Os dias foram passando e com eles vieram o costume de fingir ser o outro. Hayato já não achava tão difícil lidar com Katsuya em casa, tentando tratá-lo bem, mas ao mesmo tempo mantendo certa distância, para que ele não entendesse errado nenhuma atitude. Independente disso, o rapaz estava sempre sorrindo para si, sendo gentil e atencioso, mesmo sem receber nada em troca.

Além de conhecer os amigos no fim de semana, Katsuya também havia comentado sobre o almoço na casa dos pais, perguntando se esse fim de semana ele poderia ou se a agenda ficaria muito lotada. Sem saber ao certo o que Mikaru faria naquela situação, disse que avisaria depois.

A única coisa que começou a incomodar Hayato, foi sua chegada na cafeteria. Nos primeiros dias conseguiu relevar e ignorar o clima tenso, mas com o passar do tempo e a suposta visita frequente de Mikaru, o ambiente foi se tornando mais hostil. Ninguém sorria com sua chegada, ninguém lhe desejava bom dia ou perguntava se queria um café, apenas vislumbrava olhares se desviando, cochichos aos cantos e caretas de desgosto. Era visível que a presença de Mikaru ali não era bem vinda e sabia que parte da culpa era sua. Havia ajudado a alimentar aquela animosidade, ouvindo quando os funcionários falavam mal, às vezes atiçando com alguma informação, mas nunca, em momento algum, havia defendido-o. E agora sentia na pele o que o empresário passava. Talvez fosse esse um dos motivos dele sempre aparecer ao final do dia, próximo ao final de semana e nunca ficava mais do que um par de horas.

Precisava mudar aquilo e rápido.

Faria uma reunião com os funcionários assim que possível e, como Takeo não estava ficando no café aqueles dias, convidaria Mikaru para participar. Se melhorasse o contato entre eles, mostrando um lado agradável de Mikaru e fazendo-o se sentir bem recebido, talvez ele visse vantagens em continuar se aproximando da equipe de trabalho.

Abriu a sala da gerência, aliviado por ter saído do alcance dos olhares de todos no salão, mas estranhou o silêncio no cômodo. Mikaru sempre chegou cedo desde que trocaram e agora não estava ali. Takeo só chegava tarde quando ele mesmo acordava atrasado, mas Mikaru não costumava perder o horário… será que havia acontecido alguma coisa?

* * *

Retirou o braço de Takeo de cima de seu corpo, jogando também as cobertas para um lado e sentando na ponta da cama, um suspiro pesado deixando seus lábios. Massageou o ombro dolorido por ter dormido de mal jeito, a camiseta que usava grudando em seu corpo suado. Não estava acostumado a ter alguém tão próximo a si e por tanto tempo. Não dormia daquela forma com Katsuya. Ficavam próximos, mas sem aquela necessidade de estarem grudados, invadindo o espaço alheio.

— Aconteceu alguma coisa? – a voz veio por cima do ombro de Mikaru, fazendo-o virar o rosto de leve, observando Takeo se sentar também, esfregando os olhos para espantar o sono.

— Nada. Só queria levantar. – ergueu-se do colchão, caminhando até o banheiro da suíte, ouvindo o ruivo se mover atrás de si, com certeza levantando também, mas não lhe dispensou atenção até senti-lo segurar seu pulso, impedindo-o de prosseguir.

— Está chateado comigo? – o tom de voz de Takeo foi cuidadoso e seus dedos faziam uma leve carícia em sua mão, mas não foi o suficiente para acalmá-lo. Mikaru puxou o braço de volta, cruzando ambos sobre o peito.

— Não. Está tudo bem.

— Você tem me evitado, Hayato. Não me deixa chegar perto, nega meus toques, não quer dormir abraçado. Eu quero saber se fiz alguma coisa pra merecer esse tratamento.

— Eu só estou estressado. Ter Mikaru rondando no café todos esses dias está sendo horrível. Aí você fica me cobrando, eu não consigo dormir direito porque tenho pesadelos com ele e com o trabalho, os funcionários não param de falar mal dele… enfim, a última coisa que tenho é cabeça pra querer fazer qualquer coisa com você.

— Ok, entendi… tudo bem… – aproximou-se um passo, descruzando-lhe os braços e beijando a palma da mão – Você sempre reclama quando Mikaru aparece, por conta das trocas de farpas, mas depois fica aliviado porque ele te ajudou com as burocracias. Não é você que sempre diz que ele é competente pra cuidar daquela papelada e que confia nele pra isso?

— Eu disse isso? – aquela era nova: Izumi havia elogiado seu serviço e para Takeo! Sempre achou que ele reclamaria de tudo e que só o tolerava porque eram sócios.

— Sim, você já me disse várias vezes. E se ele está indo todos os dias pra te ajudar, deixando a empresa dele de lado, você podia dar um voto de confiança, ver o lado dele, que está deixando uma parte do serviço acumular pra resolver as pendências com você.

— É… acho que tem razão… – Mikaru resmungou mais controlado, levando a mão livre ao ombro. Ainda se sentia tenso por ter que usar aquela máscara por tanto tempo. Fingir ser Hayato tanto na cafeteria quanto em casa, sorrindo para tudo e todos, tentando ser gentil e amigável, ouvindo outros falando mal dele, tudo aquilo o consumia e desgastava.

Sentiu os braços de Takeo circulando seu corpo, empurrando-o para longe sem pensar duas vezes.

— Eu disse que não estou com cabeça pra isso!

— E quem falou em sexo?! Você está azedo hoje, morango! – Takeo revirou os olhos, indignado com aquela atitude, afastando um passo – Até parece que só penso nisso! Não vou te obrigar se você não quer, mas achei que pudesse pelo menos te consolar com um abraço ou uma massagem, qualquer coisa.

— Desculpe… acho que não dormi o suficiente. – suspirou longamente, esfregando o rosto com força. Há quantos dias fingia ser Izumi? Cinco? Uma semana? Mais? Será que sua sanidade estaria intacta quando voltasse para o próprio corpo? Isso se conseguisse voltar…

Caminhou até o banheiro, parando no batente e olhando para trás, notando Takeo parado onde o havia deixado, mas ele não parecia chateado consigo. O olhar era tranquilo, mas também curioso.

— Se… depois que eu voltar do banheiro, a oferta de massagem ainda está de pé? – perguntou baixinho, recebendo um sorriso aberto de volta, junto com um aceno de cabeça.

— Com certeza!

* * *

Hayato adiantou o que conseguiu fazer no escritório e, vendo que a tarefa seguinte dependeria da ajuda de Mikaru, decidiu descer até o salão para fazer as recomendações de praxe e solicitar aos funcionários que alguns serviços em específico fossem realizados.

O movimento era tranquilo aquele horário, mas possivelmente estaria cheio na hora do almoço e no final da tarde. Não imaginou que o negócio fosse crescer aquele ponto, mas estava satisfeito por não ter desistido da ideia.

Alguns funcionários que conversavam próximos ao balcão prontamente se colocaram alinhados, encarando o suposto Mikaru com atenção. Não era possível que além de aparecer ali todos os dias, ele ainda ficaria vagando pelo salão atrás de defeitos!

Prenderam a respiração quando o empresário andou em suas direções, um dos rapazes prontamente se lembrando de algo que deveria fazer em outro lugar, deixando os colegas sozinhos.

— Aconteceu alguma coisa pra ele sair correndo? – Hayato questionou ao estar frente ao grupo, recebendo vários acenos negativos.

— Não, senhor. Está tudo em ordem! – os outros acenaram em concordância com a afirmação, o que deixou Hayato mais desconfiado. Seria difícil acabar com aquela imagem de Mikaru.

— Alguns produtos vão chegar daqui a pouco, preciso que alguém acompanhe a entrega.

— Eu faço isso, vou aguardar lá nos fundos. – e saiu sem esperar algum outro comentário, sendo seguido por uma moça que disse que ia ajudar.

Hayato voltou-se para Miura, suspirando um pouco mais aliviado por estar perto de alguém que conhecia melhor, até notar a supervisora igualmente tensa como os outros funcionários.

— Tudo bem? – sabia que Mikaru não perguntaria algo assim, mas não conseguiu evitar a preocupação.

— S-sim, tudo ótimo, senhor! O movimento está indo muito bem hoje.

— Estava me referindo a você.

— Ah… sim! Tudo bem também. Não estou doente nem nada, não vou precisar de atestado.

— Certo… sobre as notas fiscais do outro dia, algum retorno? – Hayato sabia que precisava cobrar, pois Mikaru ia pegar no seu pé depois.

— Notas… ah, sim! Ficaram de mandar hoje a tarde. Vou cobrar novamente! – merda… havia esquecido de solicitar a correção. Hoje não era um bom dia para trabalhar.

— Ok, obrigado. – olhou ao redor novamente, ainda incomodado com aquela situação. Só conseguia ver os funcionários que estavam atendendo nas mesas, o restante parecia ter se escondido de algo… ou alguém – Avise a equipe que vamos fazer uma reunião mais tarde. Vou chamar Izumi pra ficarmos no salão pra ouvir vocês. Fiquem a vontade para apontar os problemas e melhorias que acham que podemos fazer.

Miura pareceu empalidecer, mas acenou concordando. Se achou o contrário, o dia provou que podia piorar.