Encontros

Capítulo 9 - Divindade interior


– NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!

O grito do caçador ecoou por toda a casa. John tentou ser o mais rápido que podia, mas não conseguiu alcançar a mão da herdeira que despencou da escada quase inconsciente; ele a viu caída e em um segundo desceu os degraus em seu socorro.

Verônica ouviu os gritos e veio correndo; quase atropelou Diana, que estava no topo observando e se divertindo ao ver o total desespero do caçador.

– Oh meu Deus! O que aconteceu? Marguerite... Roxton?

Com a respiração pesada as palavras quase não saíram: - Ela... Ela caiu da escada... MALDIÇÃO! PRECISAMOS DO CHALLENGER!

Marguerite despertou e começou a sentir dores muito fortes, as lágrimas rolaram sem controle e por um momento não havia mais nenhum som ou dor, o tempo parou. E ali, deitada no chão frio, ela sentiu que a vida do bebê estava em risco; então, a escuridão a abraçou novamente.

– Marguerite, meu amor, você vai ficar bem. Eu não vou deixar o nosso filho morrer.... - "meu Deus, por favor...não os tirem de mim”, pedia o caçador em silêncio.

– John, pegue-a e com muito cuidado vamos levá-la para o quarto...

Ele a tomou no colo como se a bela morena em seus braços fosse o cristal mais delicado do mundo. Verônica correu para o andar de cima para pegar água e algumas ervas que seriam necessárias na tentativa de combater uma possível hemorragia a tempo.

John a deitou na cama; Marguerite estava ali perdendo o bebê diante de seus olhos e o imponente caçador se sentiu totalmente inútil. Tomado pela angústia e o desespero por não saber o que fazer para salvar o seu filho, a dor o dilacerava por dentro como uma fera selvagem faminta por cada pedaço de sua alma. Mas ele precisava reagir antes que que fosse tarde demais.

Verônica chegou com a bacia com água e os remédios.

–Vamos, Roxton, me ajude a tirar a roupa dela, precisamos examiná-la.

– Sim...sim.

Marguerite estava com um corte profundo na testa e continuava inconsciente, mas o seu rosto estava com semblante sereno, parecia que a herdeira estava apenas dormindo. Verônica examinou e não havia nenhum sangramento.

– Oh, graças a Deus ainda não há hemorragia.

Porém, ao tocar a barriga delgada da morena, Marguerite manifestou estar dor e seu gemido abafado apavorou Roxton, deixando-o descontrolado.

– Verônica, o que vamos fazer? O MEU FILHO ESTÁ MORRENDO! Meu Deus, não... Não.

Verônica não sabia o que dizer; ela tinha que pensar e agir rápido... Mas o que fazer?

......

Deitado, cochilando na cama de Malone, Harrison estava estava totalmente alheio a situação, como sempre, e tomou um susto ao ouvir a entrada brusca de sua irmã ardilosa. Com um sorriso triunfante, Diana estava reluzente de felicidade pelo ocorrido.

– Ótimas notícias, meu querido irmão!

– O que? Você me assustou! E porque não bateu na porta antes de entrar? Eu poderia estar sem roupas.

– Me poupe do seu falso moralismo.

– Pois então me diga logo o que você quer. O que aconteceu pra você estar tão feliz?

– O maldito bastardo já não é mais um obstáculo! Aquela imbecil caiu da escada; com certeza vai perder o bebê e, se tivemos sorte, tomara que ela morra também. Isso seria perfeito!

– Meu Deus, Diana, você a derrubou da escada?

– Infelizmente não; ela caiu sozinha. Mas eu teria tido o maior prazer em empurrá-la eu mesma.

.....

– Verônica, o que vamos fazer? Eu não deveria ter deixado o Challenger ir...

– Eu não sei ao certo... Lembro apenas de algumas coisas que meu pai mencionou em uma situação semelhante. É melhor que eu fique cuidando dela e você vai correndo para a aldeia Zanga; precisamos do xamã.

Roxton não queria deixar Marguerite, mas concordou em ir. Verônica sabia o que fazer mais do que ele.

– Eu te amo; vocês vão ficar bem, meu amor, eu juro. – prometeu dando um beijo na testa de sua amada.

Ele olhou para Verônica, que estava cuidando do ferimento na cabeça de Marguerite, e falou com total convicção:

– Eu vou correr e trazer o xamã nem que seja a força. Cuide dela.

– Cuidarei. Agora vá, depressa!

Ele deu uma última olhada no rosto pálido e sereno da herdeira e saiu do quarto. Do lado de fora deu de cara com os Connelly. Diana usou todo o seu talento para atuar e tentou bancar a preocupada; Harrison estava um tanto nervoso, mas não estava gostando nada da situação.

– John, como ela está? Eu fui chamar o Harrison. Vamos ajudar Verônica a cuidar dela, não se preocupe, querido. – disse a mulher, dissimulada.

O ódio do caçador estava estampado em seus olhos. Ele saiu correndo sem falar uma palavra com eles, não havia tempo para isso; então, pegou seu chapéu e rifle e entrou no elevador em busca do xamã Zanga.

........

Verônica expulsou os Connelly do quarto como se fossem cães, de algum modo a loira desconfiava que essa trágica situação tinha o dedo de Diana.

A jovem estava cuidando de Marguerite com muita devoção. A herdeira estava piorando e começou a arder em febre e, de repente, algo anormal aconteceu: ventos fortes começaram a invadir o quarto. Verônica lutava para conseguir fechar a janela e, quando finalmente conseguiu, um som chamou sua atenção. Ela se aproximou da herdeira e baixou a cabeça até perto dos lábios dela, pois percebeu que Marguerite estava falando muito baixo em uma língua estranha que não se parecia com nenhuma outra usada pelas tribos que a jovem conhecia; mas depois de refletir um pouco Verônica apenas pensou que se tratava de um delírio devido à febre.

Ao mesmo tempo, na aldeia Zanga, algo muito estranho também estava acontecendo: ventos fortes sacudiam a cabana do xamã, todos os moradores do lugar ficaram em volta observando com preocupação e, para o aumentar ainda mais o medo de todos, um grande raio cortou o céu como uma espada afiada; o chão tremeu com seu impacto sobre a terra e antes que todos corressem o xamã abriu a porta e saiu caminhando sem dar explicações. Ao chegar à floresta, Assai o alcançou e perguntou, com desespero em sua voz, aonde ele estava indo; o enigmático homem parou, encarou a jovem futura líder e respondeu em sua língua nativa:

– Estou sendo conduzido por forças que você não poderá entender. Essa é a vontade dos espíritos dos deuses antigos que aqui nos cercam e onde quer que eles me levem eu irei cumprir a missão.

Sem entender direito o que acabara de ouvir, Assai ficou ali parada observando a partida do xamã.

...

Roxton, tomado pela adrenalina e desespero, corria tão depressa que mal conseguia respirar. A aldeia ficava a poucas horas de distância da casa da árvore. Um barulho entre os arbustos chamou sua atenção e ele logo apontou o rifle.

"Raptors". O experiente caçador se manteve atento a qualquer sinal de ataque. Bastou dar dois passos para trás e um raptor faminto saltou em sua direção. O desespero que afligia o nobre não estava ajudando na mira e ele acabou errando o primeiro tiro. O réptil abriu a boca mostrando todos os dentes afiados e avançou; felizmente o segundo tiro foi certeiro e John seguiu o mais depressa possível rumo aldeia Zanga.

Uma hora sem trégua nem para beber água e, quase já sem fôlego, Roxton parou novamente ao ouvir algo se aproximando; direcionou o rifle, mas, para sua sorte, foi o xamã quem surgiu dentre os arbustos. O caçador ficou atônito olhando para o homem como se ele tivesse sido enviado do céu.

O xamã simplesmente continuou sua jornada sem se importar com o nobre. John o agarrou pelo braço e disse:

– Você precisa vir comigo!

Os ventos atravessaram os dois homens e o xamã entendeu que deveria seguir o caçador. E assim ele fez.

.....

Na casa da árvore...

Diana estava bebendo uma taça de vinho, sonhando com a morte da herdeira. Já Harrison caminhava de um lado para o outro, consumido pela culpa; e, para o total desagrado de sua irmã, ele saiu tomado por um impulso e foi para o quarto onde Marguerite estava. O homem ficou comovido ao ver Verônica cuidando da amiga e pedindo para que ela se mantivesse forte e que tudo ficaria bem.

– Verônica, eu... Eu quero ajudar. Apenas me diga o que tenho que fazer?

A loira sentiu raiva ao ouvir a voz dele, mas quando ela se virou para expulsá-lo novamente, o encarou e mudou de idéia, pois pôde ver e sentir que Harrison estava realmente preocupado e queria ajudar. Então, a loira respirou fundo e pediu que ele fosse buscar água fria para tentar baixar a febre repentina de Marguerite. Ele pegou a bacia e foi correndo fazer o que lhe foi pedido.

Ao subir as escadas, Diana estava o esperando com os braços cruzados e com uma cara de dar medo. Harrison passou com a cabeça baixa pelo olhar silencioso dela e foi direto pegar a água. Com a bacia cheia ele tentou voltar para o quarto, mas Diana bloqueou a passagem.

– O que você pensa que está fazendo, seu grande imbecil?

– Saia da frente Diana...

– Então você vai me trair depois te tudo o que me fez passar? Depois de tudo o que eu fiz pra nos manter a salvos? Você vai ajudar aquela vadia que é o único obstáculo para nossa ascensão à nobreza?

– Eu não estou te traindo, Diana, mas não posso ficar aqui parado. Isso é errado! Me desculpe, mas eu não sou como você.

Ele passou por ela e desceu as escadas. Diana ficou ali parada respirando pesadamente; sua raiva era tão grande que uma lágrima ácida escapou percorrendo o belo rosto da dissimulada.

.....

Marguerite começou a se debater delirando de febre. Harrison ajudou a segurá-la enquanto Verônica molhava alguns panos com a água fria e colocava por cima do corpo da herdeira para tentar baixar a temperatura.

Finalmente, Roxton avistou a casa da árvore e ele e o xamã correram o mais rápido que podiam.

Algum tempo depois, Diana ouviu o barulho do elevador subindo e imaginou que pudesse ser o Roxton retornando; ela ficou supresa por ele ter sido tão rápido. "Nossa que rápido, já estou até com pena de você meu amor".

O elevador chegou e eles passaram apressados por Diana que ficou sem entender a presença daquele estranho nativo do platô. Ambos seguiram sem perda de tempo para o quarto da herdeira; o coração de Roxton apertou ao abrir a porta e ver o estado de Marguerite, ele correu para o lado dela e Harrison se afastou.

– Eu voltei, meu amor, você vai ficar bem. Eu te amo. Verônica, o que ela está dizendo? Ela está queimando em febre.

– Eu não sei, ela está delirando e falando em outras línguas.

Roxton olhou para o nativo e suplicou por ajuda.

– Faça alguma coisa, por favor...

Antes que ele pudesse terminar o apelo, o xamã levantou a mão e pediu, em língua zanga, para que todos saíssem do quarto. Apenas Verônica entendeu e traduziu para os demais presentes no quarto. John se recusou e o xamã falou novamente. Verônica sabia o quanto era difícil para Roxton sair do lado de sua amada, mas tentou convencê-lo.

– Vamos, Roxton, precisamos sair; ele sabe o que fazer. Não podemos perder mais tempo, ela vai perder o bebê, é isso o que você quer?

– É CLARO QUE NÃO, MAS EU NÃO VOU SAIR DE PERTO DELA E DO MEU FILHO!

O xamã se aproximou do caçador e disse que ele precisava sair, pois havia forças agindo naquele exato momento que iam muito além de sua própria compreensão. Os olhos do velho homem eram como espelhos negros, John sentiu algo que não pôde explicar a si mesmo e, por um instante, o seu coração acelerado se afogando em meio a dor e a angústia brevemente se acalmou. Então, ele se agarrou a esperança e pôs toda a sua fé na sabedoria do xamã. Tudo o que pode fazer foi olhar para Marguerite e dizer em um fio de voz:

– Eu te amo. Por favor, não me deixe.

Verônica pegou a mão do amigo e o levou em direção à saída do quarto.

As palavras do caçador surtiram efeito de alguma maneira. O xamã se aproximou da bela mulher pálida deitada na cama e levou a mão calejada ao rosto delicado limpando uma lágrima que desceu junto a um suspiro pesado. Aquele velho homem de conhecimentos místicos que a ciência nunca poderia explicar enxergava muito além do que os exploradores podiam ver: Marguerite emanava energia que cobria todo o seu corpo como um manto dourado de pura energia vital.

O xamã trouxe consigo alguns objetos, entre eles as pedras sagradas que eram semelhantes a pedra da lua. Os zangas acreditavam no poder das pedras para conexão com o mundo dos espíritos dos deuses antigos.

Em algum plano misterioso...

– Marguerite? Marguerite? Acorde, querida.

Preguiçosamente, Marguerite abriu os olhos. Ela estava se sentindo tão bem, deitada em uma grande cama de madeira toda entalhada e forrada por lençóis de seda.

Por um instante ela não quis atender aos chamados; até que ouviu o choro de um bebê. Seus olhos se arregalaram, então, ela se virou e viu uma mulher sentada em uma cadeira segurando um lindo bebê.

.........

O xamã começou a preparar um ritual de cura com uma mistura de plantas e ervas; se aproximou de Marguerite e desenhou em sua testa um triângulo com uma espiral no meio. Ele segurou as mãos dela junto das pedras e, em voz baixa, falava repetidamente uma prece em um dialeto tão antigo, que apenas alguém com o dom de Marguerite poderia entender.

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A herdeira não tirava os olhos do bebê, que parou de chorar e sorriu para ela. Marguerite ficou encantada e devolveu o mais terno sorriso. A vontade de segura-lo crescia a cada segundo, até que ela despertou desse transe ao ouvir a voz da mulher novamente.

– Marguerite, você está se sentindo bem?

– Sim. Onde eu estou?

– Você está segura, não se preocupe com nada. Apenas descanse.

Marguerite a encarou sem entender nada e se sentiu muito confusa. A bela mulher de voz serena aparentava ter seus 45 anos, usava uma túnica branca bordada em fios de ouro, cabelos levemente grisalhos bem presos, os olhos eram tão azuis que pareciam brilhar.

– Eu não estou entendendo... Não me lembro do que aconteceu. Eu... Eu...

Um calafrio subiu perpassou pelo corpo da herdeira, seus olhos se arregalaram com o susto da lembrança do havia acontecido. Marguerite abraçou bruscamente a barriga lisa e seus lábios começaram a tremer; o medo e uma sensação de vazio tomaram conta dela. Com a voz embargada e as mãos trêmulas, Marguerite olhou para a mulher, com olhos transbordando em lágrimas.

– Meu bebê... Eu não sinto o meu filho...