Entre Dois Mundos

Capítulo 23 - A Lagoa Azul


A noite caía, a lua, na sua plenitude, mostrava a sua beleza imponente para qualquer um que a pudesse apreciar no seu esplendor.

A lagoa, naquela hora nocturna de fins de Maio, reproduzia um enorme espelho reflectindo o quadro pintado no céu estrelado daquela majestosa noite. Bella contemplava-os a ambos intercaladamente.

Ali estava ela, sentada à beira da lagoa, aninhada nas suas próprias pernas, numa tentativa de se abstrair de todos os pensamentos que lhe invadiam a mente e de todos os múltiplos sentimentos que lhe preenchiam a alma. Mas o estranho é que ao mesmo tempo parecia sentir-se vazia.

Todos aqueles pensamentos, sentimentos e situações ocorridas nos últimos tempos, todos eles em simultâneo, deixavam-na confusa e perdida. Por um lado, era ver as suas fiéis companheiras, ou assim as julgava ela, completamente entranhadas nas suas recentes relações amorosas, ou tentativa delas, onde Charlotte ultimamente só tinha tempo e olhos para Castiel e Amélia parecia não ver mais nada à frente para além de Sam, deixando de um momento para o outro de ter tempo e disponibilidade para ela, não mostrando qualquer sinal de preocupação para com ela, como se a própria nunca tivesse cruzado os seus caminhos. Por outro lado era Dean, com a sua personalidade peculiar, aquele jeito, aquela maneira de ser que a toda a hora chocava com a sua. Ela odiava-o mas, ao mesmo tempo, um outro sentimento completamente oposto se manifestava dentro dela, dia após dia, mas era impensável darem-se bem se nem uma simples conversa de “paragem de autocarro” os dois eram capazes de ter sem resultar em discussão e insultos.

Não tinha ninguém que a ouvisse, ninguém com quem pudesse desabafar, ninguém que lhe desse apenas um simples abraço apertado sem limite de tempo e sem palavras proferidas durante o seu decorrer.

O peito apertava-lhe, doía… Quem lhe dera… O que ela não dava agora para ter junto a si a sua mãe que, apesar do seu jeito especial de ser, ela sim a amava de verdade e incondicionalmente, ela sim jamais a abandonaria independentemente da situação que fosse, bem como o seu querido e adorado pai... Que saudades ela tinha de estar com ele, de pegar no seu querido Larry e sair estrada fora na sua potente mota, nos seus passeios habituais entre pai e filha, visto que partilhavam ambos o mesmo gosto pela aventura, adrenalina e por aquele motor de 2 rodas, gosto esse que deixava a sua mãe sempre de cabelos em pé com medo que algo lhes acontecesse. Por vezes tinham de se escapar às escondidas, não gostavam de a ver sempre tão preocupada pois amavam-na mais que tudo… Oh que saudades de ambos, saudades de os ter ali a aconchegarem-na, de sentir o calor e o carinho de ambos.

As lágrimas rolavam pela sua face, criando uns carreiros que atravessavam as suas maçãs do rosto, dirigindo-se para os vários cantos do queixo, dos quais caíam em direcção às suas pernas. Escondia o rosto no colo por entre os braços. Ouviam-se agora soluços pausados, causados pelo choro fortemente sentido.

A cada soluçar o pendente, que descaía do seu pescoço, balançava lentamente em movimentos de vaivém.

Algo se aproximava sem que Bella se apercebesse. A cada passo demorado que o vulto dava, era um passo que o tornava mais próximo da rapariga, mas não se ouvia qualquer ruído no seu caminhar.

Parou exactamente por trás de Bella e por breves minutos ficou imóvel e silencioso, a observar a rapariga como quem de certa forma a contemplasse. Até ao momento que se agacha, debruçando-se sobre o ombro da jovem.

- Não devias estar aqui sozinha. A uma hora destas é perigoso para uma febra como tu estar aqui entregue à sua sorte. - Sussurrou-lhe ao ouvido uma voz inconfundível.

Bella ergue-se de um pulo e, apressadamente, tenta enxugar os olhos e o rosto molhado, para não dar a entender o seu estado.

- O que é que fazes aqui? - Questiona-o Bella.

- Diz-me antes tu o que fazes aqui a uma hora destas e ainda por cima sem o Rock e a Amiga contigo… Ah, pois é, esqueci-me, elas agora estão sempre demasiado ocupadas com o Alce e o Borboleta. Deixaram de ter uma vagazinha na agenda para a durona do trio.

Era Dean, precisamente a última pessoa que Bella contava em encontrar naquela noite, pelo menos ali, naquele preciso local, ali na Lagoa Azul.

- Mas espera... - continua ele - A durona também chora. Afinal não é assim tão durona como apregoa.

- Tenho-te a dizer que caso não tenhas ainda dado conta também sou um ser humano como qualquer um de vocês… Mas, o que estou eu para aqui a dizer?! Tu… Pelo menos tu, não és nada mais do que uma simples besta.

Bella lançava-lhe um olhar de raiva.

- Uma besta que tu davas tudo para caçar, né fofa?! - Dean olhava-a com um sorriso de troça.

- Deves realmente achar-te a última bolacha do pacote... Mas informo-te que essa por norma vem sempre partida.

- Já andámos a falar melhor oh pirralha mimada. - Dean alterava a sua expressão e o seu tom de voz para algo mais sério e agressivo. - É bom que não te estiques, devias saber que ando sempre prevenido com a minha “menina”. - Colocava a mão no bolso das calças numa forma de alertar a feiticeira para o facto de conter consigo a Colt.

- Pois, claro, esqueci-me que tu só és homem quando estás frente a uma mulher e apenas na condição de estares armado. E muitas das vezes armado, mas em parvo.

- Vê lá se queres que eu te mostre o homem de verdade…. - Retorquia-lhe Dean num tom de aviso.

- Isso é para me meteres medo? Vais fazer o quê? Enfiar-me umas bolinhas de prata nas febras? É assim que lhe gostas de chamar não é? - Bella encarava-o com ar altivo. - Força aí então se és realmente homem. Estás a espera do quê?

- Dúvidas?

- Força! Já começas a ir tarde.

Dean lança-se em investida a Bella, agarrando-lhe com um braço em torno da cintura e com a outra mão sacando da Colt.

Estavam agora frente a frente. Bella sustinha a respiração, mas sem nunca mostrar parte fraca.

O caçador passava o cano da arma pela face ainda ligeiramente húmida da jovem como se a acarinhasse.

- Sabes, a tua sorte é que, além de seres boazona, teres também um rosto bonitinho, são dois pontos a teu favor. - Falava-lhe ele calmamente esboçando um sorriso malicioso.

- Se é para atirares despacha-te a fazê-lo. Não arranjes desculpas para o adiares.

- Achas? E perder a oportunidade de ainda fazer tanta coisa como todo este pedaço de mau caminho?

Bella ergue a mão e num único e rápido movimento, manda uma valente chapada no rosto de Dean, fazendo a cabeça do jovem rodar ligeiramente para o lado.

O rapaz, permanecendo naquela posição, sorri ironicamente massajando com a língua o interior da bochecha que sofrera a agressão.

- Pensas que me comparas com quem?- Questionava-o Bella irritada - Com as oferecidas que costumas encontrar pelo caminho?

- Não, achas fofa? Tu és uma oferecida especial, com direito a tratamento VIP, não te preocupes. - Troçava Dean.

Bella, de tal modo chateada com a resposta, vinca uma joelhada nas partes íntimas do rapaz, que se contorce ligeiramente, exprimindo um ar de dor, agonia e sofrimento, tentando ao mesmo tempo conter-se para não dar parte fraca. Dean engole em seco, tentando recompor-se e controlar-se para não partir para a agressão com a jovem.

- Como te disse, és uma oferecida especial, por isso eu perdoou-te esta, vá. Mas para tal tens de me compensar, claro.

Bella lança-lhe um olhar e esguelha.

- Podes esquecer, além de não ser oferecida, e é bom que não o voltes a referir, também não estou desesperada, muito menos com um qualquer como tu.

- Tens a certeza? Olha que não é o que se tem visto. Mas não te preocupes, não são esses tipos de pagamento, pelo menos para já. - Ergue novamente a Colt, mas desta vez dirigindo-se para o colar que continha o pendente no pescoço da feiticeira, entrelaçando a ponta da arma no fio de couro que o segurava. - Este pendente aqui… É interessante… Onde o encontraste?

- Sabes muito bem da história... Certamente já te a devem ter contado. Mas é uma recordação e herança familiar, porquê?

- Ai sim, pode-se saber de quem?

- Isso é algo que não te diz respeito.

- Hmm, estou a ver. Minha amiga - faz uma breve pausa, admirando mais pormenorizadamente o objecto - Para compensar todas as tuas agressões, todos os danos causados, bem como para não ter de colocar no teu lindo rosto umas balas desta pequena menina, vais-me dar muito educadamente este colar.

- Fora de questão. - Responde-lhe prontamente Bella num tom de grande convicção.

- A escolha é tua, vou-te dar a hipótese de pensares mais uma vez. Se fosse a ti pensava muito bem.

- A minha resposta mantêm-se. Já agora, só por curiosidade, porquê tanto interesse nele?

Dean solta uma gargalhada ao constatar que a jovem realmente não fazia a mais pequena ideia do verdadeiro significado do objecto que tinha em sua posse tal como Sam lhes havia relatado anteriormente.

- Eu não acredito! Tu não fazes ideia do que aí tens pois não?!

A rapariga limita-se a olhar para ele aguardando uma explicação.

- Pois, já vi que não. - Prossegue Dean. - Para tua informação minha grande burra, isto aqui é simplesmente um dos dois objectos mais procurados, tanto por caçadores como por vampiros e mais propriamente pelo rei do inferno. Isto que aqui tens, juntamente com o mapa, nas mãos deles pode arrasar por completo com a raça humana, seja mago como tu ou não. Por outro lado, nas mãos correctas, tornam-se uma arma invencível, com poderes inimaginários para acabar com todos aqueles estafermos.

- Mapa? Qual mapa? Do que está tu para aí a falar?

- Pfff, e ainda se diz ela caçadora… Isso agora não interessa. Dá-me o pendente e eu deixo-te ir em liberdade levando essa carinha laroca intacta.

- Agora tudo começa a fazer sentido… - Raciocinava Bella em voz alta - Toda aquela vossa aproximação, todo aquele vosso interesse em cada uma de nós as três, toda aquela amizade…

- Falsa. - Interrompe-a Dean - Amizade falsa, interesse falso, preocupação falsa, cooperação falsa, convivências falsas, blá blá blá… Sim foi tudo única e exclusivamente com a intenção de nos aproximarmos de ti, mais propriamente do pendente. Era a nossa única hipótese, e vocês caíram que nem umas patinhas… Tsshhh… Tadinhas, tão inocentes, tão burras...

Bella sentia uma onda de raiva percorrer-lhe todo o corpo.

- Larga-me, tira as mãos de cima de mim e é já! E vai tirando o cavalinho da chuva que eu só saio daqui com ele comigo.

- A escolha foi tua fofa.

E apontando-lhe a arma contra as fontes, o dedo aproxima-se do gatilho preparando-se para o premir. Todas aquelas suas reacções estavam a ser geradas pelos encantamentos que Adele lhe vinha lançando desde a noite em que o rapaz a abordara no Bar Fonte da Pipa. Tudo começara aí e prosseguira gradualmente a cada vez que os jovens se encontravam foram dos recintos do MLI, onde Adele aproveitava para intensificar os efeitos dos feitiços, daí a atracção e desejo do jovem repentino pela feiticeira dos Lua Nova e a agressividade cada vez mais intensa com Bella.

Eis que por entre os arbustos ecoa uma voz forte.

- Larga-a! Não a ouviste?! Larga-a JÁ!!

Dean olhava em redor apercebendo-se de uma figura masculina a aproximar-se de ambos.

- E és tu quem me vai obrigar, não? - Perguntava o caçador para o homem que se encontrava agora à sua frente.

- Duvidas?... Stupefy!

Dean caía instantaneamente e inconsciente aos pés de Bella após o feitiço evocado.

- Bella estás bem? Ele magoou-te?

Era Sukru que se chegava junto da amiga e a observava minuciosamente, verificando se esta possuía algum tipo de ferimento. Bella sorria-lhe enternecida.

- Sim, sim, estou óptima. - Confirmava-lhe a jovem por entre um sorriso meigo. - Ele não chegou a ter tempo de me “tocar”, já ele não se pode gabar do mesmo. Mas, como sabias? Como vieste aqui parar?

- Sabes, os “amigos” da tia Theresa por vezes têm a mania de nos fazer umas visitas a pedido dela.

Bella solta uma risada envergonhada, lembrando carinhosamente da mãe e do dom que esta possuía de falar com os espíritos, dom o qual Bella também herdara.

- Ai a minha mãe e os seus truques manhosos… Obrigada Sukru, muito obrigada.

Bella abraçava fortemente o professor encostando o seu rosto no peito deste.

- E por acaso isto é para agradecer? Eu é que terei de agradecer à tia Caputo por me enviar até aqui e poder impedir que algo te acontecesse…-Sukru retribuía-lhe o abraço de forma bastante afectuosa. - Bem, acho que o melhor é regressarmos ao instituto antes que este aqui - Apontando para Dean com o olhar. - Se lembre de acordar.

- Sim, tens razão. É melhor evitar mais confusões.

- Mas antes, uma pequena precaução - E apontando uma vez mais a sua varinha para Dean - Obliviate!

- Porquê Sukru?

- É melhor Bella, vamos fazer de conta que nada se passou, que esta noite não existiu. - Explicava-lhe Sukru calmamente. - É o mais seguro para todos.

Bella acena em modo de confirmação.

- Vá, anda. - O professor colocava o seu braço envolto no da aluna. - Vamos, já é tarde, é melhor sairmos daqui. Precisas ir descansar.

E dando meia volta, os dois seguem a passos largos em direcção ao MLI, deixando para trás o caçador inconsciente estendido no meio do chão húmido.