Mike

“Enquanto eu achava que estava aprendendo a viver, eu vinha aprendendo a morrer”. - Da Vinci

Quando respiro, sinto o cheiro da pólvora. O cheiro entra pelos meus pulmões, fazendo eu me lembrar da primeira vez que toquei em uma arma. Na minha infância. Crianças normalmente passariam a infância aprendendo sobre alguma matéria na escola ou alguma brincadeira nova com os amigos. Não a minha, pelo menos não com o meu pai me criando.

Lembro-me da nossa casa. Mais precisamente dos fundos da nossa casa, onde na cerca que cobriam as laterais e fundos da casa encontravam-se diversas latas velhas espalhadas que meu pai amava usar como alvo. Eu mal conseguia adaptar-me ao tamanho de uma das escopetas de meu pai, mesmo assim, ele insistia que eu seguisse seus costumes:

-Você tem que mirar bem no alvo, bem no meio Mike. Lembre um tiro, um morto.

Eu respiro fundo, miro em uma lata que calculei ser mais fácil, e puxei o gatilho do modo que meu pai tinha feito antes. Ele devia ter me avisado sobre o coice também, pois quase no mesmo momento em que puxei o gatilho, senti meu braço esquerdo se deslocando de mim e meu corpo sendo jogado para trás. Senti meu pai me levantando e tirando a arma de meus braços:

-Não Mike. Você tem que prender seus pés no chão, não deixar seu corpo ir para trás. Porem não pode deixar seu corpo tenso. Tudo se trata sobre respiração. - Ele respira fundo para me demonstrar, se vira mira e atira com a pericia e habilidade de sempre. Afinal, meu pai era um soldado do exercito, então é claro que terá muito mais habilidade que uma criança. Mesmo assim, ele insistiu me devolvendo a espingarda. - Aqui, tente de novo. Vamos Mike, sei que você tem potencial.

Eu, e aquele certo orgulho de criança, nos enchemos de coragem e pegamos de volta a arma. Achei que a segunda vez seria mais fácil, no entanto estava enganado e acabei esborrachando-me no chão novamente:

-Ah Mike...

Eu sempre treinava, tentando aguentar o coice e acertar pelo menos uma lata. Nas primeiras vezes nunca conseguia, mas após dezoito anos, eu já sou praticamente profissional. Praticamente.

O som da porta de abrindo me tira de minhas lembranças. Mesmo que eu relembrasse muito do meu passado, muita coisa tinha mudado pelos anos. Já meu pai não gosta de lembrar muito do passado. Eram memórias de soldados e de traição. Minha mãe tinha me abandonado não muito novo, por algum outro miserável sem problemas na vida. Como era novo não entendia muito, mas meu pai odiou isso.

A minha cidade também mudou. Eu moro em Galveston, em Indiana, uma cidadezinha que com o tempo passou de algumas fazendas para diversas casas e praças. Desde que meu pai foi dispensado do exercito, ele veem trabalhando em uma loja de armas e utensílios de caça que ele abriu. Quando adquiri idade o suficiente, meu pai me apresentou aos trabalhos da loja e venho trabalhando aqui desde então.

Olhei para a porta que se abria e me dirigi a ela para atender o cliente. Estava preste a dizer as básicas palavras de atendente quando meus pensamentos foram interrompidos pela moça que eu via entrar. Ao entrar, ela reparou em mim e disse com uma voz angelical:

- Boa tarde, senhor.

Os lábios dela eram tão lindos que não consegui prestar atenção no que ela disse. Nunca tinha visto uma garota igual a ela antes:

-Hã?

Era, com certeza, uma das piores coisas para se dizer, contudo ela sorriu lindamente e disse:

-Sou nova por aqui e preciso de algumas coisas desta lista, poderia me ajudar?

Ela me entregou uma lista, estava com uma letra masculina, uma letra que eu conhecia:

-Claro. É a nova empregada do Sr. Erik?

O senhor Erik era um velho frio e rabugento, que morava em uma grande casa amarela no fim da rua. Depois que sua esposa morreu, ele ficou muito doente e sempre precisava de ajuda, mas de algum jeito ainda conseguia manter a sua boa forma física:

-Não, sou filha dele.

Sua resposta foi surpreendente. Como aquela garota, tão bela, poderia ser filha daquele homem?

-Mas onde esteve por todo esse tempo?

-Depois que minha mãe morreu, não pude ficar aqui, então fui para um colégio na Inglaterra.

-Sinto muito por sua mãe.

Ela pegou a sacola em que tinha separado os produtos no balcão:

-Não sinta. Isso não vai mudar nada.

Tão bela e tão grossa. Naquele momento, não sabia se ela seria a mulher de minha vida ou apenas mais uma de minhas rápidas paixões, só estava pensando por que eu nunca havia conhecido aquela garota antes.

Fiquei dias sem vê-la, porem minha mente pensava nela constantemente, mesmo quando eu não queria. Ela era o meu vício, era como uma droga que não conseguia ficar abstinente.

Alguns dias depois, quando voltava para casa, vi a garota andando na outra calçada. Respirei fundo, atravessei a rua e fui falar com ela. Logo que cheguei até ela minha mente travou por um segundo, então fiz um esforço e consegui me apresentar. Ele se lembrou de mim, e se apresentou também. Seu nome era Kate, então, por um momento, eu esqueci para onde estava indo antes e resolvi a convidar para tomar um café em uma cafeteria ali por perto.

Depois do primeiro encontro, percebi o quanto ela era adorável, e o quanto apreciava sua companhia. Fiquei contente de perceber que também parecia gostar da minha, principalmente quando Kate aceitou outro encontro nosso. Após tantos encontros, eu realmente a amava, mas não sabia o que ela sentia.

Houve um de nossos encontros em que antes de entrar na sua casa, ela permaneceu a minha frente, olhando profundamente em meus olhos. Estava escuro, então não conseguia ver direito, mas vi que sua expressão estava diferente, e seu rosto estava vermelho. Eu estava prestes a me despedir quando Kate deu um passo à frente e me beijou. Senti meu rosto queimar, no entanto passei meus braços por sua cintura e continuei o beijo. Não sei como conseguimos nos separar, mas quando o fizemos, Kate só sorriu com seu rosto perfeito e sussurrou:

-Até amanhã.

E entrou na sua casa, me deixando lá fora com uma alegria que me dava vontade de sair correndo pela rua sem me preocupar com nada.

No dia seguinte, Kate estava agitada, e até animada. Ele me trouxe para dentro de sua casa e para sua sala onde seu pai estava sentado em uma poltrona. Imediatamente entendi o que era aquilo, e tive vontade de sair correndo e me esconder em um buraco:

-Kate, quem é esse?- Disse Sr. Erik praticamente cuspindo as palavras.

-Pai lembra-se da pessoa com que tenho saído ultimamente? De quem tenho falado muito?

-Não.

-Bem... Esse é Mike. Meu namorado.

As palavras dela me assustaram. Parte de mim estava pulando de alegria, mas outra estava com medo do que iria acontecer:

-O que?! Esse fedelho?!- O velho se levantou com violência e veio em minha direção. - Quem você pensa que é? Todo mundo aqui sabe que sua mãe não era mulher de respeito e na primeira oportunidade te abandonou. Agora quer tirar minha filha de mim assim? Não quero mais você aqui. - Kate e eu nos entre olhamos- E que nunca mais encontre minha filha!

Por infelicidade do destino, o pai de Kate não aprovava nosso namoro. Não tive escolhe a não ser sair daquele lugar tentando manter Kate o mais calma possível. Porem eu não estava calmo. Não tive escolha a não ser voltar para casa com uma tristeza inexplicável. No meio do caminho vejo um jornal no meio da rua anunciando os conflitos no mundo. Em meio a todas as coisas que estavam acontecendo em meu mundo confuso, a ameaça de um conflito com a Alemanha crescia. Todos os jovens estavam se alistando para defender a essência americana. Nunca pensei em me alistar, tinha muitas coisas a perder. Contudo naquele momento só tinha uma, Kate. Mas já a havia perdido. Lembrei-me de como meu pai sempre falava de seus tempos no exercito e de minha infância treinando com armas. Por um momento pensei que talvez não seja tão ruim, afinal, já tinha certo “treinamento” mesmo.

Entrei com pressa na base. Mediram-me e pesaram, e descobriram e testaram minhas habilidades. Finalmente fui considerado suficiente para a guerra.