca por causa do experimento.Afinal de contas, eles ainda estavam se recuperando de tudo o que passaram, arranjar mais problemas naquela altura do campeonato só pioraria as coisas, por isso o silêncio e a omissão foram as melhores respostas que ela conseguiu encontrar no momento.

— Bom...Eu sei que eu não deveria tocar nesse assunto,mas desde do que aconteceu lá no laboratório,eu não consigo parar de pensar em umas coisas…

— Que coisas?

— Umas coisas que aconteceram...-Magali petrificou-se naquele exato instante em que escutou aquilo, ela tinha passado tanto tempo dopada dentro daquele lugar que não se surpreenderia se tivesse dito ou feito alguma coisa sem sentido.- Eu quero que você seja honesta comigo,de verdade.

— Claro...O que é?

— Porque você me bei...Ah esquece,isso não tem importância agora.-Magali sentiu seu rosto virar um pimentão, ela sabia exatamente o que ele iria dizer, mas não sabia como iria respondê-lo.-Me-me desculpe...Não era isso que eu iria perguntar...Como você conseguiu sobreviver?Digo, aos escombros e tal...Foi tão feio que até os bombeiros tiveram dificuldade de te achar.

— Eu não sei, foi tudo tão rápido...Eu me distrai quando vi ela.

— Ela?

— Sim,a mulher que estava parada atrás de mim quando o teto caiu.

— Mas como?....Ah,quer saber?O que importa é que você está bem e que tudo isso acabou.-Cebola abraçou a amiga mais uma vez.-Eu to muito feliz em te ver de novo,Maga.

— Eu também, Cê, eu também....- A garota apoiou a cabeça no peito do rapaz e respirou fundo com um sorriso em seu rosto. Não havia recompensa melhor do que aquela.

— Ei, eu sei que isso é um pouco aleatório,mas você vai estar livre hoje a tarde?

— Acho que sim,por quê?

— Eu queria passar na sua casa pra te atualizar sobre as matérias, eu anotei todos os trabalhos que você vai precisar fazer pra recuperar as notas, então se quiser...eu posso te ajudar. E obviamente, pra não ficar tão chato a gente pode tomar um sorvete depois,o que acha?

— Se tem sorvete, eu tô dentro!-Os dois riram da resposta e se despediram.-Te vejo hoje as 16:00,então?

— Sim,15:59 eu vou estar no portão,viu?

— Tá legal,sr.pontualidade!Nos vemos às 15:59,até mais Cê!

— Até,Maga.-Um sorriso se desenhou nos lábios de Cebola ao ver sua amiga correndo pelos corredores.Finalmente tudo havia voltado,não ao que era antes,mas muito melhor do que poderia ter sido.

Pelo menos até abrir a porta do laboratório de ciências e se deparar com as duas maçãs...intactas.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.