Entre Dois Mundos

Capítulo 4 - Colegas de Quarto


Bella estava deslumbrada com o cenário que via diante de si. Observava com atenção cada canto e recanto daquela habitação toda construída em madeira enquanto se encaminhava para o seu interior e para tal tinham de subir uma pequena escadaria, visto a casa ter sido executada sobre uma elevada plataforma apoiada a 10 metros do chão por uns largos troncos.

Assim que trespassava a porta deparava-se com uma larga e ampla sala de estar, acomodada com diversos sofás aqui e ali, bem como meia dúzia de poltronas, mesas de apoio, luminárias e centros de mesa perto dos confortáveis móveis de assento, e ainda meia dúzia de mesas de refeições adornadas de cadeiras e bancos a condizer. Várias janelas de grandes alturas se encontravam embutidas nas paredes trazendo assim uma grande quantidade de iluminação natural para o interior de toda aquela divisão. Ao fundo avistavam-se mais duas estreitas escadarias uma levando a um piso superior onde estavam situados os quartos, outra dando acesso a um piso inferior onde se localizava uma acolhedora mini biblioteca com um vasto rol de livros. No espaço existente entre ambas as escadas havia uma larga e chamativa lareira em pedra rústica onde crepitavam levemente alguns ramos no interior e diante desta um enorme tapete felpudo num tom verde seco, onde os alunos repousavam e descontraíam na maioria dos serões.

— Bem Bellinha é só subires aquela escada ali . - Apontava-lhe com um dos seus largos dedos na direcção do acesso ao piso de cima. - Podes-te instalar na porta ao fundo do corredor, a que ficará mesmo de frente para ti assim que chegares lá acima. É o único que ainda tem uma cama livre. Qualquer dúvida as tuas colegas certamente te auxiliarão.

— Okapa. não te preocupes grandalhão, eu desenrasco-me.

— Isso sei eu senhora dona Bella, a “maria do despacho”. - Brincava dando-lhe um encontrão. - Qualquer coisa também podes chamar-me se precisares.

— Sim, sim, não te preocupes que quando tiver intenções de tomar o pequeno almoço eu aviso-te para mo ires lá entregar. - Gracejava a jovem.

— Que riquinha que ela é, vê lá se não te cai um dentinho. - Retorquia o rapaz sempre em jeito de paródia. - Vá mexe lá é essa peida que daqui a nada vão servir o jantar, por isso vê se te despachas. Hoje é banquete no salão da Pena.

— Queres que a mexa como, assim?! - Bella interrogava o amigo empinando exageradamente o traseiro abanicando-o ritmadamente enquanto avançava para as escadas com as malas e sacos em ambas as mãos.

— És mesmo tola miúda. Tás a precisar de levar uns belos açoites tás.

— Podes bater vá, mas com carinho, ok? - Bella parava por momentos olhando para trás por cima do ombro na direcção de Jordan inclinado a anca enquanto lhe fazia olhinhos e beicinho sedutores.

Jordan ria abanando lentamente a cabeça. Bella seguia caminho até ao quarto indicado pelo rapaz. Ao entrar depara-se com duas jovens nas camas mais próximas da entrada.

De mochilas às costas e outras bagagens pelas mãos, Bella contempla o quarto enquanto as duas futuras colegas de habitação a observam fixamente de olhar arregalado. O quarto era um espaço amplo, todo ele revestido em paredes de troncos de madeira bem polida e envernizada. Três camas se podiam ver, estando duas delas situadas na parede do lado direito da porta, enquanto a terceira se encontrava na parede do fundo, de fronte para a entrada junto a uma janela.

— Aaaaaiiii! Não posso! Não acredito! É ela, é mesmo ela. - Exprimia-se histericamente a jovem de longos e cacheados cabelos loiros. - Eu não te disse Charlotte?! Vês como tinha razão que ela nos ia sair a nós?

Charlotte não conseguia desviar a sua atenção da rapariga australiana, os seus olhos brilhavam tais duas estrelas cintilantes. Amélia permanecia em diálogo com a perfeita dos Vollmond apesar de esta última parecer não a ouvir, dando a sensação de que Amélia exercia um monólogo consigo mesma.

— Já me chamaram de muita coisa, mas até hoje ainda não tinha sido alcunhada de raspadinha. - Comentava Bella por entre um riso simpático, enquanto lentamente se introduzia naquela divisão e se encaminhava até à única cama livre,a do fundo do quarto.

— Raspadinha? Agora não apanhei…- Amélia mostrava-se confusa com o comentário da nova colega.

— Sim Amélia... é esse o teu nome se bem me recordo, certo?

A feiticeira dos Mezzaluna acenava de um jeito afirmativo envolto no rasgado sorriso.

— Ao expressares-te que vos “saí” a vocês, dás a sensação que eu sou alguma raspadinha premiada...ou isso ou o jackpot da lotaria. - Justificava-se Bella enquanto calmamente ia retirando do interior das suas bagagens as suas roupas e pertences, analisando em redor os espaços disponíveis para os colocar devidamente arrumados. - Já agora, importas-te se te tratar por Méli? Fica mais prático e assenta que nem uma luva nesse teu jeito peculiar.

— Méli? Claro que sim. Fantabulástico. Porque é que nunca ninguém se lembrou de me arranjar uma alcunha assim antes?!...- Contemplava o tecto do quarto em modo pensativo, desviando logo de seguida o seu olhar sobre Charlotte - Não é menina Charlotte? Há tantos anos e nunca me arranjaste um nome fofo como este, é preciso esperar pela chegada de uma estranha para ser presenteada desta forma…

Amélia virava a cabeça repentinamente na direcção da nova aluna, de olhar arregalado e boca franzida, face ao que acabara de proferir.

— Ai desculpa Bellinha, desculpa, desculpa, desculpa….- Suplicava-lhe já de joelhos diante da jovem australiana, agarrando-a nas pernas. - Perdoa-me por favor...Peço mil perdões.

Bella sorria-lhe ternamente enquanto a afagava nos longos cabelos.

— Tu e a tua boca grande, depois é nisso que dá.- Repreendia-a Charlotte - E não são assim à “taaaaantos” anos que nos conhecemos - Gesticulava abrindo os braços o mais que conseguia em jeito de expressão de tamanho - E se bem me recordo também nunca fui presenteada por ti, como tu fizeste questão de usar o termo, com nenhuma alcunha, também foi a estranha recém chegada que me ofereceu uma.

Charlotte dava conta de se ter referido à nova colega num jeito semelhante a Amélia, e muito atrapalhada, juntava-se agora à colega dos Mezzaluna em súplica pelo perdão de Bella, que não conseguia fazer nada mais do que se rir perante a cena a que assistia diante de si.

— Estão perdoadas minhas filhas - Respondia-lhes Bella enquanto colocava a palma das mãos sobre a cabeça de cada uma das jovens em simultâneo. - Agora ide e rezai 10 Pai-Nossos e 20 Avé-Marias. No final, estareis absolvidas da vossa confissão. - Bella expressava um ar muito sério tentando mostrar-se o mais realista e convincente possível, apesar da brincadeira que realizava com os alunas.

— Pai-Nossos?! - Questionava Charlotte confusa.

— Mas o meu pai não é vosso pai também, ora-me essa! Meu pai é só meu! MEUZINHO! E quem são as Avé-Marias? E é para fazer o quê com tantas moças? Não pode ser com uma de cada vez? - Inquira Amélia sem entender o que Bella lhes havia falado.

— Pronto, meninas, pronto, já passou… - Bella não conseguia conter o riso, o músculo do abdómen começava a doer tal era a intensidade das suas risadas e a força que exercia para se controlar. - Já vi que vocês não entendem nada disto. - Comentava para os seus próprios botões.

Bella tinha razão em certo ponto. Amélia e Charlotte provinham de famílias genuína e tipicamente feiticeiras, não tendo muito, ou por vezes até nenhum, conhecimento em diversas matérias, assuntos e aspectos do quotidiano muggle.

Quando os ânimos já haviam acalmado, Bella, depois de arrumar tudo no devido lugar, apressava-se em direcção ao exterior da residência onde Jordan já a esperava no seu jeito descontraído, debruçado no corrimão da escadaria, encarando-a com o seu habitual sorriso rasgado.

— Desculpa o atraso Big J. - Desculpava-se Bella enquanto penteava atrapalhadamente os cabelos com os dedos.

— Deixa lá Cinderela, eu depois envio-te pelo correio a conta das horas extra com as taxas de juros já incluídas, não te preocupes. - Gracejava Jordan por entre uma piscadela de olho.

— Aceitas pagamentos em leves e suaves prestações, certo? É que vindo de ti os preços de custos deve ser elevados, que tu nunca fazes a coisa por pouco. - Bella entrava no jogo de brincadeira com o amigo. - Tive uma recepção no quarto, digamos que, original, daí o meu atraso.

— Vindo da Amélia acredito que sim. - O rapaz ria sabendo bem a personalidade e jeito colega a que se referia.

— Olha que a CC não lhe fica atrás.

— A quem? - Inquiria-a Jordan.

— A Charlotte. Alcunhei-a de CC ou “Double C” para ser mais fácil.

— Tu e o teu hábito das alcunhas… É distribuí-las a torto e a direito a todos os que se te passam no caminho. - Comentava dando um leve encontrão na jovem enquanto tomavam caminho para chegarem ao Salão Nobre da Pena onde iria decorrer o almoço de abertura de ano lectivo.

Iriam dali, da Regaleira, até ao alto da serra de Sintra onde estava localizado o Palácio da Pena por uns túneis subterrâneos que estabeleciam um acesso rápido e directo entre ambos os locais.

— Já sabes como é, não posso fazer discriminação com ninguém, tenho de oferecer uma alcunha a cada um… Chama-se a isto solidariedade e caridade.

— És tão tola tu miúda, por isso é que te adoro porra! - Jordan abraçava forte e carinhosamente a feiticeira por entre um beijo na testa.

— E tu não passas de um bebé grandalhão. Tanto tamanho mas com tanta ternura aí dentro em quantidade proporcional. - Bella retribuia o gesto do rapaz dando-lhe um abraço o mais apertado que conseguia. - Também te adoro para caraças meu Big Baby.

— Vá, vá, pára lá de me chamar de bebé, tenho uma reputação e imagem a manter . - Gracejava imitando movimentos nuns jeitos snobes como se de um famoso se tratasse. - Conta-me lá mas é o que se sucedeu entre aquelas quatro paredes que deixaste-me curioso.

— Isso dito assim dessa maneira até soa mal pah!... - Bella soltava uma abafada gargalhada.

Seguiam o resto do percurso perante os relatos de Bella relativos à situação animada passada no quarto da residência momentos atrás.

Cerca de 15 minutos depois, os dois amigos avistavam a porta do Salão Nobre. Uma grande e renascentista porta em madeira de carvalho escuro bem lustrado encontrava-se entreaberta de onde provinha uma agradável luz amarelada envolta no som de uma mistura de vozes animadas.

Assim que haviam dado o primeiro passo para o interior daquela divisão um silêncio, de certo modo incomodativo, reinou por entre todos ali presentes e juntamente com ele recaiam os olhares sobre a aluna transferida. Bella mantinha a mesma postura que continha antes de ali entrar, parecia não se sentir incomodada ou minimamente afectada com aquelas atitudes, sorrindo e gracejando com Jordan que também optara por ignorar aquele ambiente criado em redor dos dois.

Já se podia notar Adele, olhando de soslaio com olhar de repugnância, segredando cochichos com as suas fiéis seguidoras de grupo, as quais soltavam contidos risos juntamente com olhares reprovadores para a jovem australiana. Bella passava exactamente por trás da perfeita dos Lua Nova sem demonstrar qualquer tipo de atenção. Adele por seu lado não poderia deixar escapar aquela maravilhosa oportunidade, e nesse exacto momento em que Bella se encontrava atrás de si, solta discretamente um dos seus humilhantes e discriminatórios comentários.

— Devias ter vergonha nessa cara peçonhenta de sangue de lama e resumires-te à tua insignificância. Não és digna do chão que pisas nesta respeitosa escola. Não sei como terás capacidade de dormir descansada à noite com o peso que irás ter na consciência por estares num lugar que não te pertence a denegrir a sua prestigiada imagem. Devias era voltar para aquilo que tão bem sabes fazer e que assenta que nem uma luva em ti: limpar os dejectos dos bichinhos saltitantes da tua terra. - Murmurava por entre um sorriso malicioso.

Bella prosseguia sem qualquer tipo de manifestação perante tal desprezível ofensa, permanecendo com o seu luminoso e belo sorriso desenhado no rosto enquanto mantinha o seu diálogo com Jordan que a encaminhava até ao lugar que iriam tomar à mesa.

— Podes fugir mas não te podes esconder. Hei-de-te pôr no teu devido lugar, sua intrusa lamacenta. - Proferia Adele para os seus próprios botões enquanto encarava fulminantemente Bella que já se acomodava numa mesa ao fundo do salão junto de Jordan, Beto e Sebastião.

As amenas conversas renasciam das “cinzas” do silêncio e os largos tabuleiros com diversas iguarias típicas da região de Sintra eram colocadas sobre as mesas trazidas pelos pequenos e amáveis, mas simultâneamente respeitosos, Ewoks. Podia-se degustar desde a deliciosa Carne às Mercês acompanhada das fantásticas batatas fritas em formas cúbicas, ao estaladiço e crocante Leitão de Negrais, e para os amantes de peixe não faltavam a famosa Caldeirada ou os Filetes de Peixe Espada Preto acompanhados do maravilhoso Arroz de Tomate. Nas sobremesas contava-se com os típicos e icónicos Travesseiros da Piriquita, as Queijadas da Sapa, Nozes Douradas, os Fofos de Belas e ainda alguns doces de prato e colher como eram os casos da Serradura, do Leite Creme, a Mousse Tricolor e ainda o belo Arroz Doce. No instituto, a gastronomia era algo da comunidade Muggle que desde os tempos remotos se preservava à mesa das refeições, apesar do seu contexto de escola de magia.

As horas restantes pareciam ter voado e as primeiras semanas do início do novo ano lectivo passavam-se cheias de entusiasmo e energias, os quais com o longo do tempo iam perdendo forças dado o empenho que o estudo das várias matérias exigiam da parte dos alunos, ainda mais sendo o MLI o instituto conceituado que era, conhecido pelo seu método exigente, fazendo dele por esta razão uma das escolas superiores de magia das mais prestigiadas, não ingressando qualquer um, mas sim apenas os mais forte e valentes, não apenas a nível físico mas também, e principalmente a nível mental e intelectual.

Os alunos do 5º ano, que numa escola normal de pessoas desprovidas de toda e qualquer magia corresponderia ao 1º ano de universidade, estavam sujeitos à frequência de todas as disciplinas de categoria “Base” , sendo elas História da Magia, Feitiços, Poções, Transfiguração, Herbologia, Faunologia, Astronomia e a tão apreciada Defesa Contra as Artes Negras. Ao transitar para o 6º ano, equivalente ao 2º ano nas universidades muggle, os alunos mantinham as disciplinas de carácter obrigatório, as base, podendo ainda optar, ou não, pelas quantidade de disciplinas de caractér opcional que cada um desejasse de entre as seguintes: Artes Divinatórias, Runas, Aritmância, Muggleologia, Duelos e ainda Cuidados de Criaturas Mágicas. No último ano do MLI, o 7º ano, equivalente ao 3º ano de universidade no mundo normal, os alunos submetiam-se a uma espécie de testes psicotécnicos onde, após elaboração dos mesmo, lhes era dado o resultado das disciplinas para as quais demonstravam mais capacidades e aptidão de entre as várias que haviam leccionado até àquela data. Dado a conduta que o instituto seguia na questão da frequência das disciplinas, a partir do 6º ano cada aluno tinha o seu próprio horário individual, mediante as disciplinas em que ingressava. Existiam ainda períodos destinados a explicações de cada matéria, e que cada aluna frequentava consoante a disponibilidade que continha no seu horário individual.

No que dizia respeito aos professores responsáveis por dirigir as disciplinas existentes no MLI, estes estavam distribuídos da seguinte forma:

Sukur Paramount era responsável pelas disciplinas de Defesa Contra as Artes Negras (D.C.A.) e Duelos; Klaus Stateliche tomava comando das aulas de Poções e Muggleologia, Aurora Suprema leccionava Herbologia; Rodolfo Maximus estava encarregue pela História da Magia; como professora de Artes Divinatórias e Runas tinha-se Jorvina Muleta Negra; para dirigir as aulas de Faunologia e Cuidados de Criaturas Mágicas (C.C.M.) apresentava-se Calidora Ferrero; Ulisses O’Brein era o professor responsável por Feitiços e Encantamentos; em Aritmância tinha-se Sherlok Holmes; em Transfiguração era Narcissia Bloom quem estava encarregue de ensinar a matéria, e por fim, mas não por último, Ícaro Nebulosa com Astronomia.

As semanas passavam-se e não era Bella quem se adaptava à escola, mas sim a escola que se adaptava à jovem. A australiana pouco a pouco, dada a sua personalidade discreta mas simpática e sociável, ia desenvolvendo relacionamentos de conhecimento e interacção, na maioria com alunos da casa a que pertencia, os Wanning Moon, mas também com Charlotte e Amélia, suas colegas de quarto, com que desenvolvia lentamente laços mais afectivos.