Depois da conversa nada agradável que tive com a Eva decido por fim eu meu plantão, a Evie tinha razão quando disse que a mulher era desagradável ela conseguiu me tirar a paciência em menos de dez minutos de conversa, uma proeza e tanta levando em conta que eu sou uma pessoa calma. Já vivi várias experiências onde tive de dar uma notícia ruim a familiares e com isso já lidei com várias reações diferentes, negação, medo e desespero eram as mais comuns e a tal de Eva conseguia apresentar todos eles e ainda acrescentar uma arrogância fora do comum e isso foi o que mais me irritou, eu reconhecia o seu medo por ver a filha em tal situação ela tinha todo e qualquer direito de entrar em desespero, mas querer exigir alguma coisa e falar da forma como ela falou como se fosse dona do mundo isso com certeza eu não iria tolerar.

Após preencher algumas papeladas de praxe novamente fui checar os sinais vitais da minha paciente em coma, eu tinha mais pacientes sobe a minha supervisão, mas não conseguia entender aquela necessidade que sentia em perceber uma melhora nesta paciente em questão, era algo involuntário, quando me dava por conta já estava ao lado de seu leito colhendo as informações que os monitores me davam e depois me via observando o seu rosto desejoso de que abrisse os seus olhos, para que talvez eu pudesse entender o porque desse magnetismo.

Quando chego ao meu apartamento a primeira coisa que quero é um banho e de preferência aqueles bem demorados, eu estava precisando daquilo depois das últimas horas, tomar banho em casa era mil vezes melhor do que toma-lo no hospital e só depois de sentir que a minha musculatura estava relaxando em baixo da água quente é que eu deixei o banheiro... Tinha a intenção de comer alguma coisa, porem ao sair do banheiro e olhar a minha cama desisti de tudo me joguei sem me importar em vestir uma roupa me deitei com a toalha ainda enrolada abaixo do meu quadril e me entreguei ao sono.

Dormi por quase onze horas seguidas e me surpreendi ao olhar no relógio ao acordar não dormia assim nem nos meus tempos de estudante, e novamente me vi concordando com a Vivinha eu estava exigindo muito de mim e o meu corpo começava a me cobrar. Ainda sentado em minha cama sem se importar com a toalha solta sobre as minhas pernas tentei puxar a memória o que foi que me acordou, foi aí que me lembrei do meu último sonho.

Eu me vi em um campo cercado pelo gramado mais verde e mais bonito que eu já vi na vida isso sem falar naquelas flores do campo presentes em cada canto que eu olhava, não conhecia o lugar e olhava tudo com curiosidade até que a minha atenção se desviou para uma mulher que andava descalça a poucos metros de mim, estava vestindo um vestido branco solto e longo que deixavam a amostra os seus tornozelos, ela parecia feliz naquele lugar se agachava a cada pouco e sem arrancar nenhuma flor fazia de suas mãos pequenas conchas segurando um punhado delas trazia o seu nariz de encontro as flores e parecia absorver o seu perfume.

Eu não consegui desviar o olho daquela imagem e a mulher parecia saber que estava sendo observada, mas não fazia qualquer contato, pelo contrário ela queria evitá-lo, de início pensei que ela estava ofendida por eu estar a observando em um momento que parecia tão íntimo, mas depois descartei a hipótese, ela sabia da minha presença e não fazia menção de se afastar. Eu não poderia negar estava mais do que atraído por ela, a princípio achei que fosse a minha Denise, pois apenas ela mexia comigo dessa forma, mas não era ela, o seu cabelo, o corpo e até a forma de andar estava diferente, mas então quem era a tal mulher? E o que estava fazendo naquele campo eram perguntas sem resposta para mim e quando a desconhecida começou a andar eu não hesitei e comecei a segui-la, não sabia onde ela estava me levando e nem o motivo, mas me vi tentado a descobrir, como se estivesse sobe algum encanto e não conseguisse quebrar o magnetismo eu queria me aproximar quem sabe assim eu conseguiria ver o seu rosto e desvendar o mistério... Foi quando ela parou para encarar o lago que eu consegui alcançá-la e então estiquei a minha mão para tocar em seu ombro e fazê-la virar na minha direção e foi nessa hora que eu acordei.

Incapaz de voltar ao sonho me levantei e após me vestir fui para a cozinha preparar algo para comer. Fiz um sanduíche rápido e quando comecei a comer pensei em minha paciente em coma, já havia passado as primeiras 48 horas do pôs cirúrgico e como não ouve mudanças em seu quadro me vi na obrigação de reunir a sua família, tinha que alerta-los da necessidade de entrar com o uso de medicação para forçar um despertar não natural e se isso não acontecesse seria necessário anunciar o coma profundo. Ao pensar em tal hipótese larguei a outra metade do sanduíche no prato, seria incapaz de comer.

Era nessas horas que eu odiava a minha profissão, eu odiava ficar de mãos atadas esperando pela interferência divina, não que desacreditasse no poder superior, eu acreditava em Deus, mas já não acreditava que coisas ruins não acontece a pessoas boas eu simplesmente não gostava de ficar esperando por um milagre, o milagre as vezes não aparecia, o milagre não chegou para a minha Denise.

Depois de jogar os restos do meu lanche no lixo e limpar a cozinha eu sai de casa e fui para a ONG precisava ver como estavam as minhas crianças, diferente do que a Celina e a Vivinha pensavam eu não via aquilo como um trabalho as horas que eu passava cercado pelas crianças me revigoravam a alma, me dava forças para eu enfrentar um novo dia. Fui recebido com carinho e respeitos pelos funcionários e após entrar no escritório da ONG para tentar resolver alguma pendência burocrática me vi desistindo pouco tempo depois e indo lá para o jardim e acompanhar de perto algumas terapias que eram aplicadas ao ar livre, sabia que tinha muitas coisas a serem resolvidas lá dentro e mais uma vez me vi pensando na necessidade de contratar uma pessoa para me ajudar, não era um serviço muito longo e não exigia muito e meio expediente seria mais do que necessários para me livrar dessa carga e me permitir voltar a parte prática que era a que mais me agradava, eu queria estar junto das crianças, ver a sua evolução a cada nova técnica empregada, ver o rosto satisfeito da mãe com o progresso do filho e o sorriso no rostinho da criança a cada barreira avançada e ultrapassada.

Depois de passar algum tempo na ONG descido não voltar para o meu apartamento logo de cara e então vou ao supermercado, como a Vivinha e a Celinha viviam repetindo eu estava negligenciando a minha vida e eu tinha que concordar que elas estavam certas na maioria das vezes, como agora, a simples tarefa se fazer compras me incomodava e era por isso que eu não vinha fazendo compras ultimamente e quando a situação da minha geladeira ficava alarmante eu acabava deixando um bilhete para a dona Josefa com uma lista lhe pedindo para que comprasse. É claro que isso não era função da minha diarista e não sei como ela ainda não pediu as contas, eu venho sendo um patrão difícil nos últimos meses.

Agora andando por esses corredores me pergunto se não teria sido mais fácil fazer uma nova lista. Procurei ir em um supermercado diferente do que eu costumava ir com a Denise para fazer as nossas compras mensais, mas aparentemente não ajudou muito, mercado é tudo igual. Foco a minha mente na minha geladeira praticamente vazia e prossigo com as compras me recriminando por encontrar dificuldade em uma tarefa tão simples como essa.

Quando já estava próximo de escurecer eu pego a minha bike e deixo o meu prédio, se era para "seguir com a minha vida", porque não começar voltando a fazer uma coisa que eu adoro. Apesar de preferir a manhã para pedalar, não vou dizer que a prática não é agradável junto ao por do sol. Sempre gostei dessa atividade, desde os meus tempos de solteiro eu pedalo, além de ser um passatempo ótimo para reflexão eu exercito o meu corpo e aprecio a vista, mas o que mais gosto nisso tudo é a sensação de liberdade que essa prática da, gosto de sentir o vento no rosto enquanto pedalo e me perco em meus pensamentos.

Quando volto para o meu apartamento já chego assaltando a fruteira, recentemente abastecida e depois vou direto para o chuveiro, mais uma vez me permito um bom tempo debaixo da água parado apenas recebendo aquele jorro de águas quentes para só depois começar a me mexer e tomar um banho de verdade.

Quando vou para minha cama sinto os meus músculos protestando, já tinha desacostumado a atividade física e acabei pegando pesado no meu retorno, com certeza meus músculos não iriam deixar-me esquecer disso amanhã quando eu iniciar o meu plantão. Antes de emergir no sono a imagem da minha paciente em coma me vem em mente, não sei se era um lembrete do que teria de enfrentar amanhã quando fosse contar a família de que o seu estado talvez não se altere ou o que era, mas estava começando a me preocupar com a frequência constante dessa moça em meus pensamentos.