"Só queria parar de pensar em tudo o que está acontecendo, e não estar ali naquele momento."
Eu realmente fiz isso?!
Ta. Eu realmente fiz isso.
Mas, não. Não é possível que uma ideia como essa veio em minha cabeça.
Por que eu sinto a necessidade de repetir?
Não. Eu não posso nutrir esse tipo de sentimento ou pensamento. Eu não posso querer essas coisas.
Eu tenho que abrir meus olhos e acordar para a realidade. Realidade essa em que eu não beijo garotos. Realidade essa em que eu não beijo ninguém!
Ainda sentia meus dedos enroscados nos fios de cabelo castanho e, como conseguem ser tão macios?
Sua respiração está caindo em meu rosto me causando cócegas e arrepio ao mesmo tempo. Ela é fria, assim como sua língua.
Suas mãos ainda seguram minha cintura com firmeza, e nossos corpos continuavam colados.
Não consigo abrir os olhos. Tenho medo de quando encarar seu rosto e suas pupilas azuis, a vontade volte, e eu o beije novamente.
E para falar a verdade, é o que eu quero naquele momento.
Sem saber exatamente o que estou fazendo, e completamente fora de minha consciência, eu me aproximo de seus lábios de novo.
Já posso sentí-los triscar nos meus.
Aperto mais seus fios entre meus dedos, e o beijo.
Cara, saber o que eu estou fazendo, eu não sabia. Eu só sabia que era aquilo que eu queria para mim naquele instante.
Eu sei que à partir do momento em que eu focar no que eu fiz, eu vou ficar com muito remorso, e vou prometer nunca mais fazer o mesmo na vida. Então, por que não aproveitar o agora e esquecer de pensar?
Eu juro que não irei repetir.
–Hiccup?- escuto a voz de minha mãe, num grito.
Lógico que eu sei o motivo. Foi porque eu não a respondi da primeira vez.
Rodei os olhos, virando um pouco para trás.
–Já estamos descendo!- grito de volta, e então novamente estou de frente para Jack.
Encaro sua boca, puxando seu rosto para o meu.
Só selinhos.
Selinhos satisfatórios.
Mas, depois de um tempo, aquilo não pareceu o suficiente.
Intensificamos nosso ato na mesma hora.
Quando pensei em passar minha língua em sua boca, ele também o fez.
O beijo de Jack era bastante intenso, o que tornava difícil me acostumar com o seu ritmo. Mas era bom. Bom até demais.
Senti suas mãos me aproximarem mais dele, e suas pernas me contornando levemente.
Gemi, sentindo um sensação estranha em meu estômago e mais em baixo.
Mas eu não ligava para aquilo no momento.
As sensações que um simples beijo estava me causando, eram inusitadas. Eram inexplicáveis demais.
Ele apertou minha cintura, assim que ficamos sem ar.
Me abaixo um pouco, passando minha mão por uma de suas coxas, apertando de leve.
Beijo seu queixo, descendo mais os beijos para o seu pescoço.
É quando eu escuto o seu grunhido em meu ouvido, que percebo o que estou fazendo.
Arregalo os olhos, me afastando um pouco da pele extremamente branca.
Tudo bem que eu ia aproveitar o momento, para fazer o que eu queria, mas... Aquilo estava indo longe demais.
Olha só aonde estamos.
Jack neste exato momento, tem suas pernas ao redor de mim, enquanto eu estou acariciando sua coxa interna!
Pelos deuses...
Me afasto mais dele, olhando primeiramente para o colarinho de sua camisa. Então, crio coragem para levantar minha atenção até seus olhos.
Sorrio, suspirando por alguns segundos.
–Desculpe, era para ter sido só um.- digo sussurrando.
Quer dizer, não era para ter sido só um. Tinha que ser nenhum.
Sério, qual é o meu problema?
Eu consigo estragar com tudo.
Como é que ficará minha amizade com Jack?
Espero que não fique muito estranho entre nós dois.
Ele sorri largo e confortador, enquanto sinto o aperto fraco em minha cintura.
–Não tem problema.- diz sussurrando.
E parece realmente não ter, mas ainda me sinto hesitante quanto ao fato de como poderei olhá-lo depois disso.
Eu sou um idiota por ter esse tipo de ideia, e querer realizá-la logo com Jack.
Olho para a sua boca uma última vez, logo desviando para não ter a tentação de beijá-lo novamente.
A posição onde estávamos era tão confortável, e nem é levando para o lado malicioso. É só o fato de ter Jack perto de mim que torna a posição confortável.
E eu realmente não queria sair dali, mas...
Mordi meu lábio inferior, e apertei sua coxa, indicando querer me afastar.
Ele sorriu, e tirou suas pernas ao redor de mim.
Saí de perto dele, dando passos para trás.
Colei meus braços com o meu corpo, olhando para o moreno.
Ele sorriu, saindo da janela, e ficando em pé.
Limpei a garganta, desviando meu olhar para o chão.
Sabia que ia ficar estranho, e a culpa é minha. Pra variar.
Rodei os olhos mentalmente, olhando para Jack novamente.
Sorri forçado.
–Vamos?- pergunto.
–Pensei que você nunca ia dizer isso. Estou morrendo de fome.- sorriu divertido.
Bom, ele está agindo normalmente, o que é realmente muito bom.
Hora de fazer a mesma coisa.
–Que exagero.- resmungo, rodando os olhos.
–Confia em mim, não é exagero.- respondeu sorrindo de lado.
Suspirei, fechando os olhos por alguns segundos.
Minha cabeça estava a mil, e não sabia o que pensar. Não sabia mesmo.
"Então só pare de pensar, Hiccup."
É uma boa ideia, mas não sei se conseguirei realmente.
Ele arqueou as sobrancelhas, me fazendo parar de pensar em parar de pensar. Isso ficou confuso, mas é isso aí.
–Oh.- me toquei.- Você primeiro.
Saí do caminho, esperando o outro passar.
Ele sorriu, começando a andar.
Só quebrou o contato visual, quando passou por mim.
Suspiro de novo, passando a mão pelo rosto.
Eu não deveria tê-lo convidado...
Sigo o moreno, fechando a porta atrás de mim.
Ando pelo corredor, olhando meus pés, logo chegando à escada marrom.
Desço no encalço de Jack.
O cheiro do jantar está bom, me fazendo esquecer por um segundo que sou um completo idiota.
Sorrio, puxando o ar mais fortemente.
–O cheiro está ótimo, Hiccop.- Jack se vira por alguns segundos, falando num sussurro.
Acho que ele nunca me chamará pelo meu nome certo.
–Concordo.- digo sorrindo mais abertamente.
Chegamos ao primeiro, e Jack parou, esperando que eu passasse.
Andei até a cozinha, sentindo o cheiro gostoso se intensificar.
–Desculpem o atraso. Nós estávamos...- juro que nem pensei direito quando falei a segunda parte, mas eu sabia que minha mãe pediria por explicações. Então, saiu no automático.
Eu não conseguiria terminar a frase, até porque não sei inventar desculpas, ou mentir para minha mãe.
–Ocupados.- escutei a voz de Jack, me deixando aliviado, pois a mulher já me encarava, esperando mesmo uma resposta vinda de mim.
Tecnicamente, o moreno não mentiu. Nós estávamos ocupados.
–É isso aí.- falo.
Sento numa cadeira, perto da mulher, chamando o moreno para fazer o mesmo.
Ele logo se senta ao meu lado.
Está na mesa, eu do lado direito de mamãe, seu amigo de frente comigo, e Jack ao meu lado.
A comida está posta ali sem muito interesse, já que não estamos muito preocupados com ela.
Na verdade, não sei com que estamos preocupados.
O homem grande, tem um sorriso no rosto e me observa de vez em quando.
Mamãe bate suas unhas na mesa sem parar. Parece estar agoniada ou até ansiosa.
Jack tem suas mãos juntas em cima da madeira da mesa. Não olha para nenhum lugar específico.
Está tudo da mesma forma, até que o homem inicia uma conversa animada com a mulher ao meu lado.
Parece que eles se conhecem faz um tempão. Um tempão mesmo.
Sem muito para o que fazer, apenas começo a me servir.
Na verdade, o prato que eu antes estava colocando a comida, dei para Jack. Então, agora estou servindo a minha.
Eles contam piadas, falam sobre como se conheceram, suas infâncias e juventudes. Até que o rumo da conversa vai para:
–E então, Hiccup?- fala, antes de colocar mais uma colherada na boca.
Eu ainda estava rindo por causa da última coisa dita por mamãe.
Ela estava bastante solta.
Parece que esse homem tem uma grande influência sobre a mulher.
Tomo um gole de suco, antes de olhar para Jack para ver se ele estava bem.
Depois, arqueio as sobrancelhas, me direcionando agora ao homem ruivo.
–E então o quê?- pergunto sorrindo.
Ele também sorri.
Olha para a comida em seu prato, antes de continuar.
–Me fale sobre voce.- pede.
Ahn... Quê que eu posso falar sobre mim, afinal?
Ele parece perceber que não sei muito o que dizer sobre minha personalidade, e então continua.
–Você tem namorada?- pergunta.
Franzo o cenho, sorrindo de lado.
–O que? N-
–Tem.- escuto a voz de Jack ao meu lado.
Olho para ele, um pouco assustado e paralisado.
Quê que ele quer dizer com isso?
–Ah é?- o homem diz, mas ainda não consigo olhar para ele.
–Sim. A Astrid.- o moreno fala, e me olha debochado.
Suspiro em alívio, estava com medo do que ele ia dizer.
–É mentira.
O homem solta uma gargalhada.
–Não adianta. Ele te entregou.- diz com escárnio.
Rodo os olhos.
–Jack não sabe de nada.- observo o moreno de relance.- Eu não gosto dela.
O garoto deixa sua talher no prato e se aproxima de mim levemente.
–E gosta de quem?- pergunta.
Engulo em seco.
–De ninguém, oras.- respondo indiferente.
Jack roda os olhos, e se afasta.
–Sei.
Puxo o ar fortemente, olhando agora para o homem amigo de mamãe.
–Então ta.- sorri largo.- E a escola?
Limpo a garganta e dou outro gole no suco.
–Está bem. Lá é legal.- respondo por fim.
–Jura?- minha mãe pergunta.
–Hmrrum.- falo, a olhando de relance.
–E a mudança? Sua mãe me contou que você odeia mudanças.- disse, se encostando à cadeira, sorrindo de lado.
Qual é a dele?
Não querendo ser grosso, mas ele está fazendo perguntas demais.
Perguntas que não tenho saco para responder.
O papo na mesa estava legal, mas agora se tornou um tanto tediante.
Ta. Deixa eu ver até onde isso vai.
–É. Mais ou menos isso.- respondo.
–Estou me acostumando com a vizinhança, e os amigos são legais.- digo, e olho por alguns segundos o moreno ao meu lado.
O garoto sorri, me fazendo sorrir também.
E então, desvio minha atenção para Stoico.
Arqueio minhas sobrancelha, a fim de saber se ele tem mais alguma pergunta.
O homem coloca as mãos em cima da mesa, as encarando por um bom tempo.
Olha para mamãe, e depois para mim.
–E...- olha a mulher novamente, limpando a garganta.- E o... E o seu pai?
O que?
Meu pai?
Nunca parei para pensar sobre o assunto antes. E não. Não é mentira.
Claro que quando era menor, já perguntei para mamãe sobre o tal homem, mas não lembro de uma resposta certa e concreta.
Tinha sempre impressão que ela não sabia o que me falar, ou apenas como se expressar.
Também não sinto falta de um pai, ou de perguntar à respeito.
Quer dizer, não é como se eu tivesse algum tipo de ódio ou desgosto sobre isso.
Eu apenas parei de pensar.
Se ele não está aqui, é porque ele não quer. Por quê querer saber de alguém que não quer estar com você?
É muito desperdício.
–Não sei. Está perguntando para a pessoa errada.- dei uma pausa.- Nunca o conheci.
Sorri no final, juntando minhas talheres em cima do prato.
–E não quer saber aonde ele está? Não sente falta de um?- perguntou, juntando as sobrancelhas.
Franzi o cenho, levantando e abaixando os ombros.
–Como posso sentir falta de algo que nunca vi ou tive? Como poderia?- respondi um pouco indiferente.- E sobre querer saber onde ele está, pra quem eu vou perguntar? Mamãe não me disse nada, e realmente não estou ansioso em insistir para que ela o faça.
Isso soou ignorante? Eu não achei.
Ele olhou para a mulher ao meu lado, e depois se virou para mim.
Sorriu forçado.
Sei que foi forçado, porque o jeito como ele estava sorrindo durante a noite toda, não parece nem um pouco com o de agora.
–Oh, então tudo bem.- sorriu mais uma vez. Outro forçado.
Franzi o cenho.
Ele estava agindo estranho...
Mas de qualquer forma, deixei pra lá, isso porque, minha mãe estava me chamando.
–Vamos tirar a mesa.- falou se levantando.
–Eu ajudo.- Jack se pronunciou, também saindo da cadeira.
–Não precisa.- respondo, mas ele não liga muito.
Um segundo depois, o moreno tira o prato que eu estava carregando, e o leva para a pia.
Rodo os olhos com a sua atitude teimosa, e decido limpar a mesa.
Stoico também arranjou algo para com que se ocupar.
Ele e mamãe estão cuidando das louças sujas; onde o homem lava e ela seca e coloca no devido lugar.
Jack e eu, quando terminamos de fazer o que estávamos fazendo, apenas sentamos nas cadeiras novamente, observando a forma brincalhona de como os dois adultos cuidavam dos pratos e talheres.
Eles parecem realmente amigos antigos. Os que se sentem a vontade mesmo.
Me lembra um pouco eu e Astrid, o que me faz sorrir involuntariamente.
–Que foi?- Jack pergunta, me fazendo sair dos meus pensamentos
–Nada, por que?- digo.
–Você está sorrindo que nem idiota.- responde.
–Ah, estou apenas pensando.- falo por fim.
Ele solta um "hum" baixo.
Depois que os dois terminam com as louças, se juntam com a gente.
O clima pesa por um motivo que ainda não saquei.
Minha mãe tem uma expressão esquisita em seu rosto, enquanto seu amigo encara seus dedos brincando em cima da mesa.
Jack está que nem eu. Confuso.
–Ahn, quê que ta rolando?- pergunto, coçando a cabeça.
Mamãe troca um olhar rápido com Stoico e me encara novamente.
–Baixinho, nós temos uma coisa para falar.- diz. Sua voz está tão séria, assim como seus olhos, e cada detalhe de seu rosto.
–Pode falar.- sorrio, tentando aliviar a tensão.
Demora um pouco até que ela continue, mas à partir do momento em que a frase é dita, minha reação é um tanto cômica.
–Bom... Stoico é... Ele é o s-seu pai.
A encaro por alguns segundos, quando depois dos mesmos, eu não consigo evitar uma gargalhada alta.
–Vocês são hilários.- falo, ainda entre risos.
Ta. Eles brincaram a noite toda, não vejo razão para não o estarem fazendo nesse exato momento.
Minha barriga dói, e realmente não sei parar de rir.
–Hiccop, eu não acho que eles estejam brincando agora.- Jack cutuca meu braço, e quando vejo sua expressão, é o suficiente para que meu riso se finde.
E então, olho para a mulher.
Ela realmente não dá sinais de estar brincando, e o homem ao seu lado... Parece tão assustado.
Como é que é?
–O que?
Minhas mãos soam, e tem algo me impedindo de respirar normalmente no fundo da garganta.
–Então, nós-
–Ele é o meu pai?
–Sim, deix-
–Não. Não. Eu não tenho pai.
Começo a me afastar da mesa, empurrando o chão com os pés, automaticamente fazendo a cadeira deslizar pelo piso.
Não acho que tenho controle sobre os meus sentidos, ou razão.
Só vejo minha mãe abrindo a boca, mas já não presto atenção no que ela diz.
E é assim que saio da cozinha, escutando alguém gritando meu nome atrás de mim.
A escada parece nunca acabar, mas acho que o fato de estar tropeçando em quase todos os degraus também não me ajuda com isso.
O corredor também dá a impressão de ser interminável, mas com sorte chego ao meu quarto.
A porta é fechada fortemente e o baque é alto. Mas quem disse que eu ligo?
Lágrimas são sentidas, e meus olhos ardem.
Meu mundo parece desabar, assim que me jogo no colchão macio, que não hesita em me acolher.
Estou confuso demais, até mesmo para me perguntar sobre o porquê estou chorando, pois é logico que não deveria estar.
Não tenho noção do tempo, apenas encaro com a vista embaçada é claro, a lua do lado de fora.
Seu brilho também parece me acolher, mas eu só queria apagar e não mais estar ali. Naquele momento. Naquela casa. Naquela situação. Naquela noite. Naquele ano. Naquele mundo.