ALICE

– O... o que... está acontecendo? - gaguejei ainda chocada demais para articular uma pergunta melhor.

– Oh, não me diga que você não sabia que seu papaizinho é um anjo caído inescrupuloso que quer começar uma guerra contra os anjinhos? - perguntou Rael com um sorriso torvo.

– Calado, Rael. - ordenou meu pai sem desviar os olhos de mim.

O garoto moreno que me arrastara até ai ainda segurava meu braço com uma força excessiva. Meu pai estava parado alguns passos à minha frente. Vestia calça e camisa social preta.Seu cabelo castanho era cortado bem rente a cabeça e sua barba estava por fazer. Ele me fitava atentamente com seus olhos castanho claros.

– O que está acontecendo, pai? - consegui perguntar com mais firmeza.

– Acho que você já sabe, não é? Acho que você não teria vindo até aqui com aqueles anjos se não soubesse . - disse ele calmamente.

– Eu não entendo. - confessei confusa com tudo aquilo.

– Então deixa eu explicar. - disse ele começando a andar pela sala. - Para começar, eu não sou seu pai de verdade. Sou um anjo caído. Eu era um anjo da guarda, o guardião da sua mãe. E era apaixonado por ela. Mas ela não gostava de mim como eu gostava dela. Para ela eu era só um amigo, o melhor amigo. Ela conheceu seu pai e eles se apaixonaram quase imediatamente. Eu odiava ve-la com ele. Quando ela descobriu que estava grávida de você, ele disse que não podia assumir a criança. Sua mãe ficou arrasada. E eu morrendo de raiva. Então em um momento de... descontrole acabei matando seu pai. Como punição deveria ser acorrentado no inferno, mas implorei para que só arrancassem minhas asas. Porque assim eu poderia ajudar a sua mãe a cuidar de você. Eles deixaram, mas me tiraram a sua mãe. Ela morreu no parto.

Eu não tinha palavras. Já sabia que minha mãe havia morrido no meu parto. Mas toda essas história do meu pai... Um anjo, um assassino, um manipulador, um caído. Eu não o conhecia. Havia crescido com ele e não o conhecia. Ele havia matado meu pai biológico. Está certo que meu pai biológico não me queria, mas isso não era motivo para mata-lo. Minha cabeça parecia que ia explodir. Meu coração afundava dentro do peito, sufocado de emoções.

– Por quê? - perguntei com um fiapo de voz.

– Essa é uma pergunta muito vaga. - comentou ele sentando-se em uma poltrona no canto da sala. Ele apoiou o revólver na perna e deu um gole na sua bebida de cor estranha. - Por que cuidei de você? Porque amava sua mãe. Por que fui tão ausente? Porque estava planejando uma guerra. Por que resolvi entrar em guerra com os anjos? Porque quero me vingar. Eles me enganaram.Tiraram sua mãe de mim. Eles são arbitrários, autoritários e manipuladores. E eles é que merecem ser acorrentados no inferno! - exaltou-se ele.

– Mark é tão sentimental. - debochou Rael.

– Calado! - ordenou meu pai, se é que eu posso chama-lo assim.

–Sabe, foi ideia dele matar você para fazer o Eathan ir para o inferno. - Rael abriu um sorriso zombeteiro. - Adoraria ter um pai assim.

– Calado, seu anjo de merda! - gritou meu pai apontando o revólver para o Rael e atirando. O som seco do tiro ecoou nos meus ouvidos. Rael fez uma careta insatisfeito com a atitude do meu pai, mas continuou na mesma posição no sofá, relaxado.

– Você estragou meu terno. - reclamou ele vendo o tecido branco ficar tingido de vermelho. Ele se contraiu um pouco de dor.

– Foi... foi... - estava sem reação, chocada.

– Sim, querida. - concordou meu pai sem mostrar qualquer arrependimento. - Fui eu. Foi necessário. Ainda é. Precisamos de um anjo que já tenha falhado, assim a queda será mais fácil. - ele fez uma pausa me encarando firmemente. - Pense nisso como um sacrifício por um bem maior.

– Sacrifício por um bem maior? - perguntei indignada. - Que bem maior? Uma guerra maluca contra os anjos? É esse o seu bem maior? Você não amava minha mãe de verdade. - acusei-o ferozmente. - Se a amasse mesmo teria cuidado de mim ao invés de tentar me fazer de sacrifício para esse sue plano descabido.

– Você não sabe de nada! - gritou ele austero. - Você não sabe de nada! Eu amava sua mãe mais do que tudo! E cuidei de você com a minha vida. Por isso acho digno que agora você dê a sua vida para me ajudar. tente ser compreensiva.

– Compreensiva? Infelizmente não consigo ser compreensiva com um monstro insano e sem coração como você! - disse-lhe impetuosa.

– Acho que já chega disso, não? - perguntou Rael levantando-se e ajeitando seu tenro. - Você odeia ele. - ele apontou para mim. - E você não está nem aí para ela. - apontou para o meu pai. - Então vamos acabar logo com isso. Querida, eu vou mata-la. Não se preocupe vou tentar fazer de um jeito que não doa muito.

– E você, Rael, por que está nisso? - perguntei-lhe friamente.

– Bom, ser um anjo da guarda não é tão legal quanto pode parecer. - ele deu de ombros. - Já ser o líder dos anjos acorrentados no inferno parece ser bem mais divertido.

– Vai trair a sua raça por diversão? - sentia-me enjoada no meio daqueles dois psicopatas.

– É, a vida é cheia de escolhas difíceis. E eu quero poder fazer minhas próprias escolhas, viver minha própria vida. Ser um guardião é horrível. Tenho que viver a vida do meu protegido, não a minha. Cansei disso. Quero liberdade, poder...

– Por que esta´contra nós? - perguntou meu pai com certo ressentimento.

– Não sei, talvez seja porque você querem me matar, não é? - falei com escárnio.

– Você sabe que o Eathan tem um histórico ruim, né? Sabe que ele deixou o último protegido dele morrer e que matou o Ralf? - perguntou Rael tirando o blazer e dobrando as mangas da camisa até o cotovelo.

– Ele não deixou o protegido dele morrer, foi um acidente. - defendi. - E ele só matou o Ralf para me defender.

– Foi isso que ele te disse? - Rael riu debochado. - Ele é um péssimo anjo, querida. E mesmo que eu não tivesse tentando te matar ele acabaria te deixando morrer. Ele não se importa de verdade com você.

– Claro que se importa! - senti o sangue ferver dentro de mim.

– Ele não é como você! Ele me ama!

– Você ouviu isso, Mark? - perguntou Rael gargalhando. - Ela acha que o Eathan a ama! Eu não sei se essa sua ingenuidade burra é engraçada ou depressiva.

– Querida, ele não a ama. - disse meu pai com um tom piedoso que me dava raiva. - Ele só está te usando para tentar provar que é um bom guardião.

– Nem todo mundo é insidioso e pérfido como vocês! - gritei tentando me livrar das mãos do garoto moreno que me segurava.

– Gentileza sua fazer-me tantos elogios. - disse Rael alegremente indo até meu pai e pegando o revólver dele. - É realmente muito divertido conversar com você, mas agora infelizmente você tem que morrer. - ele parou à minha frente. - Sem ressentimentos.

Ele bateu com a coronha da rama na minha cabeça. Caí de lado no chão sentindo o sangue escorrer pela lateral do meu rosto. Minha visão estava intrincada, minha cabeça latejando. Levantei os olhos e encontrei Rael com um sorriso sinistro apontando o revólver para mim.

Primeiro o barulho, depois o sangue. Os gritos, o desespero. Tudo tão rápido.